Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
À medida que avança a montagem do governo, fica mais visível a dificuldade que a maioria dos analistas tem de assimilar algo que as pessoas comuns entenderam com facilidade nas eleições deste ano.
A ideia de continuidade, na verdade, é simples. Se você gosta de uma coisa, quer que ela permaneça. Se gosta muito, que ela seja, amanhã, o mais parecida com o que é hoje. Inversamente, se desgosta, seu desejo é que ela mude. Se desgosta muito, que mude completamente.
Assim é com os governos. Quando uma administração bem avaliada termina, a maioria dos eleitores (logicamente) quer que ela continue. Se o bom governante pode ser reeleito, ótimo. Se não, se já cumpriu seu segundo mandato, a continuação, normalmente, acontece através de alguém indicado por ele, que se compromete a dar sequência ao que estava em curso. Os outros concorrentes fazem questão de dizer que não promoveriam grandes alterações se ganhassem.
Quando um mau governo se encerra, o oposto é a regra: todo mundo quer mudança. Se for muito ruim, mudanças completas. Os candidatos fazem fila para atacar o culpado.
No Brasil moderno, já tivemos exemplos de sucessões dos dois tipos nos estados e em inúmeros municípios. Este ano, vimos governos estaduais continuando, nas reeleições de vários (bons) governadores e na eleição de candidatos comprometidos com a continuidade. E vimos mudanças em alguns, quase sempre pela insatisfação com o trabalho de quem saía.
Na sucessão presidencial, houve uma novidade. Foi a primeira vez que um presidente bem avaliado indicou alguém para sucedê-lo, o que não havia acontecido com Sarney, Collor ou Fernando Henrique. O mais parecido fora Itamar, mas seu governo não pode ser comparado aos dos outros.
Lula indicou Dilma como candidata de continuidade, Dilma se comprometeu com ela e os eleitores acreditaram que era isso que ela faria. Seria extraordinário se, agora, ela desdissesse o que prometera. Que mandasse às favas as expectativas da maioria do eleitorado, que queria a continuidade.
Quem se surpreende com a disposição da presidente de manter sua palavra são aqueles que não a levaram a sério. Que achavam, talvez, que, uma vez eleita, Dilma “poria as manguinhas de fora” e viraria outra pessoa.
De fato, nossa história política está cheia de exemplos de candidatos que são uma coisa no palanque e outra no palácio. Mas nada, na biografia de Dilma, sugere que ela seja desse tipo.
Nossos analistas não se conformam com o fato do primeiro escalão estar sendo montado, predominantemente, com integrantes do atual governo. Por isso, a cada vez que a presidente anuncia um novo nome, aplicam-lhe um teste. Se o indicado for alguém ligado a Lula, “se decepcionam”. Parece que desejam que Dilma tire coelhos da cartola a cada nomeação. Se não o faz, resmungam que ela exagera na dose de continuidade.
Perguntados sobre o que acham da presidente, os brasileiros estão, majoritariamente, tranquilos em relação a seus atributos como governante. Em pesquisa nacional da Vox Populi concluída esta semana, 65% dos entrevistados a consideraram “preparada para administrar o Brasil” e 67% disseram que ela “ é uma líder, com capacidade de comando”. Discordaram 25% e 21%. Em outras palavras, mesmo muitos que não votaram nela a veem positivamente.
É cumprindo o que prometeu que Dilma transformará expectativas em boa avaliação. Até o momento, seu principal compromisso, a continuidade, está sendo honrado na formação do governo.
Correio Braziliense