São Paulo - BrasilQuarta-feira, 17 de Agosto de 2005 Edição Nº 128 - De 11 a 17 de agosto de 2005
CRISE
Mídia fabrica clima de impeachment
Marcelo Netto Rodriguesda Redação
A capa da revista Veja com data do dia 10 de agosto – Lula diminuto, sobre um fundo preto de luto, com seu nome grifado com os dois eles, em verde e amarelo, como costumava usar o presidente Fernando Collor de Melo – comprova que, em busca do fato espetacular, para ver quem chega primeiro ao envolvimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as denúncias de corrupção, a crise ganhou vida própria nas mãos da mídia, independentemente dos resultados das CPIs.Mais do que isso, a despeito da competição de mercado entre veículos de comunicação de massa, motivos menos nobres do que o “furo de reportagem” começam a ser desmascarados.“A Veja está fazendo mais do que uma comparação com Collor. Se pegarmos as capas da revista à época da crise política há treze anos e compararmos com as capas de agora, veremos que as chamadas são iguais”, aponta o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR).A tese da busca desenfreada da mídia pelo impeachment de Lula já foi verbalizada por Delúbio Soares, em junho, num discurso em Goiás, mas não obteve ressonância. Na época, Delúbio declarou: “Por trás de tudo, está um movimento de direita que almeja o impeachment de Lula. E vou dar nomes: a revista Veja, o Estadão e a Folha de S.Paulo”. A frase, republicada como fantasiosa na edição da revista de 10 de agosto, na seção “Os 100 fatos e as mentiras mais absurdas ditas para esconder a corrupção”, agora parece fazer mais sentido do que as explicações de Delúbio em seus depoimentos. GRATIDÃO Segundo informações que podem ser obtidas na própria página da internet do Grupo Abril (proprietário de Veja), e que estão sendo distribuídas por Dr. Rosinha, um ex-auxiliar de FHC, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal durante o seu mandato, Emílio Carazzai, exerce hoje o cargo de vicepresidente de Finanças e Controle do Grupo Abril.Parece pouco, mas há mais na carta de demissão de Carazzai, ao se desligar, em abril de 2002, do governo FHC, por ocasião do rompimento do governo com o PFL. No texto, Carazzai revela sua “profunda gratidão e disciplina” em relação ao então vice-presidente Marco Maciel – responsável por sua indicação – e sinaliza que FHC não desejava a sua saída do governo.“O presidente Fernando Henrique reafirmou a confiança em meu nome. Sinto-me honrado por ter feito parte desse governo”, escreveu.Agora Carazzai faz parte de Veja. Mais exatamente, desde 2002, um ano antes de Lula chegar ao Planalto. Ironia à parte, apesar de tudo, a referida edição de Veja traz dois anúncios pagos pelo governo federal: um da própria Caixa Econômica Federal, que Carazzai presidiu um dia, e outro da Petrobras.
Instabilidade política: a pauta favorita das elites
O professor Venício Lima, fundador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília, diz que a crise ganhou vida própria e tem sido “conduzida entre aspas pela mídia”. Para ele, “a revista Veja entrou num caminho que não tem retorno”. Brasil de Fato – Como a mídia está tratando a crise? Venício Lima – A crise ganhou vida própria na mídia. A crise tem sido – entre aspas – conduzida pela mídia. A competição e a noção distorcida do papel do jornalista enquanto profissional tem levado os jornalistas e as empresas de mídia, que buscam objetivos políticos, mas também empresariais, a tratar a crise de forma irresponsável.BF – Essa perseguição para associar o presidente Lula de qualquer forma às denúncias seria da mesma intensidade se o presidente fosse José Serra ou FHC?Lima – Com relação ao que já aconteceu com o FHC, pode-se afirmar que não foi. Por circunstâncias específicas, habilidade política, alianças, enfim, pela forma como o jogo político é jogado, o presidente FHC conseguiu que as principais CPIs – que atuariam no mesmo sentido de desvelar questões históricas com relação a financiamentos de campanhas eleitorais, sobras de campanha – não fossem instaladas no Congresso Nacional.BF – Se ficarmos 15 dias sem ler a Folha, o Estadão ou a Veja, a crise muda de tamanho em nossa cabeça?Lima – Não precisa de 15 dias, dois já mudam totalmente nossa percepção. Esse é um outro problema. Sobretudo por parte dos políticos e das autoridades públicas, há uma atenção demasiada à mídia impressa, em particular, a um grupo pequeno, reduzido, que não chega nem a 12, de homens e mulheres pro- fissionais jornalistas, colunistas da chamada grande imprensa. Essas pessoas reivindicam para si mesmas a expressão de uma coisa abstrata, que eles chamam de opinião pública. Isso é mais complicado do que parece à primeira vista. Porque depois de dois, três meses de ataques diários, ao vivo e em cores, a aprovação do presidente não sofreu nem de longe a queda que esses mesmos colunistas anteciparam e desejam. Há um descolamento entre o que pensa essa elite jornalística, que atribui a si própria a expressão da opinião pública, e a opinião pública real, verdadeira, da imensa maioria da população. BF – Por que a TV Globo não bate de frente com Lula?Lima – Não posso provar, mas presumo que haja um acordo entre o governo e as Organizações Globo dentro de certos limites. Se bem que esse comportamento, às vezes, por impossibilidade de controle, escorrega fora dessa perspectiva. A mídia tem interesses próprios como ator político, mas por ser mídia, e ter capacidade de tornar as coisas públicas, definir até o que é público – que é o espaço da disputa política – ela representa um conjunto de forças. BF – Como o senhor avalia a capa da revista Veja?Lima – Acho que depois dessa, para a Veja , não tem retorno. A Veja não é uma revista de informação. É uma revista que editorializa todas as matérias, uma revista opinitiva. Com essa capa, a revista evidentemente está jogando por uma mobilização da classe média, inclusive ao mostrar fotos de supostas manifestações populares que ninguém viu, que foram pontuais. Isso significa um apoio, uma conclamação à manifestação dessa classe média. Se isso não ocorrer , a Veja entrou num caminho que não tem retorno para ela. O que ela vai dizer? Qual é o próximo? Mas essa é a linha da revista, não me surpreende; inclusive ignora solenemente todas as explicações e resultados de investigação que não con-firmem o ponto de vista dentro do qual a revista trabalha. É um péssimo jornalismo.