O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que hoje é o principal quadro do neoliberalismo no Brasil, já pediu que se esquecesse o que escreveu. Agora, pretende que se esqueça o que fez durante seu longo período à frente da presidência da República, oito anos de retrocesso para o país e seu povo.Em seu artigo dominical do último dia 1o, publicado em vários jornais, o ex-presidente tucano diz que "2005 terminou melancolicamente", e que "nunca se viu tanto escândalo em um só governo. Nem tanta desfaçatez".E, em meio a opiniões desatinadas – entre elas a de que a diminuição do ritmo de crescimento da população brasileira para 1% ao ano permite a previsão de que a pressão por mais empregos vai diminuir – ele prega a "continuidade de boas políticas", insistindo na tecla de que o lado bom do atual governo é aquilo que seria, pretensamente, a continuidade daquilo que foi implantado no período tucano anterior a 2003. E adianta alguns itens do programa conservador que a direita defenderá na campanha de 2006, uma "plataforma mínima para os próximos 20 anos", diz de forma pretensiosa: a manutenção da lei de responsabilidade fiscal, da política de metas inflacionárias e do câmbio flutuante; quer também reduzir "drasticamente" os cargos de confiança; fixar a idade mínima de 65 anos para todas as aposentadorias, "sem ressalvas"; entregar para a iniciativa privada, "nacional ou estrangeira", todas as obras de infraestrutura – estradas, portos, energia elétrica e saneamento; uma reforma eleitoral restritiva, com voto distrital e proibição de coligações proporcionais, etc.O ex-presidente reitera o mesmo programa que foi rejeitado pelo povo brasileiro em 2002, mas que a aliança PSDB / PFL, núcleo da direita neoliberal, quer levar de volta ao comando do governo.E passa por cima das mazelas dos oito anos de mandato tucano, marcado por negociatas de dimensão nunca vista na história brasileira envolvendo a privatização de empresas estatais que foram praticamente doadas aos que as adquiriram – havendo inclusive forte suspeita de participação direta do próprio Fernando Henrique Cardoso no favorecimento de uma empresa na privatização da telefonia! Estas irregularidades, e outras denunciadas fartamente, jamais foram investigadas, seja pelo Ministério Público (cuja ação, no período FHC, era ridicularizada pela imprensa e pelas autoridades), pela Polícia Federal e muito menos por CPIs cuja constituição, na época, foi sistematicamente torpedeada por aqueles que controlavam o governo federal e o Congresso Nacional.Acometido da singular cegueira aristocrática que caracteriza a elite mais atrasada, anti-democrática, antipopular e antinacional, da qual é o expoente mais visível, Fernando Henrique Cardoso passa por alto o fato de que o Brasil, que chegara, no final dos anos 80, a ser a 8ª maior economia do planeta, perdeu posição, caindo para o 12o. lugar em 2002, quando ele deixou ao governo; o PIB per capita, em 1994, antes da posse de FHC, era de 3.464 dólares; quando ele deixou a presidência, em 2002, havia desabado para 2.630 dólares, tendo perdido 24% em oito anos; em 2004, sob Lula, havia recuperado valor, chegando a 3.326 dólares.São números desoladores, sob todos os pontos de vista. A dívida externa (líquida, pública e privada), por exemplo: em 1995, era de 107 bilhões de dólares, ou 20% do PIB; em 2002, era 195 bilhões de dólares, ou 42% do PIB; a dívida líquida do setor público representava 29% do PIB em 1994 e aumentou para 51% em 2001, fazendo com que o governo tivesse que pagar, em 2002, juros de 45% sobre sua dívida mobiliária (representada pelos títulos do governo em poder de particulares). Entre 1995 e 2002, a balança de transações correntes, que inclui a balança comercial (exportações e importações), a balança de serviços (viagens, transportes e remessa de lucros) e as transferências unilaterais (por exemplo,dinheiro de imigrantes enviado para fora do país ou de brasileiros residentes no exterior enviado para parentes no Brasil), acumulou um saldo negativo de 181 bilhões de dólares. Isto é, o Brasil funcionou como aquele devedor do cartão de crédito que não liquida sua dívida mas a aumenta ao longo do tempo, fazendo empréstimos novos para pagar os antigos até chegar a um ponto em que não consegue mais pagar e quebra. Para suportar os juros e encargos de uma dívida tão monumental, e crescente, aumentou a carga fiscal como nunca: a soma total dos impostos significava, em 1994, 26% do PIB; em 2000, pulou para 36%!São números expressivos, que desmentem a pretensão de que a política econômica do governo Lula, apesar das limitações ortodoxas que a caracterizam, seja uma mera continuidade do período neoliberal de FHC. Um símbolo dessa diferença é o pagamento da dívida do país com o FMI, de 15,5 bilhões de dólares (saldo do empréstimo "preventivo" feito por FHC em 1999), e da dívida com o Clube de Paris, sinalizando para a retomada pelo Brasil do controle de sua política econômica. E que desmascaram a pretensão tucana de que o governo de FHC tenha sido marcado por "boas políticas"; para o país, seu povo e sua economia, foram péssimas, deixando o Brasil mais pobre e agravando seus problemas crônicos. Elas precisam ser derrotadas e banidas para que o país possa, de fato, retomar o rumo do crescimento consistente e contínuo, gerando empregos e renda e fortalecendo a soberania nacional.
Editorial Vermelho