18 agosto 2005


18 de AGOSTO de 2005
NAU DOS INSENSATOS


Primeira manifestação anti-Lula revela oposição esquerdista sem rumo

Foto Lindomar Cruz / Ag. BrasilA manifestação percorreu parte Esplanada dos Ministérios e concentrou-se depois em frente ao Congresso Nacional.

Convocada pelo PSTU com apoio do PSOL, PDT, PPS e de algumas entidades sindicais dirigidas por militantes destes partidos, a manifestação que percorreu trechos da capital federal na tarde de ontem (17) foi marcada pela ausência de unidade entre seus participantes e pela falta de clareza dos propósitos que levaram à convocação da manifestação.
Nem mesmo o nome da manifestação foi consenso. O PSTU a apelidou de "Fora Todos". O PSOL preferiu falar em "mobilização social contra a corrupção, contra o plano econômico de Lula/FMI e pelas reivindicações do povo brasileiro". A imprensa referiu-se ao protesto como sendo uma "Marcha contra a Corrupção e o Governo Lula". Setores mais ao centro da chamada "oposição de esquerda", como o PPS de Raul Jungmann (ex-ministro de fHC), foram mais evasivos e falaram em "manifestação contra a corrupção no governo Lula".
Todos, porém, demonstraram o mesmo medo de atrair para si a pecha de golpistas e, desencorajados pelos aliados mais fortes (PSDB e PFL), resolveram não defender abertamente o impeachment do presidente, embora a palavra de ordem "Fora Lula" tenha dado a tônica do protesto.
No dia anterior, uma outra manifestação, organizada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) também protestou contra a corrupção mas, de forma mais coesa, rejeitou a bandeira golpista do "Fora Lula" e pautou suas reivindicações em torno de um documento intitulado "Carta ao Povo Brasileiro".
Esquerda e direita juntas
Exemplo crasso da falta de identidade da manifestação é o fato dela ter conseguido colocar lado a lado e num clima de grande camaradagem militantes da extrema direita e da extrema esquerda. O Prona, partido de contornos fascistas, que tinha até carro de som na passeata, dividiu sem problemas o espaço com militantes trotsquistas.
A política de boa vizinhança com a direita refletiu-se também nos discursos. Ao contrário do que vinha afirmando em artigos e pronunciamentos dias antes da manifestação, os oradores do PSTU, PSOL, PDT e PPS foram bastante condescendentes com os partidos de direita, sobretudo PSDB e PFL, verdadeiros protagonistas da tática oposicionista de desestabilização do governo.
O único que se atreveu a ir um pouco mais longe na crítica à direita foi o sindicalista Zé Maria, do PSTU. Falando no encerramento, para uma platéia desatenta e dispersa, Zé Maria destacou a importância da construção de um terceiro pólo diante da crise: “Não aceitamos que os trabalhadores e a juventude do país sejam confundidos com esta oposição de mentirinha, formada pela direita, o PSDB e o PFL (...). Não é deste Congresso corrupto ou das eleições desta democracia dos ricos que sairá uma verdadeira alternativa para o país. É preciso pôr todos pra fora, porque PT, PSDB, PFL, o Congresso e o governo são todos iguais”.Enquanto Zé Maria discursava, os manifestantes queimaram um boneco representando o presidente, recheado de notas falsas de R$ 100, com uma faixa escrita "Lula Traidor".
PSTU e PSOL se desentendem
Apesar da grande presença de militantes partidários, havia uma significativa presença de punks, anarquistas e jovens de atitude radicalizada. Talvez isso explique porque tão poucos parlamentares tenham se aventurado a se juntar aos manifestantes. Entre os que se dispuseram a aparecer estava a senadora Heloisa Helena (PSOL). A ex-petista disse que "é nossa obrigação dizer fora a todos os corruptos". Para isso, segundo ela, é preciso "agilizar os procedimentos investigatórios das CPIs".
A senadora Heloísa Helena, no entanto, acredita que o Congresso nacional não tem legitimidade para cassar o mandato de Lula. Para ela, depois de encerrados os trabalhos da CPI, a melhor opção seria um plebiscito para consultar a população se o presidente deveria ou não ser afastado.
É neste ponto que o PSTU mira sua artilharia também contra a atual aliado PSOL.
Em carta-manifesto distribuída aos participantes do protesto, o PSTU afirma que "Os companheiros do PSOL, muito importantes para esta mobilização, defendem um abaixo assinado para levar ao congresso a proposta de um plebiscito para decidir se Lula fica ou não. Ou seja, enquanto nós do PSTU estamos propondo a mobilização direta das massas, com atos de rua e apontando para uma greve geral para derrubar o governo e o Congresso, os companheiros do P-SOL querem que o Congresso decida se aceita ou não um plebiscito. Pior ainda, no caso de que o Congresso aceite, e o plebiscito seja vitorioso, a saída será mais uma vez as eleições gerais. Ou seja, depois de toda esta crise, as eleições legitimariam a volta do PSDB-PFL ao governo, ou mesmo do PT. É importante ter claro que a burguesia pode estar de acordo com esta saída no caso de agravamento da crise, por lhe proporcionar a sua volta ao poder, legitimada por uma eleição".
Neste mesmo texto-manifesto, sobram críticas também para o PDT e o PPS, co-patrocinadores da manifestação. No documento, o PSTU afirma que "Existem companheiros com dúvidas sobre o PDT e o PPS. Estes partidos formam neste momento uma aliança que tem como objetivo aparecer como uma “alternativa diferente do governo e do PSDB”, como a expressão política da terceira força. Mas são parte da oposição burguesa, e apesar de estarem na oposição ao governo Lula, não merecem nossa confiança."
Guerra de números com "revisionismo" da PM
As comparações entre as duas manifestações, a de terça-feira e a de ontem, eram inevitáveis e geraram uma guerra de números.
A UNE calcula que 30 mil pessoas estiveram protestando em Brasília no dia 16. A CUT avalia que o número foi maior: 40 mil pessoas.
O mesmo cálculo inflado fez o PSTU —ansioso para demonstrar a qualquer custo que a passeata "contra Lula" teria superado a do dia anterior. O partido estampou em seu site uma manchete dizendo que havia 30 mil manifestantes na passeata de ontem. A polícia militar do Distrito Federal, que faz a contagem oficial, falou inicialmente em 10 mil pessoas e depois mudou sua avaliação para 12 mil. O tenente Petercley Franco, assessor de Comunicação Social do Centro Integrado de Atendimento e Despachos de Emergência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, diz que a contagem feita pela Polícia Militar era de 12 mil pessoas no horário do “pico” (maior concentração) – às 13 horas. Ele explicou que a conta é baseada em três pessoas por metro quadrado, considerando a área delimitada de ocupação.
Já em relação à manifestação da CMS, a PM —controlada pelo governador oposicionista Joaquim Roriz (PMDB)— fez um malabarismo inédito: revisou os números da manifestação para baixo. Na véspera havia apresentado avaliações que variavam entre 10 a 15 mil pessoas. Ontem, "revisou" este número para 6 mil. Nunca se teve notícia de procedimento semelhante, o que levanta um caminhão de dúvidas sobre a imparcialidade do comando da PM e coloca sub júdice todos os números apresentados pelo tenente Petercley Franco.
A jornalista Márcia Xavier, que trabalha no Congresso Nacional, esteve nas duas manifestações e estranhou a avaliação que a PM de Roriz fez da marcha comandada pelo PSTU. "A passeata de terça-feira (16) pareceu bem maior que esta", disse Márcia.
O site do jornal Correio Braziliense parecia concordar com a avaliação da jornalista e, na principal matéria que fez da passeata de ontem, estimou em 7 mil o número de manifestantes. O resto da imprensa comprou a versão da PM do Distrito Federal e saiu alardeando a falsa constatação de que a manifestação de ontem teria superado a de terça-feira.Sejam quais forem os números, o fato é que ambos os protestos mostraram que a sociedade está cautelosa e que não há clima para a aventura golpista traçada pela oposição.
Revolução e greve geral
Mas a direção do PSTU parece achar que há clima sim, não apenas para o golpismo da direita mas também para fazer revolução. Aqui e agora.
Pelo menos é isso que deixaram entender as várias declarações feitas ontem pelas lideranças do partido.
Segundo Oraldo Paiva, da direção nacional do PSTU, a marcha é um "pontapé inicial" para uma greve geral. "Temos essa marcha hoje, e amanhã temos uma reunião do Conlutas, quando vamos propor iniciar um processo de preparação de uma grande greve geral no país, para que os trabalhadores imponham as mudanças que sonharam com a eleição de Lula e que acabaram não ocorrendo". A Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) é um racha da CUT e tenta se firmar como alternativa à esquerda para a central sindical.
Paiva reproduz com suas palavras o que diz a carta-manifesto do PSTU, na qual o Partido defende que "Não podemos atacar o governo e nos apoiar no Congresso ou na saída eleitoral de sempre, com a volta da oposição burguesa. É preciso construir uma nova alternativa, a partir da mobilização direta dos trabalhadores e da juventude, apontando para uma greve geral no país, rumo à construção de um governo verdadeiramente dos trabalhadores, que apoiado na mobilização (e não no parlamento), derrote a burguesia e aplique um plano econômico dos trabalhadores, apontando para o socialismo".
Pouco menos afoitos, os dirigentes do PSOL contentam-se com o plebiscito revogatório de mandatos e com a anulação das reformas aprovadas no governo Lula. "Queremos a anulação das reformas que foram aprovadas sob a égide da crise, especialmente a reforma tributária", afirma o secretário da Executiva Nacional do P-SOL, Martiniano Cavalcanti. Ele destaca que o movimento é a favor de reformas agrária e urbana.Outras reformas criticadas pelos manifestantes são a sindical e a universitária. O integrante da diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, conhecida por Andes, Antônio Bosi, critica as propostas da reforma universitária e diz que ele é privatizante. "A reforma universitária favorece a transformação do ensino em mercadoria e reserva para as universidades públicas um futuro onde a produção de ciência e tecnologia vai estar cada vez mais vinculada ao mercado".

Integrantes do movimento GLS também participaram da manifestação de ontem
Governo democrático
O ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, articulador político do governo, considerou normal a manifestação promovida contra o governo Lula na Esplanada dos Ministérios nesta quarta-feira. Segundo ele, as manifestações fazem parte da democracia, desde que sejam feitas dentro das regras. "A democracia é feita através da representação no Congresso e das manifestações das ruas. São movimentos normais. Se forem feitos dentro do jogo democrático, dentro das regras, não preocupam. Todos têm o direito de se manifestar", afirmou Wagner.
O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, também comentou a manifestação. Segundo ele "Estamos num regime democrático e temos que nos acostumar com manifestações. Governo não é só para ter aplauso, tem que ter também um pouquinho de vaias. Eu também tenho recebido vaias. Vaias são normais num regime democrático – mas acho que o governo não merece vaias."
Da redaçãoCláudio Gonzalez