Um Depoimento de Rosalina de Santa Cruz
“Era 1974, o mês era junho. Cheguei ao meu apartamento na rua Angélica, em São Paulo, ansiosa e triste; mais um dia sem notícias de Nando, irmão querido preso e desaparecido desde 23 de abril daquele mesmo ano. Meu primeiro filho, André, de apenas cinco meses, estava no seu bercinho com aquele sorriso desdentado, tão lindo e inocente dos recém-nascidos. André com tão poucos meses já havia sido preso, ficando nas mãos dos policiais por dois dias naquele mesmo apartamento, quando eu e seu pai fomos seqüestrados e presos pela segunda vez.
Perdida em meio a pensamentos que me eram constantes nesse momento... minha prisão, os dias de tortura, as lembranças das companheiras de mais de um ano de convivência forçada... o medo do que poderia está acontecendo com Fernando naquele momento, o que poderia vir a acontecer novamente comigo, com o Geraldo, com tantos outros companheiros que estavam na clandestinidade e os que estavam presos sem perspectiva de saírem por muitos anos...abri a porta do apartamento temerosa como sempre ...e ...encontrei um bilhete que fora colocado por baixo da porta, peguei-o e o li apressadamente -" Sou uma mãe desesperada como a tua, em busca de minha filha presa e desaparecida. Peguei teu endereço ontem na Cúria quando fui falar com D. Paulo. Gostaria de encontrá-la lá na próxima terça feira à tarde. Nossa dor e nossa luta são iguais, não falte!". O bilhete estava assinado por D. Felícia, mãe de Isis Dias de Oliveira, desaparecida até hoje, como meu irmão.”
Esse foi o começo para mim dos encontros que sempre tive e terei com todos que buscam revelar o que se passa por trás dos bastidores.
Vejo muita semelhança entre muito do que vivi e o que você, Cesare, viveu e está vivendo. Percebo semelhanças no que se refere a autoritarismo e poder desenfreado do Judicial. Eu entendo a dor e o sofrimento indescritíveis por que deve ter passado e está passando na prisão, a tortura psicológica que o Supremo Tribunal federal está lhe impingindo: sem perspectivas de sair, o medo do que pode vir a acontecer e, sobretudo, o seu frustrado desejo de liberdade, para viver dignamente, para continuar a cumprir com o papel histórico que escolheu.
Por tais razões, hoje eu reforço, dentro de minhas limitações, as atuações do Comitê Battisti Livre/SP, bem como louvo a formação de outros comitês – por aí espalhados - a favor de sua liberdade.
Rosalina Santa Cruz
* Rosalina de Santa Cruz é assistente social, ex-presa, familiar de desaparecido político, ex- secretaria muncipal na gestão de Luíza Erundina (PT) e integrante do CBA/SP.