Os R$ 3 milhões arrecadados por Andrea Matarazzo
foram usados na contabilidade paralela do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, na disputa presidencial de 1998; planilha com o caixa
dois foi montada pelo ex-tesoureiro de campanha Luiz Carlos Bresser
Pereira, que confirmou o papel de Matarazzo na arrecadação extraoficial;
informações fazem parte de denúncias publicadas por (pasmem) a revista
Veja e a Folha de S. Paulo; áulicos do PSDB, como Reinaldo Azevedo, se
esforçam para dizer que Matarazzo não tinha o "domínio do fato"; para
FHC, PT e PSDB não são "farinha do mesmo saco"
247 - O arquivo
digital de publicações como Folha de S. Paulo e a própria Veja permite
juntar os pontos e conectar as propinas pagas pela Alstom no Brasil ao
caixa dois da campanha presidencial do PSDB em 1998, que reelegeu
Fernando Henrique Cardoso. Nessa trama, um dos personagens centrais é o
vereador Andrea Matarazzo, que foi recentemente indiciado pela Polícia
Federal, mas alega inocência e vem sendo ardorosamente defendido por
áulicos do PSDB, como o blogueiro Reinaldo Azevedo.
Matarazzo desponta nesse jogo numa
reportagem da Folha de S. Paulo de 12 de novembro de 2000, assinada
pelos jornalistas Wladimir Gramacho e Andrea Michael. "Documento revela
doações não registradas para a campanha de FHC", diz o título do texto,
que foi uma das manchetes principais da Folha naquele dia (leia aqui a íntegra).
Segundo a reportagem, pelo menos R$
10,1 milhões não foram declarados ao Tribunal Superior Eleitoral. E as
informações vinham de uma planilha feita pelo ex-ministro Luiz Carlos
Bresser Pereira, que foi o tesoureiro das duas campanhas presidenciais
de FHC.
Dos R$ 10,1 milhões, a maior parte,
segundo a planilha de Bresser Pereira, havia sido arrecadada por
Matarazzo. Eis o que diz a reportagem:
A
maior doação não declarada ao TSE, de R$ 3 milhões, é atribuída pela
planilha ao hoje ministro Andrea Matarazzo, da Secretaria de Comunicação
da Presidência. Dinheiro sem procedência nem destino conhecidos, de
acordo com o documento.
"Não pode ser. Não conheço a planilha.
Não tenho idéia. Muito menos valores desse tamanho", reagiu Matarazzo.
"Eu não fui arrecadador. Não me ponha como arrecadador. Fiz alguns
jantares com empresários. E só", rebateu o ministro.
Seus colegas
de campanha dizem coisa diferente. "O Andrea também foi (arrecadador),
no começo", lembra Bresser. "Havia uma certa competição, talvez em
função da vontade dele de ir para Brasília", conta o publicitário Luiz
Fernando Furquim, outro coletor.
Ou seja: embora Matarazzo tenha
negado agir como arrecadador, seu papel nesse trabalho de levantar
recursos foi confirmado pelo próprio Bresser Pereira e pelo publicitário
Luiz Fernando Furquim.
Diante da gravidade da denúncia da
Folha, a própria Veja decidiu repercutir o caso. E o fez numa reportagem
do jornalista Alexandre Oltramari, de 22 de novembro de 2000.
No texto "O caixa dois de volta à
luz", Veja não fez contorcionismos retóricos para negar o caixa dois na
campanha de FHC – uma vez que o próprio tesoureiro de campanha, Bresser
Pereira, o confirmara. O que Veja fez foi afirmar que outros partidos,
como o PT, subestimaram os seus gastos (leia aqui a íntegra).
A reportagem de Oltramari não poupa
Andrea Matarazzo, acusado de mentir à revista. Eis um trecho da
reportagem, a partir do subtítulo autoexplicativo "Que teve, teve":
Que teve, teve –
Num primeiro momento, os tucanos, atingidos pela denúncia, ensaiaram
uma versão de que a planilha do caixa dois podia não ser verdadeira.
Após receber um telefonema de Fernando Henrique, no qual o presidente
demonstrava preocupação com a notícia, Bresser Pereira tentou
explicar-se. Admitiu ser o dono da planilha e contou que seu irmão,
Sérgio Luiz, o ajudou no trabalho, porém afirmou que ela foi alterada.
"Eu montei uma planilha, mas abandonei o sistema depois de dois meses
porque não funcionava", disse o ex-ministro. "Não houve gastos nem
receitas que não foram contabilizados. Não sei explicar de onde saiu
isso." A ordem no Planalto era para que ninguém no governo comentasse o
assunto. No apartamento de Bresser, em São Paulo, os empregados avisavam
aos jornalistas que ele viajara para os Estados Unidos. O ministro
Andrea Matarazzo, que aparece na lista do "por fora" com uma doação de 3
milhões de reais, mandou seus assessores dizer que tinha ido para a
fazenda e estava "incomunicável". Puro teatro. Nem Bresser havia
embarcado para os Estados Unidos nem Matarazzo estava "incomunicável".
No
final da semana, ninguém tinha mais dúvida de que a planilha revelava o
caixa dois da campanha. Além de Bresser Pereira, outras duas pessoas
tinham acesso à contabilidade da campanha de Fernando Henrique: o
ex-presidente dos Correios Egydio Bianchi e Adroaldo Wolf. Em conversa
com VEJA, um deles admitiu que a campanha, de fato, usou a contabilidade
paralela. "Que teve uma contabilidade paralela, eu não tenho dúvida. O
que eu não sei é se desviaram o dinheiro ou se não declararam para
proteger a identidade do doador", diz um dos tesoureiros. Na
quarta-feira passada, falando de seu apartamento em São Paulo, Bresser
desabafou: "Não posso ser responsabilizado por tudo que ocorreu de alto a
baixo na campanha", disse. "Se alguém recebeu dinheiro e não registrou,
como eu posso saber?" Entre os tucanos, o nome de Egydio Bianchi, que
entrou no governo pelas mãos do ex-ministro Sergio Motta, circulava como
o principal suspeito de ter vazado as planilhas com o caixa dois da
campanha. Demitido dos Correios há quatro meses pelo ministro Pimenta da
Veiga, das Comunicações, Bianchi saiu atirando. Chegou a ter um
encontro com Fernando Henrique no qual torpedeou a administração de
Pimenta da Veiga e prometeu entregar um dossiê com acusações.
Em
2008, depois que eclodiu o escândalo internacional das propinas da
Alstom, pela primeira vez, a imprensa brasileira associou a multincional
francesa a doações de campanha para o PSDB. Isso foi feito na
reportagem "Caixa dois de FHC citava empresas da Alstom", de José
Ernesto Credendio, Mario Cesar Carvalho e Andrea Michael (leia aqui a íntegra). Leia aqui um trecho:
Duas
empresas do grupo francês Alstom são citadas nas planilhas eletrônicas
do comitê financeiro do PSDB que deveriam abastecer o caixa dois da
campanha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à reeleição, em
1998. As empresas são a Cegelec e a ABB.
As
planilhas, tornadas públicas em 2000, atribuem ao atual secretário de
Subprefeituras de São Paulo, Andrea Matarazzo (PSDB), então secretário
de Energia do Estado, a missão de buscar recursos junto a empresas. As
estatais de energia eram os principais clientes da Alstom no governo de
São Paulo.
Porém,
não era atribuída à Cegelec e à ABB nenhuma meta de arrecadação. A
planilha também não informa se elas deram dinheiro ao PSDB. Em 1998,
Matarazzo acumulou o cargo de secretário com o de presidente da Cesp
(Companhia Energética de São Paulo), justamente uma das principais
clientes da Alstom.
Memorandos
internos trocados em 1997 entre diretores da Alstom, na França,
apreendidos por promotores da Suíça, dizem que seriam pagas "comissões"
para obter negócios com o governo paulista.
Num
desses memorandos, um diretor da Cegelec em Paris diz estar disposto a
pagar 7,5% para obter um contrato de R$ 110 milhões da Eletropaulo.
A Alstom comprou a Cegelec justamente naquele ano.
Os
papéis citam que a comissão seria dividida entre "as finanças do
partido", "o tribunal de contas" e "a Secretaria de Energia". A
Eletropaulo era subordinada até abril de 1998 à pasta dirigida por
Matarazzo.
Por essas e outras razões, Andrea
Matarazzo foi indiciado pela Polícia Federal, que usou, inclusive, a
teoria do domínio do fato para incriminá-lo. Os indícios são mais do que
veementes e conectam as propinas da Alstom ao caixa dois da campanha de
FHC, que foi admitido pelo próprio tesoureiro Bresser Pereira.
No entanto, num post publicado ontem, o blogueiro Reinaldo Azevedo dá mais um piti em defesa de Matarazzo (leia aqui). Puro desespero.