Exclusivo para Veja
O que o ex-tesoureiro tucano pode contar
Há poucos dias, o economista Cláudio Roberto Silveira Mourão, de 60 anos, contou a VEJA, com exclusividade, sua versão sobre o esquema de caixa dois que comandou em 1998, como tesoureiro da campanha à reeleição do tucano Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais. Mesmo antes de ser interrogado a respeito, Mourão fez questão de realçar que o então companheiro de chapa de Azeredo e atual vice-governador mineiro, Clésio Andrade, não teve participação no processo – a não ser ter-lhe apresentado a Marcos Valério, que viria a ser o principal abastecedor do caixa dois. Pode-se supor que, ao comparecer na CPI do Mensalão, para a qual já teve a convocação aprovada, também defenderá Clésio Andrade de responsabilidades naquelas operações. Os detalhes revelados por Mourão demonstram que o sistema de caixa dois de 1998 tem muitas semelhanças com o esquema montado pelo próprio Valério para o PT nas campanhas subseqüentes. A engenharia (via empréstimos), o operador (Valério) e o agente financeiro (Banco Rural) foram os mesmos. A seguir, as principais declarações feitas por Mourão na entrevista que concedeu ao repórter José Edward, da sucursal de VEJA em Belo Horizonte e a relação de contradições e incoerências dessa sua versão:
"No final de julho de 1998, logo no início do primeiro turno, eu me reuni com o então candidato a vice, Clésio Andrade, num restaurante e pedi-lhe um aporte financeiro para a campanha. Clésio me indicou, então, alguns empresários que, segundo ele, poderiam colaborar. O Marcos Valério foi um deles. Me reuni com ele na SMP&B, falei das nossas dificuldades e, na mesma hora, ele se dispôs a fazer um empréstimo de 2 milhões de reais para a campanha. Nos reunimos pela manhã e, à tarde, ele ligou me orientando a comparecer na tesouraria do Banco Rural por volta das 19 horas do dia seguinte. Quando cheguei lá, eles me entregaram os recursos em dinheiro vivo. Eu paguei este empréstimo uma semana depois, quando começaram a entrar as doações oficiais. O Azeredo e o Clésio não ficaram sabendo dessa transação. Aliás, essa é a primeira vez que falo sobre isso. Acho até que o Marcos Valério se esqueceu..."
"No segundo turno, voltei a procurar Marcos Valério e ele fez uma doação de 9 milhões de reais para a campanha. Depois que perdemos a eleição ele passou a dizer que foi empréstimo, mas na verdade o combinado foi uma doação"
"O Marcos Valério resolveu nos ajudar porque vislumbrou que suas agências não teriam espaço num eventual governo de Itamar Franco, que naquele momento estava com muitos pontos à frente nas pesquisas. Por isso, ele resolveu fazer os empréstimos para nos ajudar a reverter o quadro e, assim, assegurar que continuaria a ser fornecedor do Estado"
"Marcos Valério não pediu nada em troca. Pelo contrário, ao final do governo Azeredo, suas agências ficaram com créditos no valor 5 milhões de reais, os quais não sei se foram honrados pelo sucessor, Itamar Franco. Ele fez apenas duas exigências: a primeira foi de que os recursos não deviam ser declarados. Ou seja: deveriam ser jogados num caixa dois. A segunda foi de que ele próprio é quem iria repassar os recursos que seriam destinados aos candidatos a deputado. Creio que foi uma forma que ele encontrou para, em caso de perdemos a eleição majoritária (o que de fato aconteceu), ter influência e prestígio pelo menos junto a alguns deputados que eventualmente fossem eleitos"
"Geralmente, as indicações chegavam até mim por intermédio de lideranças como o então vice-governador Walfrido dos Mares Guia e o candidato a vice, Clésio Andrade. Eu, então, repassava os pedidos para Marcos Valério, que efetuava os pagamentos por meio de transferências bancárias. Como ele já divulgou, ele repassou 1,8 milhão para 79 pessoas, algumas das quais ele próprio definiu. O restante foi todo utilizado por mim para pagar despesas do dia-a-dia da campanha"
"Eduardo Azeredo e Clésio Andrade não tiveram nenhuma responsabilidade na operação do esquema de caixa dois da campanha de 1998. Eu tinha total autonomia e fiz tudo da minha cabeça. Logo depois da campanha, prestei contas de tudo ao Eduardo Azeredo. Informei-lhe, inclusive, que a maior parte dos 20 milhões gastos foram oriundos de caixa dois"
"Na primeira campanha de Azeredo ao governo de Minas, em 1994, da qual também fui tesoureiro, também teve caixa dois"
CAINDO EM CONTRADIÇÕES
Há algumas incoerências na entrevista que Mourão deu à VEJA. Eis as principais:
Mourão diz que, logo após a campanha de 1998, apresentou ao candidato derrotado, Eduardo Azeredo, uma relação de todos os gastos da campanha, incluindo a contabilidade do caixa dois. Em depoimento espontâneo na CPI dos Correios, Azeredo afirmou que só ficou sabendo da existência de caixa dois em sua campanha recentemente.
Mourão diz que foi dele a iniciativa de procurar o então candidato a vice-governador, Clésio Andrade, para pedir ajuda, e que o mesmo não tomou conhecimento dos empréstimos e doações feitas por Marcos Valério durante a campanha. Em depoimento à CPI do Mensalão, Marcos Valério afirmou que Clésio Andrade é quem foi o idealizador dessas operações. "
Mourão diz que os 4,5 milhões de reais repassados ao publicitário Duda Mendonça em 1998 foram todos pagos por ele diretamente à sócia de Duda, Zilmar Fernandes. Em seu depoimento na CPI, Marcos Valério disse que foi ele quem passou o dinheiro diretamente para Zilmar. "
Mourão diz que depois da eleição de 1998 não manteve nenhuma relação de negócios com Marcos Valério, mas em 2001 Marcos Valério foi avalista de um empréstimo feito pela pessoa física Cláudio Mourão junto ao Banco Rural. "
Mourão nega que Eduardo Azeredo e Clésio tiveram alguma responsabilidade com o caixa dois. Mas, em novembro do ano passado, ele entrou com uma ação na Justiça contra Azeredo e Clésio, na qual cobra uma indenização de 3,5 milhões de reais por dívidas que teria contraído durante a campanha de 1998. Em julho último, logo após a eclosão do escândalo do mensalão, ele retirou subitamente a ação da Justiça.