19 setembro 2005

Wagner Tiso: "Vou repetir o voto em Lula. Por que não?"


O Vermelho reproduz aqui entrevista do músico Wagner Tiso, realizada pelo jornalista Rodolfo Fernandes do jornal O Globo e publicada no dia de ontem (17) no diário carioca. O músico discorre sobre a atual crise política e as razões para se votar em Lula, novamente, em 2006. Na entrevista, o compositor rebate as perguntas sobre a crise petista com respostas diretas e enumera as ações do governo, comparando-as também às do governo anterior do tucano Fernando Henrique Cardoso. As questões formuladas pelo jornalista estão em negrito e não refletem conceitos e opiniões defendidas pelo Vermelho

Você é um dos mais antigos militantes do PT na área artística. Foi para chegar ao poder e fazer isso que aí está que você sonhou tantos anos com um governo petista?


WAGNER TISO:
O governo do PT fez algumas coisas com as quais sonhei. Não todas ainda. Mas não sou ingênuo. Sei dos limites políticos para os objetivos de um governo de esquerda no Brasil. As alianças, definidas nas eleições, explicam o que eu estou querendo dizer. Mesmo assim, anote aí: Lula criou o empréstimo consignado que, aliás, mereceu destaque (manchete da página 24) do GLOBO, no dia 10 passado. O presidente, logo ao assumir, empunhou, como nenhum outro, a bandeira da luta contra a fome. No campo educacional criou a cota para negros nas universidades. Uma forma, ainda tímida, de resgatar um débito com a população negra que sofre ainda hoje as conseqüências de mais de 300 anos de escravidão. Outro ponto forte é a política externa. Ela é uma reação ao fatalismo direitista de que o Brasil terá, sempre, de ser caudatário da política americana. Enfim, já há números mostrando que o governo distribuiu um pouco melhor a renda e, de uma maneira geral, é melhor do que o governo do Fernando Henrique. Minha esperança, agora, é a de que Lula destrave a economia e libere de vez o crescimento do país e crie canais mais consistentes para a distribuição de renda. Apesar da crise — inflada pela oposição, como muito bem diz Lula — o Brasil está sendo governado com tranqüilidade. É uma balela essa conversa de que o governo está paralisado.

Qual a sua sensação após ter feito tantos shows de graça para o PT e dedicado tempo e energia ao partido ao saber que um esquema de corrupção dominava a cúpula da legenda?


WAGNER TISO: Ninguém provou a existência de corrupção. A oposição orquestra suposições para tentar enlamear o governo. O que existe comprovado até agora, desprezadas as especulações, é um empréstimo bancário, salvo engano, de R$55 milhões aproximadamente. O dinheiro foi encaminhado a partidos e a parlamentares individualmente, com a finalidade de suprir necessidades de campanhas eleitorais. Teve, portanto, destinação política. As máquinas político-partidárias têm funcionado assim. Um erro que, submetido aos ritos da Justiça, deve ser punido. O PT está investigando o que levou a cúpula da legenda a esse equívoco. Por ser um partido diferente — o único criado pelos movimentos sociais — tinha que ter mais rigor do que teve. Acho que, nesse caso, a cúpula do partido desafinou. O problema, no entanto, é do sistema. É ignorância ou má-fé desconsiderar que, numa sociedade de massas, é impossível fazer campanha sem dinheiro. A televisão, o grande veículo de comunicação de nosso tempo, encareceu muito as campanhas eleitorais para todo mundo. No rastro das denúncias de agora surgiram evidências do uso de caixa dois também pelo PSDB nas eleições de 1998 em Minas Gerais. E há um deputado do PFL, também mineiro, que se valeu de dinheiro não contabilizado na campanha de 2002. A imprensa não tratou desses casos com o mesmo rigor e interesse. Os casos ficaram meio abafados. O foco do PSDB e do PFL é o de desconstruir o PT e sangrar o governo para facilitar a campanha de 2006. A meu ver, não tem ninguém muito preocupado com a ética e, sim, com os efeitos eleitorais desse episódio. Já foi farejado nisso tudo um golpe. Uma tentativa de “golpe branco” confirmado na proposta feita pelo ex-presidente Fernando Henrique: Lula devia desistir da reeleição. Ora, deixa o povo julgar Lula. Discutiram e ainda discutem, em público, o impedimento do presidente como se estivessem escolhendo o sabor do sorvete que vão saborear. E tudo com aquela “alegria raivosa” invocada por Chico Buarque. A propósito, não custa lembrar que a vanguarda da oposição — ACM e Bornhausen — não tirou o impedimento da pauta. Querem se livrar “dessa raça” de qualquer jeito, como disse o Bornhausen.

O presidente do PT, Tarso Genro, disse que não saberia o que falar para alguém votar atualmente no partido. O que você falaria para um eleitor indeciso? Você votaria de novo no PT?


WAGNER TISO: Tarso falou isso numa hora de muita tensão e angústia. Não acredito que ele repetisse a frase agora. Salvo se ele me responder se há alternativa real para um governo de esquerda, além do PT. As pesquisas estão mostrando, até agora, que o presidente Lula conserva os 30% de apoio que tem desde 1989 quando eu, com um teclado, acompanhava os comícios dele. Essa força popular inquieta a oposição e tranqüiliza os petistas. O indeciso que, certamente, não faz parte desse grupo fiel, no qual me incluo, deve estar abalado pelo bombardeio político e pelo preconceito destilado contra a presença de um operário no poder. O país esta indo mal? Não. Então, pergunto ao indeciso: por que não votar de novo em Lula? Eu, é claro, vou repetir o voto. Não voto nunca na direita.

O que você diria para aquele militante petista que ia para as festas do partido ajudar na arrecadação de recursos para que o PT não precisasse usar dinheiro de origem escusa, como fez?


WAGNER TISO: Era um gesto muito bonito esse que os petistas faziam. Mas esse tipo de militante heróico, que vinha das lutas contra a ditadura militar, foi-se aposentando. Esse esforço foi mais presente na campanha de 1989. Nessa época, o partido tinha a ilusão de que podia chegar ao poder sem alianças. Era um partido com uma visão muito maniqueísta do processo: rompimento com o FMI, calote na dívida externa e uma prática autoritária de fazer política. Por que os anti-petistas têm tanta saudade daquele tempo? Será que é porque viam que, daquele jeito, o PT nunca chegaria ao poder ou a lugar algum? Era fácil isolar os petistas. O PT é, agora, um adversário duro de ser batido e a elite ainda tem medo de Lula. Vou repetir uma resposta para uma pergunta repetida: não há prova de corrupção e nem de recursos escusos. Há empréstimo repassado a aliados. A prática desse repasse foi ilegal. Isso, me parece, é crime eleitoral. Assim, deve ser apurado e os responsáveis punidos. Além dos shows das CPIs, tem o trabalho sério da Polícia Federal e do Ministério Público, que estão investigando tudo. O presidente não tenta abafar as apurações. O que fazer mais do que isso? Levar o pessoal para o pelourinho?

Você nunca se irritou com tantos discursos vazios do presidente Lula usando a mesma retórica de todos os antecessores?


WAGNER TISO: De fato é repetitivo. Mas é compreensível. Não me irrita. A repetição de temas é explicável no discurso de Lula. Por exemplo, o tema da fome, da miséria. Afinal, enquanto o quadro da injustiça social não for mudado, por que um político de esquerda deve deixar de falar dele? Foi a esquerda, em todo o mundo, que trouxe para o debate político a questão social. Os antecessores de Lula não eram de esquerda e nem vieram do “Brasil de baixo” como Lula veio. A eleição de Lula marca um início de democratização do poder no Brasil. E como isso demorou! Agora, vamos em frente.

Como você vê o papel de José Dirceu e do PT de São Paulo nessa crise?


WAGNER TISO: Dirceu foi acusado por Roberto Jefferson de ser o comandante de um esquema de corrupção. A Comissão de Ética da Câmara, pelo fato de Jefferson não provar o que disse, aprovou por unanimidade o relatório que sugere a cassação do acusador. O mensalão é uma fantasia. O relator, um parlamentar do PFL, considerou Jefferson leviano e irresponsável. Sobre Dirceu também nada se comprovou até agora. Entendo a resistência que ele opôs às iniciativas de afastá-lo do partido. Seria um prejulgamento. Afinal, entre a palavra de Jefferson e a de Dirceu, qualquer um, mesmo não sendo petista, sabe a opção que deve ser feita. As biografias falam por si. Sobre o controle do PT por São Paulo, tenho uma observação geral: acho que quando a política brasileira sair do controle paulista o país vai melhorar.

O que você esperava desse governo que não se realizou?


WAGNER TISO: Embora eu entenda os limites de um governo que não fez maioria no Congresso e, portanto, precisa de aliados, o elenco dos meus anseios não satisfeitos é grande. Eu esperava, por exemplo, que o governo apresentasse um plano de segurança. Lula perde a oportunidade de restabelecer a tranqüilidade que perturba os cidadãos, pobres ou ricos. Espero que o governo reveja isso. É parte do programa de mudanças que o PT propôs. O governo passa, o PT fica. Nesse sentido, o partido é mais importante que o governo. Enganam-se os que pensam que o partido vai acabar. Há uma crise interna que, se produz calor, também vai produzir luz como todas as crises. Pela sua origem, terá vida longa como a única opção de esquerda efetiva para governar o Brasil.
Fonte: O Globo