25 maio 2008


Negros superam mito e obtêm boas notas
Ipea indica desempenhos similares ou até melhores em relação a não-cotistas em quatro das principais universidades do país
Fred Raposo Marsílea Gombata
No universo de 54 universidades públicas que nos últimos oito anos adotaram o sistema de cotas, em ao menos quatro, distribuídas pelos principais Estados, alunos negros apresentam desempenho próximo, similar ou até melhor em relação aos não-cotistas.
Resultados iniciais do aproveitamento de cotistas na Unicamp, Universidade Federal da Bahia (UFBa), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), divulgados semana passada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), derrubam mito de que, graças à ação afirmativa, alunos negros estariam “entrando pela janela” das instituições superiores da rede pública. As notas lhes abriram o caminho da porta da frente.
No biênio 2005-2006, cotistas obtiveram maior média de rendimento em 31 dos 55 cursos (Unicamp) e coeficiente de rendimento (CR) igual ou superior aos de não-cotistas em 11 dos 16 cursos (UFBa). Na UnB, não-cotistas tiveram maior índice de aprovação (92,98% contra 88,90%) e maior média geral do curso (3,79% contra 3,57%), porém trancaram 1,76% das matérias, contra 1,73% dos cotistas.
Aptidão
Em estudo da ONG Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes (Educafro) junto à Uerj, estudantes negros e oriundos da rede pública, ingressantes entre 2003 e 2007, apresentaram maior coeficiente de rendimento médio (6,41 e 6,56 respectivamente) em relação aos cotistas (6,37). Índios e deficientes somaram 5,73.
Para a técnica da diretoria de estudos sociais do Ipea, Luciana Jaccoud, um dos fatores que explicam o bom desempenho dos cotistas é a capacidade das instituições de ensino desenvolverem aptidões.
– A própria universidade estabelece pontos mínimos a serem alcançados para que o estudante seja aprovado – analisa Luciana, uma das responsáveis pelo estudo. – Esse instrumento ajuda a regular o desempenho de cada um. O resultado é a formação mais igualitária das capacidades do aluno, seja proveniente da rede particular ou pública.
Colegas de classe, Patrícia Vidal, 21, e José Messias, 20, ingressaram na Uerj, em 2006, por meio do sistema de cotas: ela proveniente da rede pública e ele matriculado como candidato negro. Ambos apresentam CR próximo à média da turma, mas admitem que, não fosse a reserva de vagas, não passariam no vestibular.
– Tive dificuldade no início, mas ao longo do curso vamos entendendo como a coisa funciona, e hoje estamos bem iguais – relata Messias, que mora em Maria da Graça, e viaja 50 minutos de ônibus até a faculdade. – Depois do primeiro período, a defasagem em relação aos demais alunos acabou.
Com CR 8,6, Messias conta que acompanhou treinamento de português e línguas estrangeiras oferecido a cotistas pelo programa Proiniciar. Patrícia tem CR 9,1, mas diz que é a única dos cotistas da turma que ainda não conseguiu estagiar.
– As oportunidades são as mesmas para todos – lembra a estudante, que começou a procurar estágio a partir do terceiro período, mas trabalha com telemarketing antes mesmo de entrar na faculdade. – Assim como os demais estudantes, os outros três cotistas da turma já passaram por dois ou três estágios.
Segundo o Ipea, os bons resultados em sala de aula têm reflexo incompatível com o número de vagas oferecidas aos cotistas.