Segundo o colunista da Istoé Paulo Moreira Leite,
“na maioria dos protestos realizados do país, havia menos gente do que
no Palácio do Planalto, às 15 horas da tarde de ontem, quando o governo,
entidades patronais e as centrais sindicais – inclusive a Força
Sindical – assinaram um acordo pelo trabalho decente durante da Copa do
Mundo”
247 – O colunista da Istoé Paulo Moreira Leite
criticou o excesso de atenção dos meios de comunicação aos protestos
contra a Copa. Segundo ele, os atos têm intenção eleitoreira e
mobilizaram menos pessoas do que solenidade no Planalto para assinatura
de acordo com centrais sindicais sobre condições de trabalho no Mundial.
Leia:
Havia mais gente num ato do Planalto para anunciar condições de trabalho na Copa do que na maioria dos protestos anti-Copa
Só
é possível entender a importância atribuída pelos meios de comunicação
aos protestos anti-Copa, ontem, como parte do esforço para colocar o
governo Dilma na defensiva quando faltam cinco meses para a eleição
presidencial. É isso e só isso.
Na maioria dos protestos realizados do país, havia menos gente do que
no Palácio do Planalto, às 15 horas da tarde de ontem, quando o
governo, entidades patronais e as centrais sindicais – inclusive a Força
Sindical – assinaram um acordo pelo trabalho decente durante da Copa do
Mundo.
Você pode achar burocrático. Mas veja as consequências práticas.
No final do dia, em Brasília, grandes redes de alimentação e hoteis –
estamos falando de Mac Donalds e Habibs, Accor, por exemplo – haviam
firmado um acordo que, soube depois, era inédito no mundo.
Um total de 1600 empresas (o plano é chegar a 6000 nas próximas
semanas), que empregam alguns dezenas de milhares de trabalhadores,
firmou um compromisso para a Copa. Reforçar direitos trabalhistas, criar
formas legais de evitar que trabalho temporário seja sinônimo de
trabalho precário e impedir o avanço da exploração sexual de crianças e
adolescentes, tão comum em situação desse tipo.
Sabe a preocupação social? Sabe aquele esforço para impedir que a Copa transforme o país num grande bordel? Pois é.
Você pode até achar que tudo isso é café pequeno diante das imensas
causas e carências do país. É mesmo. Também pode se perguntar para que
falar de iniciativas modestas, limitadas, quando a rua arde em chamas de
pneus revolucionários.
São, definitivamente, iniciativas menos que reformistas, para falar
em linguagem conhecida. Populistas, para usar um termo típico de quem
não tem voto nem consegue comunicar-se com o povo. Eleitoreiras, é
claro. Mas eu acho que os fatos de ontem ensinam muita coisa sobre o
Brasil de hoje.
A menos que se acredite que em 2014 o Brasil se encontra às portas de
uma revolução, numa situação que coloca questões econômicas como a
expropriação dos meios privados de produção e criação de uma república
de conselhos operários e populares, convém admitir que nossos meios de
comunicação resolveram construir um embuste político em torno dos
protestos e apresentar manifestações de rua fracassadas como se fosse um
elemento da realidade.
Não seja Ney Matogrosso: leia os orçamentos, compare os gastos, veja as prioridades. Entre no debate real.
Veja quem defende, a portas fechadas, as “medidas impopulares”. Quem
já se rendeu ao capital financeiro e quer entregar o Banco Central –
istoé, a moeda dos brasileiros – aos mercados, para que possam jogar com
ela, especular, comprar e vender. Não acredite na lorota de
austeridade, de defesa da moeda acima da política e dos interesses
sociais em eterno conflito. O que se quer é mais cassino em vez de mais
salário mínimo. (Quase rimou...)
No cassino está o filé – que é sempre para poucos. E quando alguém
falar no exemplo dos países desenvolvidos, recorde: no marmore da
entrada do FED, o BC americano, está escrito que a instituição tem dois
compromissos – defender a moeda do país e o emprego dos cidadãos. Lá, no
coração do capitalismo, o BC tem essa função – ou missão, como dizem os
RHs de hoje em dia. Toda luta pela independência do Fed consiste em
lutar para revogar o compromisso com a defesa do emprego.
Numa conjuntura pré-eleitoral onde cada rua interrompida, cada
pedrada, cada confronto desnecessário com a polícia e cada pequena
labareda representa um desgaste das instituições políticas construídas
democraticamente no fim da ditadura militar, o que se pretende é atingir
um governo que toma medidas parciais mas concretas em defesa da maioria
e favorecer uma restauração conservadora. O capítulo final do embuste
-- por isso é embuste -- é este. Criar uma imagem, um borrão, um ruído,
que embaralhe o debate da eleição.
No país real de 2014, as alternativas são duas. E todos sabem quais
são. E é por causa delas que a revolta polilcial do Recife, ontem,
recebeu o tratamento de um episódio menor e passageiros, não é mesmo?
Na região Sudoeste de São Paulo, ontem, os trabalhadores cruzaram os
braços em seis empresas. Mais tarde, avançaram por uma das pistas da Via
Anchieta e fizeram o protesto por meia hora. Olha a falta de charme
radical-televisivo dessa turma. Olha o tédio concreto de suas
reinvindicações. A monotonia. Certíssimo.
Ligados a industria de auto-peças, querem a manutenção do IPI que
ajuda a vender automóveis, até hoje o setor da industria que possui a
cauda mais longa na produção de empregos diretos e indiretos. No país
real, onde vive a maioria dos brasileiros, uma das prioridades é e
sempre foi esta: emprego, que permite pagar a conta do fim do mes.
A reivindicação dos metalúrgicos não era improvisada. E nada tem a
ver com anti-Copa, movimento que ignoram porque gostam de futebol, não
querem perder a oportunidade de torcer pela seleção brasileira em seu
próprio país e até admitem que os empregos que a Copa criou ajudaram no
orçamento de amigos, parentes e vizinhos.
Os sindicatos querem sentar com os empresários e o governo para
discutir medidas que a CUT e a Força Sindical trouxeram da Alemanha,
onde trabalhadores, empresas e governo repartem custos que ajudam a
manter o emprego mesmo nas situações que a economia esfria – esse tipo
de pacto é um dos motivos que explica a vitória eleitoral de Angela
Merkel, que não aplica contra seu povo a política de austeridade que
exige dos países mais fracos da União Européia.
No mundo real, vivemos a época do capitalismo rastejante, como
definiu um dos dirigentes políticos de minha juventude. Cada emprego é
uma epopéia, todo benefício social é um suadouro, garantir um horizonte
de segurança para a família é uma utopia.
O que nossos conversadores
mais reacionários pretendem é um confronto com todas as armas –
inclusive o embuste -- com um governo que, com todos os limites, falhas e
erros clamorosos, tem conseguido aliviar o sofrimento dos mais pobres.
Numa fase da história em que a renda se concentra nos principais
países do planeta, gerando uma desigualdade que bons estudiosos indicam
como caminho seguro para novas catástrofes, até mais frequenets, o
Brasil conseguiu avançar na direção contrária. O plano era fazer virar
uma Grécia. Virou... o Brasil.
Vamos lembrar de 1964. Num país polarizado, com um governo que havia
chegado no limite possíve, a revolta dos sargentos, e dos cabos, a
radicalização dos camponeses, a campanha sistemática de denuncia dos
políticos e do Congresso envolvia causas justas e corretas – mas seu
efeito real foi abrir caminho para o golpe de Estado e uma derrota de 20
anos.
Lembrem de 1933, na Alemanha. Convencido de que havia chegado a hora
do assalto ao poder, o Partido Comunista Alemão, orientado por Josef
Stalin, estimulou uma política sectária de denúncia da
social-democracia. Rompeu a unidade dos trabalhadores e passou a acusar
os social-democratas de social-fascistas. O saldo foi Hitler – uma
derrota que só seria revertida pela II Guerra Mundial.
A historia mudou bastante, de lá para cá. Mas convém entender que algumas lições permanecem.