Demissão da colunista de elite da Folha de S.
Paulo vem acompanhada de dezenas de cortes no jornal da Barão de
Limeira; Editora Abril pronta para iniciar processo de enxugamento de
até 10% de seu pessoal; Estadão, onde o também demitido Nelson Motta
acusou internautas de "relincharem", definha em praça pública; Valor,
joint venture Folha-Globo, diminui redação; com monopólio no Rio,
família Marinho preserva as Organizações Globo, mas não se sabe até
quando; informação livre pela internet promove devastação nas estruturas
arcaicas da mídia tradicional, na qual o patronato não acompanhou
avanço tecnológico, menosprezou busca pela notícia e fez veículos
trombarem editorialmente com a nova opinião pública
247 – As torres de papel da mídia tradicional estão caindo. Uma a
uma. A informação livre em circulação pela internet, mídia que todos os
números e pesquisas apontam como a de maior e mais rápida ascensão
entre o público brasileiro, fustiga os alicerces nada sólidos daquela
que já foi chamada "grande imprensa". Os custos de operação, as
dificuldades logísticas e a falta de visão de presente e futuro dos
líderes de negócios dos jornais e revistas – obnubilada na fixação pelo
passado -- formam o conjunto responsável pela debacle. Um processo
acelerado pela miopia ideológica da famílias detentoras aplicada às
linhas editoriais de cada veículo, todas elas convergentes a um
conservadorismo pulverizado em praticamente todas as seções
jornalísticas – Política, Economia, Cidades, Esportes etc. Um atraso que
quebra a sincronia das rotativas com a visão de mundo mais ampla e
plural do leitor atual. Um fracasso contratado.
A demissão da colunista de elite Danuza Leão, da Folha, revelada
nesta quinta-feira 6, é emblemática da situação de crise estrutural da
mídia de papel. Em seus livros, Danuza sempre se apresentou como uma
socialite cheia de bons conselhos a dar, mas, pouco a pouco, em seu
espaço no diário da família Frias, foi empunhando a pá ideológica que
cavuca o fosso sempre profundo que separa ricos de pobres, emergentes de
quatrocentões. Foi perdendo, a cada golpe, atratividade de leitura,
acumulando adversários entre os leitores, diminuindo, assim, pelas
opiniões isoladas do resto do mundo, sua razão de estar ali, tratada a
pão-de-ló por 12 anos. Não precisava, neste sentido, a colunista ter
troçado dos leitores, reclamando da democratização das viagens pelo
exterior, de modo a lamentavelmente ser possível encontrar o porteiro de
seu próprio prédio em lazer em Paris (aqui)!
DESCOLAMENTO DO PÚBLICO - Danuza, no entanto, não é a
única a padecer neste momento. Entre jornalistas, comenta-se que ela
apenas entrou no corte de cerca de 40 profissionais promovido pela Folha
ao longo desta semana. Um "passaralho", como se diz na categoria
profissional, que vai sendo baixando aos poucos, já há alguns meses, na
redação do concorrente Estadão. Ali, um famoso colunista que rodou foi o
crítico musical Nelson Motta. O mesmo fenômeno de descolamento em
relação ao público ocorreu com ele.
Ao longo de sua história de quase 50 anos em torno da música e do
entretenimento, Nelsinho, como é chamado, construiu uma imagem de
simpatia. Bastou, porém, ter seu próprio espaço emoldurado num jornal
conservador, para se deixar contaminar pelo entorno. Ao comentar os
posts de leitores de 247, onde a expressão é livre e
aberta, de modo a que cada posição seja conhecida e, nessa medida,
respeitada e discutida, Nelsinho registrou que só ouvia "relinchos". Foi
escorraçado nas mídias sociais (aqui). Sem escalas, trocou uma posição de queridinho por tantos para a de ridicularizado por muitos mais. Dançou.
HORA DA ABRIL - Na maior editora de revistas da
América Latina, a situação promete ser ainda mais dramática.
Reconhecia-se entre a diretoria, meses antes da morte do presidente
Roberto Civita, a necessidade de promover mudanças internas que
produzissem uma economia de até R$ 100 milhões anuais em custos. Civita,
ciente da imagem de superioridade que a Abril sempre prezou, barrou até
o final as propostas de profundos cortes de pessoal que pousaram em sua
mesa. Agora, porém, sob a direção de seu filho Giancarlo, o prognóstico
entre os profissionais da empresa é que se inicie uma verdadeira Noite
de São Bartolomeu, na qual até 10% dos mais de nove mil funcionários da
organização poderão ser degolados. Com 52 revistas em seu portfolio
atual, habitando um prédio com mordomias como piscina que lhe custa
estimados US$ 1 milhão mês, a Abril só encontra lucro em uma ou outra
operação, jamais em todas. É provável, assim, que títulos desapareçam.
No carro-chefe Veja, cuja redação quintuplicou de tamanho nos últimos
quinze anos, sem que o mesmo acréscimo tivesse se dado em seu conteúdo
jornalístico, ao contrário -- há cada vez menos notícia, cada vez mais
editorialização --, as aparências devem ser mantidas. Isso, entretanto,
ainda é incerto.
Na mídia especializada, como o jornal Valor Econômico, a crise
estrutural também já se achega. Produzir a partir do zero, todos os
dias, redigir, editar, diagramar, imprimir e distribuir um jornal custa
muito caro, até mesmo para um veículo que, na prática, detém o monopólio
da publicidade legal no País. Quando a coluna do lucro começa a ter
números encolhidos, a alternativa empresarial é, salvo raríssimas
exceções, enxugar a folha de pagamentos. É o que está acontecendo lá,
onde vagas estão sendo congeladas e vínculos empregatícios formais vão
sendo substituídos por mão de obra sazonal.
Barbeiragens empresariais se somam ao grave momento da mídia
tradicional. Na Record que tirava quadros da Globo a preço de ouro e
bateu a emissora dos Marinho na cara disputa pelas Olimpíadas de
Londres, a conta chegou na forma de 400 demissões apenas esta semana.
INTERNET QUEBRA RECORDES - Enquanto isso, a
audiência na internet quebra recordes dia a dia, provocando uma saudável
disseminação de informações por meio de jornais, revistas, tevês e
blogs especialmente criados para este veículo de alta velocidade, farta
concorrência e vasto acesso. Cria-se aqui um ambiente de briga de mãos
limpas, honesta, onde os "sem rotativa" e os "sem antena" passam a ter
iguais condições de disputar o interesse do leitor, a atenção das
fontes, o respeito do mercado publicitário e, sobretudo, adquirem
influência no circuito que nasce com bases populares e alcança os
formadores de opinião.
Os tempos estão mudando. A mídia tradicional descobriu, na última
hora, que o passado não mais é capaz de corrigir seus excessos
corporativos, erros gerenciais e choques com uma nova e numerosa classe
de leitores. Pagam pelo desastre comercial provocado pela soberba os
profissionais que ajudaram a construir cada uma dessas máquinas. É o
capitalismo em estado bruto mostrando sua velha e vincada face
assustadora.