À polícia, Rowles Silva, ex-assessor do
governo do Mato Grosso, diz que fez oito ou nove repasses de R$ 7 mil
ao jornalista Vinícius Segalla, do portal de notícias do grupo Folha;
segundo seu relato, jornalista teria pedido ainda R$ 500 mil para não
veicular no Uol notícias negativas sobre o projeto do VLT de Cuiabá, a
principal obra de transporte de uma das cidades-sede da Copa de 2014;
repórter, que antecipou resultado da licitação em anúncio cifrado, nega
acusações e diz estar tranquilo
RAMON MONTEAGUDO
DA REDAÇÃO, do MIDIANEWS
O ex-assessor do governo de Mato Grosso e lobista Rowles Magalhães
Pereira Silva afirmou que pagou propina ao repórter Vinícius Segalla, do
site UOL, para que este não publicasse notícias negativas em relação ao
Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). O lobista disse, também, que foi
chantageado pelo jornalista, durante contatos feitos no ano passado.
As
declarações de Rowles Silva estão em um depoimento prestado ao delegado
Gianmarco Paccola Capoani, da Polícia Civil de Mato Grosso, no dia 24
de agosto de 2012, ao qual o MidiaNewsteve acesso com exclusividade, na
semana passada.
Ele foi convocado a depor depois que Segalla
publicou uma reportagem afirmando que o consórcio vencedor da licitação
do VLT já era conhecido um mês antes da data marcada para a divulgação
(veja a reportagem abaixo). No texto, publicado em 17 de agosto do ano
passado, o jornalista relata que Rowles afirmou que integrantes do
governo receberam propina de R$ 80 milhões, dos três consórcios
primeiros colocados na concorrência, para viabilizar o negócio.
Ao delegado, em um depoimento que durou seis horas e meia, em Cuiabá,
Rowles disse que ele e Vinícius tiveram o primeiro encontro em São
Paulo, no Shopping Jardim Sul, no Blenz Café. Na ocasião, eles teriam
trocado e-mails e Rowles falou sobre as vantagens do VLT.
Vinte dias depois, houve, segundo Rowles, um novo encontro, também em
São Paulo, em um café da Copenhagen. “Depois de alguns questionamentos,
o Vinícius resolveu dizer a realidade dos fatos; que, na verdade, ele
recebia mensalmente vantagens econômicas para manipular informações na
imprensa no sentido de denegrir o projeto do VLT e apoiar o BRT”, disse o
lobista.
Segundo ele, na ocasião, Vinícius disse, sem revelar
nomes, que quem estava por trás dessas ações era um “empresário de
Cuiabá”. Rowles afirmou, então, que tinha interesses comerciais em uma
Parceria Público-Privada (PPP), e que o VLT era a melhor opção para Mato
Grosso.
“Então, o Vinícius solicitou algumas vantagens mensais e
eu disse que pagaria R$ 7 mil por mês a ele, que ficou com o único
compromisso de não publicar notícias negativas no UOL em desfavor do
VLT”, disse.
O lobista afirmou que fez "oito ou nove" pagamentos
ao jornalista. “Após um mês, nos encontramos novamente no Jardim Sul e
repassei os R$ 7 mil a ele. Isso aconteceu por oito ou noves vezes,
durante os meses seguintes, sendo que um pagamento foi feito, em
dinheiro, por Simoni, mãe da minha filha, pois eu estava viajando e o
Vinícius estava insistindo pelo repasse. Outro pagamento foi feito por
meu irmão”, disse Rowles, no depoimento.
O lobista afirmou que,
ao longo do período, se encontrou com o repórter em vários locais, como
bares, shoppings e restaurantes – fato que os aproximou.
"Ele ficou puto, magoado"
Entre o final de 2011 e início de 2012, Rowles disse que soube que o
VLT não seria feito por meio de uma PPP, mas sim por Regime Diferenciado
de Contratação (RDC). E, por isso, afirmou ao jornalista que não lhe
pagaria mais os R$ 7mil mensais. “Ele ficou puto, magoado”, disse, no
depoimento ao delegado.
Depois de alguns dias, em março de 2012,
um “último bate papo” foi marcado, segundo Rowles, em um bar na Avenida
Sumaré, em São Paulo.
“Chegamos por volta das 11h30 e ficamos lá
até 14h30, mais ou menos. Tomamos algumas cervejas, descontraidamente, e
ficamos discutindo sobre VLT e BRT, suas vantagens e outras situações. E
o Vinícius sempre me questionava o que eu estava ganhando para
trabalhar pela Ferconsult e insistia em saber se havia algum tipo de
'armação' na licitação. Eu disse que nunca soube de esquemas envolvendo
pessoas do governo”, relatou.
Segundo ele, a conversa foi ficando
“mais acirrada” e Vinícius lhe mostrou um guardanapo de papel, com
anotações de um anúncio cifrado, publicado no Diário de Cuiabá, com
informações de quem seria o vencedor da licitação do VLT. “Ele continuou
me perguntando o que eu achava disso, e eu estava alcoolizado, de saco
cheio, e mandei ele procurar o jornal. Então, blefei e disse mais ou
menos isso: ‘uma empresa me ofereceu R$ 60 milhões, vai ver que
ofereceram R$ 80 milhões, vai saber’... Falei isso de modo irônico, para
encerrar o assunto e dizer que o processo de licitação foi
transparente”, disse.
Segundo Rowles, passado algum tempo, num domingo, por volta das 13
horas, ele recebeu uma ligação de um número desconhecido. Ao atender,
era Vinícius, que lhe perguntou se 'fazia tempo que não abria o e-mail
criado para se comunicarem'.
“Eu disse que não abri mais o
e-mail e ele pediu que eu olhasse o mesmo, e depois ligasse. Eu abri o
e-mail e vi a mensagem: ‘Descobri que você foi nomeado assessor especial
da vice-governadoria. Nossas conversas foram gravadas, vá a um orelhão e
me ligue’. Eu fiquei puto e fui até um telefone público, na Avenida
Isaac Póvoas. Ele atendeu e disse que a gente precisava conversar. Eu
falei: ‘Vai a puta que o pariu e faça o que quiser, não tem papo. E
desliguei o telefone”, relatou o lobista.
R$ 500 mil
Rowles
disse que horas depois, "de cabeça fria", voltou a ligar para Vinícius,
de um outro “orelhão”, na Rua 24 de Outubro. “Eu falei que aquilo não
era justo, pois não havia lhe concedido nenhuma entrevista e que a
conversa foi informal, em bate papo de bar, tomando bebida alcoólica, e
que não havia nada de ilegal naquilo que eu fiz e presenciei. Ele falou
que não queria saber, e que eu teria um prazo, até segunda-feira,
porque, na terça-feira, ele faria a publicação da matéria e iria ‘me
fuder’”, afirmou.
Depois da ligação, o lobista disse que procurou um amigo, chamado
Marcos, para se aconselhar sobre o que fazer. “Ele me orientou a ligar
novamente para Vinícius a fim de saber o que ele queria. Eu liguei de um
orelhão, no bairro Coxipó, e ele me disse que queria R$ 500 mil, até
segunda-feira, para não publicar a matéria, que seria publicada na
terça. Eu falei que seria impossível arrumar esse dinheiro, e pedi a ele
que aguardasse uma semana. Ele concordou”, disse.
Segundo o
lobista, na terça-feira, de fato, nada fora publicado. “Mas eu recebi
uma ligação, na minha empresa, do Vinícius falando: ‘E aí, vai ter ou
não vai ter? Você vem ou não vem?’. Eu disse que estaria em São Paulo na
sexta-feira, mas acabei não indo e, nesse período, houve várias
ligações ameaçadoras dele”, disse.
Rowles disse que algum tempo
depois, já como assessor do governo, durante uma viagem a Londres, para
tratar da renegociação da dívida do Estado, viu uma notícia publicada no
blog Prosa e Política, de Adriana Vandoni, em que era “francamente
atacado”.
"Nesse mesmo dia eu recebi várias ligações de Vinícius, sempre
dizendo: 'Eu não falei que ia te foder, você já viu a Adriana Vandoni
hoje?'. Eu disse que não tinha visto, e ele me disse que era para eu ver
e escolher no sentido de ceder ao seu pedido de R$ 500 mil", disse
Rowles, no depoimento.
Segundo ele, quando retornou a Cuiabá, recebeu nova ligação de
Vinícius, dizendo que também estava na cidade, e queria conversar
pessoalmente. O encontro teria acontecido no Franz Café, na Praça
Popular. Rowles disse que levou um amigo, chamado Geraldo, para
testemunhar a conversa.
“O Vinícius exigia os R$ 500 mil e eu não cedi. Neste momento, tocou o
telefone do Vinícius e ele disse: ‘Estou aqui com a pessoa e amanhã
está de pé a nossa viagem a Cáceres’. Depois que ele desligou o
telefone, ele disse que era Aldo Locatelli, e que no dia seguinte iriam à
Cáceres atrás de um processo que envolvia Eder Moraes”, disse.
Ele
relatou que, durante o encontro, recebeu uma ligação, de um amigo,
alertando que ele estava sendo “detonado” no blog da Adriana Vandoni.
“Eu acessei o blog do celular. A matéria me denegria, falando de doações
do projeto do VLT, da viagem que fiz a Londres para tratar da dívida
externa do Estado. Eu mostrei a matéria para o Vinícius e ele, ao ver a
postagem, deu risada, dizendo que a Adriana era sua parceira”, afirmou.
Na mesma conversa, segundo Rowles, Vinícius teria dito que aceitava
abaixar o valor para R$ 200 mil. “Ele disse: ‘Você é quem sabe, já
abaixamos o valor... Ou nós queremos algum documento, ou informação,
contra Eder Moraes, pois se ele obtivesse esse documento, acertaria o
valor diretamente com Aldo Localtelli, e eu não precisaria pagar mais
nada, e teria meu nome preservado'”, afirmou.
Segundo o lobista, após o encontro no Franz Café, o jornalista o
teria procurado, por várias vezes, nos dias seguintes. Ao delegado
Gianmarco Paccola Capoani, Rowles disse que não o atendeu. Dias depois,
porém, ele disse que recebeu uma ligação de Vinícius, e foi ao seu
encontro no Hotel Mangabeiras, na Avenida da FEB, em Várzea Grande,
acompanhado de Geraldo.
“Ele me disse que conversou com Maurício
Guimarães (presidente da Secopa), que falou mal de mim e queria me
envolver em ‘rolos’. Eu falei que estava cansado desta história e ia
procurar o Fantástico, a Folha de S.Paulo, e provoquei o Vinícius a
publicar as gravações na íntegra”, disse.
Segundo ele, após esse
dia ambos não se encontraram mais, embora o jornalista tenha lhe enviado
vários e-mails na tentativa de outro contato, inclusive dizendo: "Não
vai me atender, então boa sorte”.
De acordo com Rowles, depois de
duas semanas, o UOL publicou a reportagem envolvendo seu nome,
“insinuando o recebimento de propinas”, o que motivou o seu afastamento
imediato do cargo de assessor especial do governo.
Outro lado
Em
entrevista ao MidiaNews, por telefone, o repórter Vinícius Segalla
confirmou ter se encontrado, algumas vezes, com Rowles Magalhães Pereira
da Silva. Ele admitiu que o primeiro encontro foi, de fato, em um café,
no shopping Jardim Sul, em São Paulo.
Ele também confirmou que
se comunicou com o lobista, via e-mail. O jornalista negou que tenha
cobrado propina. “É mentira dele. Eu nunca pedi nenhum tipo de propina a
ele, nem de R$ 7 mil, nem de R$ 500 mil. O que ele falou é
completamente desprovido de qualquer ligação com a realidade, com os
fatos”, disse.
O jornalista também negou que tenha se encontrado com a pessoa
identificada por Rowles como Simoni, ou com o irmão dele. “Me encontrei
novamente com ele, sim. Isso é verdade. Mas não houve nenhum tipo de
pagamento. Não conheço Simoni, nem o irmão dele. Não houve pagamento
nenhum”, disse.
Vinícius também confirmou o encontro com o lobista na Avenida Sumaré.
“Eu me lembro desse encontro. Inclusive, na reportagem que
o UOL publicou, tem uma foto minha com ele, nesse lugar. Mas não é um
bar. Foi no Franz Café. Era de manhã, não tomamos cerveja, não
consumimos bebida alcoólica. Ele, inclusive, levou a filha. Nós
conversamos; foi onde ele deu as declarações, publicadas pelo UOL”,
disse.
Ele também disse que Rowles não parecia estar embriagado,
como afirmara à polícia. “A não ser que ele tivesse consumido bebida
antes, mas ele não me pareceu alcoolizado. Dá para ouvir a voz dele
nessas falas, isso também foi publicado. Não falamos sobre o anúncio
do Diário de Cuiabá, não é verdade. Essa informação, sobre o anúncio, me
foi passada pelo Ministério Público semanas, ou meses, depois, conforme
também publicamos. Eu não tinha essa informação à época”, afirmou.
Segalla
confirmou outro encontro com Rowles, em Cuiabá. “Nos encontramos para
que ele me entregasse um vídeo, supostamente com informações sobre
propina na Secopa. Ele não entregou o vídeo e não publicamos nada sobre o
assunto. Nosso encontro foi para isso, jamais pedi propina”, afirmou.
O jornalista disse que Adriana Vandoni trabalhou com ele na apuração
da matéria. “Ela assina a matéria como colaboradora. Esse contato com
ela jamais foi secreto. Houve troca de informações durante apuração.
Nunca a usei como ameaça”, disse.
Ele também admitiu que se encontrou com o empresário Aldo Locatelli.
“Conheço o Aldo. Me encontrei com ele. Fiz uma apuração intensa e
extensa, e ele foi uma das pessoas que ouvi, entre muitas outras, como
promotores, conselheiros do Tribunal de Contas e empresários”, disse.
Vinícius
Segalla, quem também prestou depoimento ao delegado Gianmarco Paccola
Capoani, em São Paulo, afirmou que "está tranquilo" em relação ao
assunto. “Não fiz nada de comprometedor. Se ele gravou os encontros,
acho bom, para poderem saber o que a gente conversou. Não tem nada a ver
com o que ele alegou na polícia”, disse.
A blogueira Adriana
Vandoni foi contatada pela reportagem e disse que retornaria a ligação,
pois estava em consulta médica. O empresário Aldo Locatelli enviou uma
nota sucinta à redação. "Afirmo que já forneci os esclarecimentos
necessários a quem compete investigar as fantasias citadas", disse.