27 junho 2010

Ação do DEM quer retirar direitos quilombolas

Bancada ruralista no Congresso se mobiliza para tornar ilegal decreto que regulamenta as terras

Ação quer retirar direitos quilombolas
MPF acompanha famílias da comunidade quilombola de Santa Izabel

Nas últimas semanas o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) criou 12 novos Territórios Estaduais Quilombolas. Todos localizados no município de Moju. O Iterpa também demarcou o Território Estadual Quilombola de Gurupá, localizado no município de Igarapé-Açu, e o Território Estadual Quilombola de Nossa Senhora do Livramento, em Nova Timboteua. É o tipo de ação que, se por um lado, reconhece direitos dos descendentes de escravos no Brasil, por outro enseja revoltas por parte da bancada ruralista do Congresso Nacional, que busca judicialmente tornar ilegal a regulamentação das terras quilombolas no País.

Capitaneada pelo DEM, a bancada ruralista entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade do Decreto 4887/2003, que é responsável por regulamentar a titulação de terras quilombolas no Brasil. A ação já está no Supremo Tribunal Federal apenas esperando ser julgada.

Caso o STF venha a declarar a inconstitucionalidade, a consequência imediata é que irá anular o decreto desde o início de sua edição. Ou seja, todos os territórios quilombolas demarcados desde 2003 deixariam de ter validade. As famílias que vivem nessas comunidades perderiam a titularidade das terras e o dinheiro dos projetos que foram investidos nelas também se perderiam.

“É um retrocesso na medida em que retira direitos consignados de segmentos sociais que por sua história de luta e exclusão fazem jus aos avanços conquistados, mas também do ponto de vista social pelo imobilismo provocado em função da dificuldade real de acessar as políticas públicas já estabelecidas”, avalia a socióloga Graça Amaral, responsável pelo projeto Populações Tradicionais e de Reservas Extrativistas, da Emater. Segundo ela, uma das consequências seria o aprofundamento do processo de exclusão a que “historicamente sempre foram submetidas essas populações”.

No governo estadual o posicionamento é contrário ao do DEM. Em nota, o Institito de Terras do Pará, Iterpa, diz que defende a constitucionalidade do decreto 4.887/2003 que regulamenta “o procedimento para a identificação, reconhecimento, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas”.

>> Ameaça a 400 comunidades no Pará

Segundo o Iterpa, o Pará vem se consolidando como o estado brasileiro que mais entregou Títulos de Terras quilombolas no País. Por isso, “ratifica a importância do reconhecimento da propriedade definitiva para qualquer comunidade remanescente de quilombos”. No Pará, até o ano passado, existiam mais de 400 comunidades quilombolas identificadas. Atualmente, mais de 120 são tituladas e possuem território delimitado. Em todo o Brasil, existem comunidades quilombolas em 24 estados. O processo de titularidade chega a levar um ano.

A atual legislação sobre a titulação de terras quilombolas foi considerada um avanço por especialistas no assunto. Mas, desde 2004, o então Partido da Frente Liberal, atual Democratas, luta para derrubar o decreto. “Não conseguiram liminar no Supremo. Isso significa que o decreto continua valendo”, afirma o procurador da República Felício Pontes Jr.

O Ministério Público Federal acompanha o caso de perto. Segundo Felício Pontes, o que o DEM pretende não encontra respaldo jurídico. “Não tem fundamento de inconstitucionalidade”, diz o procurador.
Segundo ele, o argumento do partido não tem consistência. “Dizem que a matéria deveria ser tratada por lei e não por decreto presidencial. Só que já existem duas leis que tratam diretamente do assunto. A lei 9649, de 1988, e a lei 7668, de 1988, que já regulamentam e disciplinam em termos gerais como se delineam os quilombolas”.
O procurador diz que a demarcação das áreas baseia-se não nas terras originárias dos ex-escravos, mas sim onde estão os descendentes. “É onde eles vivem e produzem”, afirma.
Se o decreto for revogado pelo Supremo, a titulação passa a obedecer ao decreto 3912, de 2001. É um decreto que só reconhecia terras como quilombolas as que estavam ocupadas por remanescentes das comunidades no período de promulgação da Constituição de 1988. “Mas não acredito que o Supremo vá decidir a favor da inconstitucionalidade”, afirma Felício Pontes Jr.