Lurian ri por último
Vinte anos depois de ser arrastada para o turbilhão eleitoral de 1989, Lurian, filha de Lula, vira autoridade e tem portas abertas em Brasília
Há 20 anos, Lurian Cordeiro Lula da Silva viu a mãe, Miriam, surgir na televisão e afirmar que seu pai, Lula, "me ofereceu dinheiro para abortar". Numa cena financiada e levada ao ar por Fernando Collor de Mello, que disputava a Presidência, Miriam contou ainda que, depois do parto, entregou a filha "no colo" de Lula e disse: "Agora, você mata". A imagem teve impacto histórico. O pai de Lurian perdeu a eleição. Em 1989, ela tinha 15 anos.
Vinte anos depois de ser arrastada para o turbilhão eleitoral de 1989, Lurian, filha de Lula, vira autoridade e tem portas abertas em Brasília
Há 20 anos, Lurian Cordeiro Lula da Silva viu a mãe, Miriam, surgir na televisão e afirmar que seu pai, Lula, "me ofereceu dinheiro para abortar". Numa cena financiada e levada ao ar por Fernando Collor de Mello, que disputava a Presidência, Miriam contou ainda que, depois do parto, entregou a filha "no colo" de Lula e disse: "Agora, você mata". A imagem teve impacto histórico. O pai de Lurian perdeu a eleição. Em 1989, ela tinha 15 anos.
Há alguns dias, ela recebeu a coluna em São José, cidade de 205 mil habitantes, vizinha de Florianópolis (SC). Lurian tem agora 35 anos. Há seis meses, assumiu o cargo de secretária de Assistência Social do município. Comanda 67 funcionários e um orçamento de R$ 4 milhões. Por razões de segurança, a filha do presidente da República, o marido e os dois filhos têm sempre seis carros blindados à disposição e 12 policiais em sua cola. Na semana passada, Lurian viajou a Brasília. Foi recebida pelos ministros Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, e Carlos Lupi, do Trabalho.
"Um jornalista já me propôs: "Lurian, vamos escrever um livro [sobre 1989]". Mas o que eu tenho para falar sobre aquilo? Nada. Eles falam: "É um marco na sua vida". Não. O marco na minha vida é o dia 8 de março de 1974, quando eu nasci. Você não acha?" pergunta ela num almoço no bandejão de um centro de convenções de São José onde se realizava um encontro de assistentes sociais. Entre garfadas num prato de salada, arroz e iscas de frango empanado, ela fala sem parar -dos filhos, do marido, do pai.
A filha mais velha, Maria Beatriz, 14, "é fã do Kaká". Quando soube que o avô receberia o jogador na Granja do Torto, em 2007, ligou para Lula. Disse que iria visitá-lo. "Bia, não tem nada a ver. O Kaká é casado!", bronqueou o presidente. "Louca por Cuba", a menina conheceu Fidel Castro no jantar da posse de Lula, no Palácio da Alvorada, em 2003. "Eu falei: "Bia, vamos grudar no Zé Dirceu pra falar com o Fidel"." Deu certo.
A coluna mostra a Lurian a edição da Folha daquele dia. Na capa, uma foto de Lula abraçando Collor. Os dois se encontraram num comício em Alagoas e o presidente elogiou o antigo adversário. Lurian segura o jornal. "Jesus...", diz. Observa a imagem por um tempo. "Mas ele não está rindo para o Collor não, gente. Ele está rindo pra alguém que está atrás dele. Pode ver!" O filho, João Gabriel, 4, espia a cena. "Quem é este?" "Bisavô", diz o menino. "Vovô! Vovô!", corrige a mãe.
Collor está com a mão sobre os ombros do petista. "Contanto que não coloque a mão no meu ombro, tá bom!", brinca ela. "Eu falei: "Ai, pai!" [quando Lula se encontrou outras vezes com Collor]. Porque tem que ter estômago. E ele falou: "Lurian, não fui eu que elegi ele. Foi o povo de Alagoas, filha. Eu tenho que receber"."
Cerca de um ano depois de 1989, Lurian voltou a se dar bem com a mãe, que hoje está aposentada e mora em São Bernardo. As duas se veem nas férias escolares -ou Miriam viaja para Santa Catarina, ou Lurian para SP. "Perdoei, perdoei", diz ela sobre a mãe. Cuidadosa, evita se alongar no assunto.
Ela morou com a mãe e a avó materna, Beatriz, quando era pequena. Quando Miriam se casou, com um homem que tinha sete filhos, Lurian ficou com a avó -que homenageou dando o mesmo nome à filha. A história da proposta de aborto nunca "fechou" em sua cabeça.A primeira mulher de Lula morreu quando estava grávida. Ele sempre disse a Lurian que era louco por um bebê. Registrou a filha tendo como testemunha uma tia dela. A avó materna de Lurian gostava de Lula. Quem acabou o relacionamento foi Miriam. Em 1982, o agora presidente conseguiu na Justiça colocar o apelido "Lula" em seu nome e no dos filhos -inclusive no de Lurian.
Tempos depois da campanha de 89, Lurian passou oito meses em Paris com Marília Andrade, herdeira da empreiteira Andrade Gutierrez, amiga da família. "Ela é uma figuraça, assim... é de uma família rica mas, na ditadura, viveu no Paraná com o que plantava numa horta", diz Lurian. "Falaram que eu vivi às custas da Andrade... nada a ver. Eu trabalhei de babysitter lá." Falaram também que Marília pagou uma cirurgia que Lurian fez nos seios. "O médico disse isso para aparecer, sabe? Nada a ver. Eu tinha displasia mamária e a Marília me apresentou o médico da prima dela, só isso."
Lurian já pensou em fazer cirurgia de redução do estômago quando pesava 120 kg. "Eu era viciada em remédio para descongestionar o nariz. Fiquei com excesso de cortisona e comecei a reter líquido." Optou por um tratamento com diurético. Hoje pesa 70 kg.
Lurian não usa brincos, pulseiras nem anéis -só um colar que comprou no Santuário do Terço Bizantino, do padre Marcelo. Ela aderiu no ano passado à Canção Nova, de SP, comunidade ligada ao movimento de Renovação Carismática Católica. Contribui com R$ 15 mensais e virou amiga do vereador Gabriel Chalita (PSDB-SP), do grupo. Já deu entrevistas no programa de rádio dele. "Eu estava com medo porque ele é bem Alckmin, né? Mas foi tudo bem." No ar, o vereador lia cartas das "chalitetes": "Quero casar com você." Chalita perguntava: "E aí, Lurian? Eu caso?"
Na Canção Nova, diz, "só te abraçam, não pedem nada". Nas missas em São José, "pedem, pedem tudo! Reforma da igreja, consulta a processo em Manaus. Você tinha que ser filha de presidente por um dia para ver como é". Em junho, um "cientista japonês" marcou audiência com Lurian. Colocou três lâmpadas sobre a mesa. Pegou na mão dela e pediu que fechasse os olhos para "energizar". De repente, ordenou: "Ligue para o seu pai!" Lula estava na Líbia, com Muammar Gaddafi. "Agora eu não posso..." De repente, as lâmpadas explodiram. A mesa pegou fogo.
Formada em jornalismo na década de 90, ela se mudou em 2001 para Blumenau, onde trabalhou como assessora de imprensa do PT. Lurian repara até hoje nos "erros crassos de português" dos jornalistas. Mas o seu pai também não erra? "Ele não erra mais, não. Lembra quando falou que antigamente dizia "menas" e agora fala "en passant'?" E como ele se corrigiu? "Ah, isso foi o [Ricardo] Kotscho [ex-assessor de Lula]. Ele dizia: "Menas, não, Lula. Menos. Menos"."
Depois ela se mudou para Florianópolis -o marido, Marcelo Sato, é assessor de uma deputada estadual. Estava em casa cuidando dos filhos quando foi chamada para assumir a secretaria por um salário de "uns R$ 5.000 líquidos".
O prefeito Djalma Berger explica como surgiu a ideia. "É uma honra para qualquer cidade do Brasil ter a filha do presidente como secretária. Dá um upgrade na equipe." O prefeito diz ainda que "lá em Brasília, não tem dúvida de que ela te abre portas porque todo mundo adora ela e quer ajudar". Em 1989, "te confesso, votei no Collor", diz Djalma. Ele era do PL. Hoje, é PSB. Conhecia Lula "só de televisão". Com Lurian, conseguiu audiência de uma hora com o presidente. "O Lula falou: "Lurian, minha filha, aproveita bem essa oportunidade que o prefeito tá te dando e faz uma carreira"."
Quando vai a Brasília, Lurian muitas vezes se hospeda no Palácio da Alvorada. Mas fica preocupada quando está com os filhos. "Lá tem riscos: rampas, varandas sem proteção, vidros." As crianças frequentam pouco Brasília e, segundo Lurian, jamais viajaram com o avô para o exterior. "Quem fica mais com eles é o Thiago, neto da Marisa." Ela se dá bem com a primeira-dama? "Sim, eu respeito ela", diz Lurian. "A Marisa adora os meus filhos."
Ela vive num apartamento em Coqueiros, bairro de classe média de Florianópolis "Outro dia uma pessoa falou: "Por que não fazemos uma reunião na mansão da Lurian?'", diz Valéria Carvalho, secretária-adjunta de Assistência Social. "O pessoal delira." A própria Lurian conta que um religioso da cidade disse a ela que conhecia sua casa de praia. "Padre, até o senhor, padre?", disse ela.
O prefeito vê futuro na auxiliar. "Com esse sobrenome e essa secretaria que dei a ela, a Lurian se elege qualquer coisa", diz. Ao lado da sala da filha do presidente, está instalada uma "sala do PAC". Ali, uma equipe estuda as demandas sociais de famílias que serão beneficiadas por obras de R$ 11 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento. A pasta de Lurian fará também o recadastramento do Bolsa Família, que hoje atende a 2.400 famílias. Tem "potencial" para 5.000.
"Eu? Nunca! Nunca!", diz Lurian ao saber da declaração do prefeito. Ela já foi candidata (derrotada) a vereadora em São Bernardo, em 96. Diz que agora só quer saber de "bastidor". "Eu acho assim, ó: uma pessoa nessa secretaria que faz as coisas pensando em voto... seria, assim, explorar a desgraça alheia." A equipe de Lurian protesta. "Precisamos de gente como você", diz a vereadora Mari Vieira, do PMDB.
Lurian termina a semana numa festa julina com crianças em situação de vulnerabilidade atendidas pela secretaria. "Cadê a Lula, tia? A Lula tá aí?". Entre os pequenos, a filha do presidente só é chamada pelo nome de seu pai.
Mônica Bergamo