Com 24 horas de atraso, o jornal Estado de S.
Paulo publica editorial reagindo à agressão sofrida por seu repórter
Felipe Recondo, que foi chamado de “palhaço” pelo presidente do Supremo
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. “Se não se sente em condições físicas
e psicológicas para manter um comportamento público compatível com a
dignidade dos cargos que exerce, Joaquim Barbosa deveria deles se
afastar”, diz o texto; ministro ainda não se desculpou de forma digna
nem respondeu a questão que seria formulada pelo jornalista.
247 – Com 24 horas de atraso, o jornal Estado de
S. Paulo reagiu à agressão sofrida por um de seus profissionais, o
repórter Felipe Recondo, e que foi cometida justamente pelo homem que
deveria zelar pela Justiça no País: o presidente do Supremo Tribunal
Federal, Joaquim Barbosa.
No editorial “Lamentável truculência”, o jornal afirma que o
ministro, se não se sente em condições físicas e psicológicas de cumprir
com suas funções e com o decoro do cargo, deveria deixá-lo, lembrando
que Barbosa atribuiu a agressão que cometeu a uma dor nas costas.
Segundo o Estadão, Barbosa ainda não se desculpou de forma adequada e
coloca em risco sua própria imagem.
O texto, no entanto, transita numa linha tênue entre a crítica ao
estilo de Barbosa e os elogios à sua conduta do ministro na Ação Penal
470. "Barbosa foi transformado no Torquemada do PT pela mídia", avalia o
jornalista, professor e militante político Emiliano José. "Depois de
endeusá-lo, fica difícil criticá-lo".
Eis a dificuldade do Estadão e de praticamente todos os veículos que
cultuaram a figura de Joaquim Barbosa: como ele foi transformado em
herói por ter cumprido uma função politica e ter sido o algoz dos réus
do processo do chamado mensalão, a crítica se torna mais delicada e
cuidadosa.
Leia abaixo o editorial:
O ESTADO DE S. PAULO - 07/03
É
profundamente lamentável que, por causa de um temperamento muitas vezes
descontrolado, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
ministro Joaquim Barbosa, coloque em risco a admiração e a credibilidade
que conquistou - não apenas para si, mas, com a colaboração de seus
pares, principalmente para o Poder republicano que hoje comanda - por
ocasião do histórico julgamento da Ação Penal 470, que, ao mandar para a
cadeia uma quadrilha de criminosos de colarinho-branco, sinalizou o fim
da impunidade para os poderosos da política brasileira.
Joaquim Barbosa, cuja história de vida é um exemplo e um estímulo
para todos os seus compatriotas, está hoje empenhado, na presidência
do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), numa luta muito mais
ampla e renhida do que a que enfrentou no julgamento do mensalão, que
teve a espinhosa responsabilidade de relatar. Profundo conhecedor das
mazelas da Justiça brasileira, Barbosa está firmemente determinado a dar
a contribuição de seus mandatos à frente do STF e do CNJ para que o
aparato Judiciário se torne verdadeiramente capaz de fazer justiça a
partir do princípio fundamental de que todos os cidadãos são iguais
perante a lei.
Contudo, diante do peso do desafio que se coloca
diante do ministro, as reiteradas manifestações de descontrole
emocional de Barbosa tornam-se muito preocupantes. Já durante o
julgamento do mensalão, transmitido ao vivo e acompanhado por um enorme
contingente de brasileiros, em várias ocasiões o então ministro relator
tratou com impaciência e descortesia os pares que se opunham a suas
ponderações. Mais de uma vez, viu-se obrigado a se desculpar. E a maior
parte do público sempre assimilou esses deslizes com alguma tolerância,
até porque era testemunha do padecimento físico que um problema crônico
de coluna impunha ao ministro.
No entanto, na última terça-
feira, à saída de uma sessão do CNJ, o destempero de Joaquim
Barbosa ultrapassou os limites da civilidade. Ele ofendeu, com
inacreditável truculência, um repórter deste jornal que tentava lhe
fazer uma pergunta sobre a crítica que o ministro recebera de
associações de juizes por ter dito, numa entrevista, que há juizes que
aplicam com demasiada complacência uma lei penal já excessivamente
leniente. Sem permitir que o jornalista sequer concluísse a pergunta,
Barbosa pediu que fosse deixado em paz e fulminou, em tom raivoso: "Vá
chafurdar no lixo, como você faz sempre". E, enquanto seu assessor
tentava afastá-lo dali, ainda chamou de "palhaço" o profissional que
queria apenas entrevistá-lo.
O fato de a vítima da truculência
do ministro ser um repórter deste jornal é irrelevante. A
irresponsabilidade cometida por Barbosa atinge toda a imprensa, e não se
redime com um anódino pedido de desculpas formulado em nota oficial
pela assessoria do STF. Nem minimiza a gravidade do ocorrido a alegação,
contida na nota, de que Joaquim Barbosa fora "ríspido" com o jornalista
porque saíra de uma longa reunião do CNJ "tomado pelo cansaço e por
fortes dores". Se não se sente em condições físicas e psicológicas para
manter um comportamento público compatível com a dignidade dos cargos
que exerce, Joaquim Barbosa deveria deles se afastar. É o que merece
como ser humano, é o que dele espera a enorme massa de brasileiros que
por ele tem demonstrado, até agora, admiração, respeito e apreço.
A reincidência do presidente do STF num comportamento reprovável sob
todos os aspectos - desde a transgressão da liturgia do cargo que ocupa
até o comprometimento de uma imagem pública que favorece o
aperfeiçoamento das instituições nacionais - foi recebida com
escandaloso regozijo, nas mídias sociais, pelas viúvas do mensalão,
interessadas em desacreditar o principal responsável pelo desfecho da
Ação Penal 470, em proveito dos dirigentes partidários condenados à
prisão pelo crime de comprar apoio parlamentar para o governo Lula.
E hora de Joaquim Barbosa parar para pensar que pode estar começando a
desfazer tudo o que até agora construiu com grande competência e
admirável dedicação.