Entrevista: Gilberto Carvalho
O chefe-de-gabinete fala dos bastidores do governo, das crises e do dia em que o presidente pensou em mudar a economia
Otávio Cabral
"Lula sabe que o principal mérito do governo é a economia. Assim, se o banqueiro tiver lucro, tudo bem. Ele diz: 'Eu prefiro que esses caras tenham lucro agora do que fazer um Proer para eles'"
O chefe-de-gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, é testemunha privilegiada de tudo o que se passa nos bastidores do governo. As crises, as conversas, as intrigas palacianas, as reações do presidente. Nada disso escapa aos olhos e ouvidos de Gilberto - o único assessor autorizado a entrar na sala do presidente sem prévia autorização, o que ele faz dezenas de vezes ao dia utilizando um acesso reservado. Gilberto recebe Lula na porta do gabinete, quase sempre por volta das 9 horas, e participa de todas as audiências. Seu expediente só termina à noite, quando o presidente deixa o Palácio do Planalto. Amigo de Lula há mais de trinta anos, Gilberto também é o responsável pela organização da agenda, supervisiona os trabalhos da segurança, organiza as viagens, cuida do cerimonial e ainda exerce a função de conselheiro. "A gente construiu uma liberdade muito grande. Claro que não vou dar bronca nele na frente de ministros. Mas depois, no particular, falo: 'Cara, você errou nisso aqui'", diz. Não existe, ao que parece, muita formalidade entre os dois. O presidente chama Gilberto de "Baixinho" (ele tem 1,60 metro de altura), e Gilberto, quase sempre, o chama de Lula. "Mas ele prefere mesmo ser tratado de presidente", afirma o assessor. Normalmente reservado, esse ex-seminarista, de 56 anos, recebeu VEJA na segunda-feira passada em seu gabinete, decorado com imagens de santos e fotos da família e do presidente. Na entrevista, Gilberto conta histórias reveladoras. Decepcionado com os resultados iniciais da política econômica, Lula pensou em mudá-la radicalmente, o que só não ocorreu por causa do escândalo do mensalão. No pior momento do governo, ele confirma que o presidente foi aconselhado por dois de seus principais ministros a fazer um acordo com a oposição e não disputar a reeleição para evitar um provável impeachment.
O chefe-de-gabinete fala dos bastidores do governo, das crises e do dia em que o presidente pensou em mudar a economia
Otávio Cabral
"Lula sabe que o principal mérito do governo é a economia. Assim, se o banqueiro tiver lucro, tudo bem. Ele diz: 'Eu prefiro que esses caras tenham lucro agora do que fazer um Proer para eles'"
O chefe-de-gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, é testemunha privilegiada de tudo o que se passa nos bastidores do governo. As crises, as conversas, as intrigas palacianas, as reações do presidente. Nada disso escapa aos olhos e ouvidos de Gilberto - o único assessor autorizado a entrar na sala do presidente sem prévia autorização, o que ele faz dezenas de vezes ao dia utilizando um acesso reservado. Gilberto recebe Lula na porta do gabinete, quase sempre por volta das 9 horas, e participa de todas as audiências. Seu expediente só termina à noite, quando o presidente deixa o Palácio do Planalto. Amigo de Lula há mais de trinta anos, Gilberto também é o responsável pela organização da agenda, supervisiona os trabalhos da segurança, organiza as viagens, cuida do cerimonial e ainda exerce a função de conselheiro. "A gente construiu uma liberdade muito grande. Claro que não vou dar bronca nele na frente de ministros. Mas depois, no particular, falo: 'Cara, você errou nisso aqui'", diz. Não existe, ao que parece, muita formalidade entre os dois. O presidente chama Gilberto de "Baixinho" (ele tem 1,60 metro de altura), e Gilberto, quase sempre, o chama de Lula. "Mas ele prefere mesmo ser tratado de presidente", afirma o assessor. Normalmente reservado, esse ex-seminarista, de 56 anos, recebeu VEJA na segunda-feira passada em seu gabinete, decorado com imagens de santos e fotos da família e do presidente. Na entrevista, Gilberto conta histórias reveladoras. Decepcionado com os resultados iniciais da política econômica, Lula pensou em mudá-la radicalmente, o que só não ocorreu por causa do escândalo do mensalão. No pior momento do governo, ele confirma que o presidente foi aconselhado por dois de seus principais ministros a fazer um acordo com a oposição e não disputar a reeleição para evitar um provável impeachment.
Veja - Há um grande debate sobre o impacto que a volta da inflação pode ter no Brasil. O presidente Lula se preocupa muito com isso?
Gilberto - A inflação é hoje a maior preocupação do presidente. Em uma escala de zero a 10, está no grau 9. Lula sabe que o principal mérito do governo é a melhora da economia, é a comida no prato. Isso significa 90% da popularidade do presidente. Só os outros 10% vêm do carisma. Há alguns dias, Guido Mantega (ministro da Fazenda) disse ao presidente que não era preciso ficar tão preocupado com a inflação porque ela estaria restrita aos alimentos. Lula, irritado com o comentário, reagiu de forma ríspida à afirmação do ministro.
Veja - É comum o presidente irritar-se quando as coisas ameaçam sair do controle?
Gilberto - A cabeça de Lula é a do peão do ABC. O núcleo da preocupação do presidente é com emprego e salário. Vejo isso todo dia. Assim, se o banqueiro tiver lucro, tudo bem. Ele diz: "Eu prefiro que esses caras tenham lucro do que fazer um Proer para eles depois". Mesmo em relação à reforma agrária, eu não sinto que ele se empenhe tanto quanto por salário e emprego. Nem quanto ao ambiente. Vou ser bem claro aqui: ele acha importante a preservação, mas, entre um cerradinho e a soja, ele é soja. O ambiente é uma questão importante, mas não é decisiva. O que é decisivo é a economia.
Veja - Lula delega muitas funções ou é centralizador?
Gilberto - Aquela visão que havia de que José Dirceu ou Palocci mandavam no governo é equivocada. Ele é um sujeito que controla tudo com mão-de-ferro o tempo todo. O presidente concentra muito o poder, quer ver a coisa acontecer, usa bastante o telefone. Na mesa dele há um computador com notícias on-line. É só ele ler alguma coisa para ir para cima dos assessores, dos ministros.
Veja - O senhor também é responsável pela coordenação da segurança do presidente. O estilo dele, de aparecer sempre em público, preocupa?
Gilberto - Conciliar a proteção com a flexibilidade necessária para que ele vá ao povo, abraçar, é muito difícil. Além disso, existem as ameaças veladas, principalmente contra a família do presidente. De concreto mesmo, a única coisa anormal que aconteceu até hoje foi num evento em Campinas, em 2006, quando a segurança prendeu um cara armado. Se tinha intenção ou não de usar a arma, a gente não sabe, mas ele estava próximo do local onde o presidente passaria.
Veja - Qual foi o pior momento do governo?
Gilberto - Não há dúvida de que foi a crise de 2005, quando havia muita gente convicta de que o governo tinha acabado, de que o impeachment do presidente era iminente. Houve a famosa noite em que Palocci (ex-ministro da Fazenda) e Márcio Thomaz Bastos (ex-ministro da Justiça) foram aconselhá-lo a entrar em acordo com a oposição. Lula abriria mão da reeleição em troca do restante do mandato. Aquela noite foi muito difícil para todos nós. Outra noite trágica foi a do dólar na cueca (um petista foi preso com dinheiro dentro da cueca). Ao saber da história, o presidente botou as mãos na cabeça e falou: "Meu Deus, onde é que nós vamos parar?". Era uma sucessão inacreditável de picaretagens. Para completar, além da crise política, a economia também apresentava problemas. O PIB não crescia como prometemos.
Veja - O presidente pensou em aceitar o acordo?
Gilberto - Lula sempre demonstrou serenidade, mesmo nos piores momentos. Mandava a gente continuar trabalhando normalmente. O único instante em que o vi realmente deprimido foi às vésperas da crise política, quando ele estava irritado com a falta de resultados na economia. Lembro de um diálogo amargo dele com o Palocci. O presidente disse assim: "Poxa, eu confiei em você, eu confiei no Meirelles (presidente do Banco Central) contra tudo e contra todos. Vocês falaram que a economia ia bombar e não bombou coisa nenhuma". Aquele momento foi muito duro. Ele parecia arrasado.
Veja - O presidente pensou em mudar a política econômica?
Gilberto - Muitas vezes, até porque nunca faltou quem falasse que ela estava errada e era preciso mudar tudo. Hoje ele avalia como um fato muito positivo ter confiado no Palocci e no Meirelles. Todo o carinho que Lula tem pelo Palocci e o respeito que tem pelo Meirelles decorrem de eles terem atravessado juntos o período das vacas magras.
Veja - Sem resultados e com tanta gente pressionando, o que levou Lula a manter a política econômica intacta?
Gilberto - Foi o receio de que a mexida pudesse piorar as coisas, que já estavam muito ruins no plano político. Naquelas circunstâncias, o governo não tinha apoio parlamentar para promover mudanças. Lula vivia repetindo que "o que eles querem é que a gente pare o governo, e o governo não pode parar". Em uma hora de crise, a tendência é só pensar na defesa e esquecer o trabalho. Lula impediu isso, o que se mostrou de grande sabedoria, porque, quando a crise política amainou, a situação econômica tinha dado a volta. A gente deve muito à intuição dele.
Veja - Qual foi a reação do presidente quando o irmão dele, Vavá, foi investigado por tráfico de influência e por pedir dinheiro a um lobista?
Gilberto - Primeiro, ficou muito irritado. Depois o Vavá conversou com ele e deu explicações. Lula sempre achou o Vavá incapaz de fazer qualquer coisa importante. Ele é de uma simploriedade ímpar, deve ter sido enrolado por alguém. Lula ficou um tempo sem falar com o Vavá, mas depois se acertaram.
Veja - O presidente vive reclamando da imprensa, e alguns de seus assessores já chegaram a acusar a Polícia Federal de vazar documentos para constranger o governo.
Gilberto - A matriz de análise do presidente é sempre a mesma: dar um pau em quem faz bobagem. Ele sempre fala que o papel da polícia e da imprensa é esse. As reações contrárias surgem em momentos em que ele enxerga uma carga de preconceito nas críticas. No governo passado, Fernando Henrique Cardoso também levou um pau danado da imprensa, não podemos esquecer. O problema é quando isso caminha para o preconceito, quando fica evidente que certas coisas que se escrevem sobre Lula não seriam escritas sobre outros presidentes.
Veja - O senhor se refere às críticas feitas a respeito da associação entre o filho do presidente e a Telemar, uma concessionária pública?
Gilberto - O presidente não vê nada de errado naquela coisa do Lulinha. Ele tem consciência de que o Fábio tomou uma iniciativa pessoal e está batalhando. Ele nunca pediu nada pelo Lulinha. É bem diferente do Vavá. O Vavá cometeu um ato ilícito, o Lulinha não. Mas ele acha que o Fábio está exposto mesmo pelo fato de ser filho do presidente. Sabe que é natural, do jogo.
Veja - As maiores crises do governo foram provocadas por petistas. Lula está descontente com o PT?
Gilberto - Ele já fez vários desabafos. Em relação aos problemas éticos, o presidente não os atribui ao partido, mas às pessoas. Não acha que a corrupção seja uma coisa intrínseca ao PT. A ligação de Lula com o PT é de criatura e criador, de pai e filho. Não passa pela cabeça dele nenhuma possibilidade de afastamento do PT.
Veja - Como o presidente viu o envolvimento do ex-ministro José Dirceu, um de seus mais próximos e poderosos assessores, com Waldomiro Diniz e o escândalo do mensalão?
Gilberto - Primeiro, José Dirceu e Lula não são tão íntimos assim, nunca tiveram relação de amizade. No caso Waldomiro, Lula criticou o Zé por ter confiado em um cara que não era confiável. O capítulo mensalão é tratado aqui de um modo diferente. O Zé era chefe da Casa Civil e o Delúbio Soares, tesoureiro do PT. Foi repassado dinheiro aos partidos como ajuda de campanha, não para os caras votarem com o governo. Quando a gente fala que não teve mensalão, é nesse sentido. Não é que eu concorde com isso, mas é diferente da história de que o governo dava mesada aos deputados. Então, o presidente não atribui ao Zé a responsabilidade de ter sido o operador desse esquema. Mesmo assim, na avaliação do presidente, era melhor que o Zé tivesse renunciado, passado um tempo submerso e reconquistado os direitos políticos. Um caminho mais ou menos como o do Palocci.
Veja - No caso do dossiê dos gastos do governo do PSDB com cartões, qual é a visão do presidente?
Gilberto - O governo estava se preparando para uma CPI e orientou a Casa Civil para que fizesse um trabalho de levantamento dos gastos. Num certo momento, pegaram amostras desse levantamento e vazaram inconseqüentemente. Essa é a visão. Porque se fosse para prejudicar não pegariam aqueles dados, que não criam constrangimento a ninguém. Aquilo é um atestado de que o presidente Fernando Henrique levava uma vida de classe média alta como a que o presidente Lula leva no Palácio da Alvorada.
Veja - Como o presidente avalia a acusação feita por Denise Abreu, ex-diretora da Anac, de que Dilma beneficiou o grupo que comprou a Varig?
Gilberto - Só quem viveu o começo do governo sabe da pressão para resolver o caso da Varig. A regra aqui dentro era fazer de tudo para impedir que a Varig quebrasse. E a ação da Dilma foi exatamente essa. Governo é assim: se você deixa um processo caminhar normalmente, ele tem uma demora que nem sempre os fatos podem esperar. Era o caso, a empresa podia quebrar. Por isso, houve uma mão forte da Dilma empurrando para que tudo fosse feito de maneira acelerada. Como a gente faz também com outras coisas importantes. Caso da guerra da Dilma com a Marina Silva para que houvesse o leilão das hidrelétricas do rio Madeira. Sem elas, o país ficaria sem energia em 2013. Pode-se falar o que quiser da Dilma, que ela é dura, que não tem diálogo. Agora, quem apostar que a Dilma se mete em negociata vai quebrar a cara.
Veja - Mas não é estranho que, de novo, apareça uma pessoa próxima ao presidente envolvida na operação, como é o caso do advogado Roberto Teixeira, amigo e compadre de Lula?
Gilberto - Aí é mais difícil, porque permeia uma relação particular que ele tem com o presidente. Mas eu estou tranqüilo em relação ao governo, porque nós estabelecemos uma regra com todos os chefes-de-gabinete do governo: tudo o que vier de amigo ou parente de Lula é preciso analisar com lupa e com rede de fio duplo. Porque, no começo, parentes muito simples do presidente começaram a ser utilizados por lobistas. Por isso se acendeu um alerta. Agora, a relação que o Roberto mantém com esse grupo que negociou a Varig é um problema dele. Se ele cobrou mais ou menos, é um problema dele. Se ele vendeu alguma facilidade, se dizia que falava por Deus, eu não posso fazer nada. Mas dizer que o governo fez alguma coisa para beneficiá-lo é uma inverdade.
Veja - O presidente aceitaria candidatar-se a um terceiro mandato?
Gilberto - De jeito nenhum, isso é um assunto que não tem nenhuma possibilidade de prosperar. Se ele fosse a favor, não se empenharia tanto em procurar um candidato. Essa aposta na Dilma é séria, é real. Já o terceiro mandato não existe. É lógico que é muito melhor ouvir "Fica, Lula" do que "Fora, Lula". Isso dá condição para ele fazer o sucessor, não para continuar. Olhando a história, quem prorrogou mandato só arrumou problema. O presidente até pode tentar voltar em 2014. Mas ficar agora, definitivamente não.
Veja - Um fantasma que continua assombrando o PT é o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, de quem o senhor era o principal assessor. Qual a sua versão para o crime?
Gilberto - A versão que eu tenho para a morte do Celso é a de dois inquéritos da Polícia Civil de São Paulo. Um crime comum, um assassinato em uma tentativa de assalto. Todo o resto é teoria levantada pela família dele que ninguém jamais conseguiu provar.