Refúgio concedido, extradição impossível
Dalmo Dallari * , Jornal do Brasil
RIO - Conceder a extradição de um estrangeiro que, mediante processo regular e por decisão de autoridade competente, já obteve a condição legal de refugiado, seria a negação do estado democrático de direito e daria justificativa para que o Brasil fosse qualificado como republiqueta. Quem poderia acreditar na seriedade do sistema jurídico brasileiro depois de uma escandalosa desmoralização das autoridades promovida por outras autoridades? Isso é tão óbvio que se o Supremo Tribunal Federal conceder a extradição de um estrangeiro legalmente refugiado no Brasil perderá sua autoridade e respeitabilidade e os seus membros passarão a ser referidos não mais como ministros, mas como sinistros, integrantes de um tribunal de inquisição.
Por absurdo que pareça, está ocorrendo uma injustificável resistência do presidente do Supremo Tribunal em respeitar e cumprir decisão regularmente tomada pelo ministro da Justiça em matéria de sua indiscutível competência. Essa resistência vem permitindo especulações diversas. Para quem acredita na seriedade das instituições judiciárias, o noticiário da imprensa pode parecer um produto de desinformação ou, mais grave ainda, a revelação da influência de fatores não-jurídicos na manipulação do direito.
Visando o estabelecimento de regras que dessem proteção às pessoas compelidas a refugiar-se, a ONU aprovou, em 1951, uma Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, seguida, em 1967, de um Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, ambos com a adesão do Brasil e formalmente integrados ao direito positivo brasileiro sem nenhum voto contrário dos membros de ambas as Casas do Congresso Nacional. É oportuno lembrar que pelo disposto no artigo 5°, parágrafo 3° da Constituição, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados por três quintos dos membros do Congresso Nacional serão equivalentes às emendas constitucionais. Para dar efetividade a esses compromissos, foi aprovada a Lei número 9.474, de 22 de Julho de 1997, que definiu mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados. Com base nas disposições dessa lei, as decisões sobre concessão ou negativa do refúgio foram atribuídas ao Ministério da Justiça. Funciona nesse Ministério um Comitê Nacional para os Refugiados – Conare, composto de sete membros designados pelo presidente da República, devendo ser convidado para todas as sessões um representante do Alto Comissariado das ONU para Refugiados.
Compete ao Conare decidir, em primeira instância, sobre a concessão ou negativa do refúgio. Das decisões do Conare caberá recurso ao ministro da Justiça, dispondo a lei, nos artigos 31 e 41, que “a decisão do ministro da Justiça é irrecorrível”.
Finalmente, dispõe expressamente a lei, no artigo 33, que “o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio”. É precisamente essa a situação dos processos de pedido de refúgio, já decidido favoravelmente ao solicitante, e de extradição, pendente no Supremo Tribunal. Se respeitar a Constituição e as leis, o Supremo Tribunal Federal deverá, pura e simplesmente, declarar extinto o processo de extradição, pela existência de um obstáculo legal intransponível. Dar continuidade ao processo e, absurdo dos absurdos, decidir concedendo a extradição, seria uma afronta à Constituição e aos compromissos internacionais do Brasil e dizer ao mundo que o Brasil não é um país civilizado, regido por uma ordem jurídica democrática.
* professor e jurista
Dalmo Dallari * , Jornal do Brasil
RIO - Conceder a extradição de um estrangeiro que, mediante processo regular e por decisão de autoridade competente, já obteve a condição legal de refugiado, seria a negação do estado democrático de direito e daria justificativa para que o Brasil fosse qualificado como republiqueta. Quem poderia acreditar na seriedade do sistema jurídico brasileiro depois de uma escandalosa desmoralização das autoridades promovida por outras autoridades? Isso é tão óbvio que se o Supremo Tribunal Federal conceder a extradição de um estrangeiro legalmente refugiado no Brasil perderá sua autoridade e respeitabilidade e os seus membros passarão a ser referidos não mais como ministros, mas como sinistros, integrantes de um tribunal de inquisição.
Por absurdo que pareça, está ocorrendo uma injustificável resistência do presidente do Supremo Tribunal em respeitar e cumprir decisão regularmente tomada pelo ministro da Justiça em matéria de sua indiscutível competência. Essa resistência vem permitindo especulações diversas. Para quem acredita na seriedade das instituições judiciárias, o noticiário da imprensa pode parecer um produto de desinformação ou, mais grave ainda, a revelação da influência de fatores não-jurídicos na manipulação do direito.
Visando o estabelecimento de regras que dessem proteção às pessoas compelidas a refugiar-se, a ONU aprovou, em 1951, uma Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, seguida, em 1967, de um Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, ambos com a adesão do Brasil e formalmente integrados ao direito positivo brasileiro sem nenhum voto contrário dos membros de ambas as Casas do Congresso Nacional. É oportuno lembrar que pelo disposto no artigo 5°, parágrafo 3° da Constituição, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados por três quintos dos membros do Congresso Nacional serão equivalentes às emendas constitucionais. Para dar efetividade a esses compromissos, foi aprovada a Lei número 9.474, de 22 de Julho de 1997, que definiu mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados. Com base nas disposições dessa lei, as decisões sobre concessão ou negativa do refúgio foram atribuídas ao Ministério da Justiça. Funciona nesse Ministério um Comitê Nacional para os Refugiados – Conare, composto de sete membros designados pelo presidente da República, devendo ser convidado para todas as sessões um representante do Alto Comissariado das ONU para Refugiados.
Compete ao Conare decidir, em primeira instância, sobre a concessão ou negativa do refúgio. Das decisões do Conare caberá recurso ao ministro da Justiça, dispondo a lei, nos artigos 31 e 41, que “a decisão do ministro da Justiça é irrecorrível”.
Finalmente, dispõe expressamente a lei, no artigo 33, que “o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio”. É precisamente essa a situação dos processos de pedido de refúgio, já decidido favoravelmente ao solicitante, e de extradição, pendente no Supremo Tribunal. Se respeitar a Constituição e as leis, o Supremo Tribunal Federal deverá, pura e simplesmente, declarar extinto o processo de extradição, pela existência de um obstáculo legal intransponível. Dar continuidade ao processo e, absurdo dos absurdos, decidir concedendo a extradição, seria uma afronta à Constituição e aos compromissos internacionais do Brasil e dizer ao mundo que o Brasil não é um país civilizado, regido por uma ordem jurídica democrática.
* professor e jurista