Quem assistia ao Jornal da Globo nesta sexta-feira, dia 20, foi surpreendido com a notícia de que a revista IstoÉ mentiu. A publicação, no dia anterior, havia dito que somente investigara o primeiro turno das eleições presidenciais. Mas o telejornal abriu a matéria com afirmação de que "ao contrário do que informou ontem a revista IstoÉ, o Ibope fez, sim, simulações de segundo turno na pesquisa de intenção de voto à presidência da República".
A mentira causou confusão na mídia, pois induziu jornais e revistas à maior "barrigada", que no jargão jornalístico refere-se a uma notícia publicada por órgão de imprensa e posteriormente desmentida pelos fatos. Os resultados da pesquisa e o questionário aplicado pelos pesquisadores estão disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde o início da semana passada. A pesquisa foi registrada no dia 13 de janeiro e bastava uma simples solicitação ao TSE para obtê-la. Para não utilizar adjetivos mais pesados, somente classificando como primária a mentira imposta pela revista IstoÉ, uma vez que os dados são públicos.
Os dados divulgados na última quinta-feira, pelo Jornal Nacional traziam apenas cenários de primeiro turno, cujos números mostravam Lula de volta à liderança do primeiro turno. De acordo com o JN, "a revista "Isto É" informou que não encomendou simulações para o segundo turno. E esclareceu ainda que, em virtude da mudança dos nomes testados, também não foi feita a evolução do desempenho dos candidatos".
Neste sábado, até mesmo a colunista Tereza Cruvinel no jornal O Globo declara que "a pesquisa feita para a revista "IstoÉ" não fez simulações de segundo turno nem seria correto, metodologicamente falando, compará-la com pesquisas que constituem séries histórias, como a CNI-Ibope ou a CNT-Sensus". Embora correta, o fato é que, caso tivesse os dados em mãos, a colunista provavelmente, ainda que com ressalvas, arriscaria-se a algum tipo de comparação. A análise do desempenho dos candidatos nas últimas pesquisas foi realizada por jornais e revistas que optaram por revelar a farsa da IstoÉ. É o caso do Jornal da Globo, O Estado de São Paulo e a revista Veja, para citar alguns. No entanto, a Folha de S.Paulo e o jornal O Globo deste sábado não deram sequer uma linha sobre o assunto.
O que a Editora Três, que edita a IstoÉ, escondeu é que o Ibope constatou num dos cenários propostos entre Lula e Serra: as intenções de voto em Lula no segundo turno aumentaram. Em dezembro, ele tinha 35% dos votos e hoje está com cerca de 42%. Já José Serra, que em dezembro tinha 48%, caiu para algo em torno de 45%. Os dois estão tecnicamente empatados, no limite da margem de erro de 2% para mais ou para menos. Votos nulos e em branco eram 12%. Agora são 9%. Não sabem e não opinaram, 4% em dezembro contra 3% em janeiro. Nas demais simulações Lula, aliás, ganha de todos os outros candidatos no segundo escrutínio.
PT e Lula do mesmo tamanho
Mas omissão não fica somente na conta da IstoÉ. O próprio Jornal Nacional optou pela divulgação somente dos dados do primeiro turno, quando já possuía os resultados sobre a preferência partidária. O PT mantém a liderança nas indicações dos brasileiros com 35%; seguido pelo PMDB 28%; PSDB 16%; PTB 13%; PDT 13%; e o PFL com 12%. O Ibope apresentou uma lista dos principais partidos e quis saber se o eleitor teria simpatia ou preferência por algum deles. Ainda que o resultado possa estar, de acordo com algumas análises, um pouco inflado, pois o entrevistado pôde escolher até três legendas, o fato é que houve uma clara opção do Jornal Nacional pela não divulgação.
De qualquer maneira, o interessante é que a pesquisa mostra que a preferência pelo PT, mesmo "sangrando" durante meses, é praticamente do mesmo tamanho que a intenção de votos do Lula, que oscila entre 38% e 35% nos setes cenários do primeiro turno, pesquisados pela revista IstoÉ.
Na medida para Garotinho
A nova edição da revista IstoÉ, que chega às bancas neste sábado, mantém a manipulação e apresenta somente os resultados da simulação do primeiro turno das eleições, com a seguinte chamada: Lula sai na frente, Serra mantém favoritismo no PSDB, Alckmin não decola e Garotinho se consolida como nome do PMDB ao Planalto.
Desta maneira, a revista incide diretamente na disputa dos partidos. Não registra o crescimento de Lula. Na peleja interna do PSDB, dá uma ducha de água fria na candidatura de Geraldo Alckmin. E no PMDB tira Germano Rigotto do páreo, "consolidando" Anthony Garotinho.
Caso tivesse divulgado o segundo turno, a chamada teria que ser bem diferente, pois Garotinho não está com esta bola toda. Lula tem 48% das intenções de voto contra 35% de Alckmin. Ganha de Garotinho por 49% a 30%. Nas outras simulações, Garotinho enfrenta os tucanos. Serra venceria o ex-governador (54% a 26%). Alckmin, com 37%, ficaria em empate técnico com o peemedebista.
Portanto, a matéria é feita sobre medida para o ex-governador do Rio de Janeiro, que neste momento luta pela indicação de seu nome como o candidato do PMDB nas próximas eleições. Aparecer bem posicionado o ajuda nas articulações. Por outro lado, a omissão dos resultados do segundo turno esconde o bom desempenho de Lula nas intenções de voto e enfraquece uma ala dentro do PMDB que defende aliança com o PT. A Folha de S.Paulo deste sábado garante que Lula ofereceu ao PMDB a vaga de vice na sua chapa à presidência. O anúncio teria sido feito, segundo o jornal, num jantar com a bancada peemdebista no Senado.
Outro fato também chama atenção e corrobora a tese de que a pesquisa é o número do sapato de Garotinho. Segundo a jornalista Mariana Caetano, no jornal O Estado de S.Paulo deste sábado 21, o questionário aplicado, sem menção na IstoÉ, cuja íntegra o jornal teve acesso, inclui perguntas como "Qual seria a principal ação que Garotinho poderia ter e que faria o (a) sr. (a) pensar em votar nele para presidente?" Na lista, estão ações como "mostrar que é a favor dos pobres" e "não misturar religião com política", entre outras. Garotinho é evangélico. As perguntas incluem uma avaliação sobre as características atribuídas ao ex-governador do Rio – competência, honestidade, autoridade – e a opção religiosa do entrevistado."
A matéria diz ainda que, "de acordo com a diretora-executiva do Ibope, Márcia Cavallari, o teor do questionário foi definido por orientação da Editora Três, que teria informado que faria perguntas temáticas, por candidato, em novas sondagens. Não há nenhum outro levantamento encomendado pela empresa. Márcia não soube dizer quem representou a editora na assinatura do contrato. A pesquisa foi faturada pela Editora Três, a um custo de R$ 126 mil".
Mesmo diante de uma armação, os telejornais e as demais publicações foram contidos na crítica à Editora Três/ IstoÉ. Palavras como mentira e manipulação não costumam fazer parte do vocabulário da mídia quando se trata de uma auto-análise. Ah! O santo oligopólio.
Rosana Ramos, jornalista