Delúbio Soares (*)
Nos mais de três anos em que ocupo esse espaço semanal em centenas de
sites, blogs, jornais e revistas de todo Brasil, jamais abordei o tema da Ação
Penal 470, popularizada (por equívoco de uns e má-fé de outros) como o “mensalão”. Discorri sobre os mais variados temas
políticos, sociais e econômicos de nossa atualidade, buscando agregar
informações, dados e opiniões ao debate político e à discussão civilizada de
nossa realidade nacional. Não fugi do assunto, apenas me guardando para a
abordagem objetiva, sincera e sem emocionalismo algum na hora em que ela se
fizesse oportuna e necessária.
Em maio de 2009, dirigindo-me aos companheiros do PT reafirmei que “não
fui, não sou e nem serei vítima”, além de recusar e dispensar esse papel menor.
Disse mais: “em todos os momentos de minha vida como professor, como
sindicalista e, especialmente, como fundador e militante do Partido dos
Trabalhadores, soube dos riscos e das dificuldades. Não fui um alegre, um
néscio, um ingênuo. Escolhi os caminhos a serem percorridos e aceitei os riscos
da luta. Mas não fui, senão, em todos os instantes, sem exceção, fiel cumpridor
das tarefas que me destinou o PT”. E afiançava aos meus companheiros petistas
ser um homem sem rancor, sem ressentimentos, sem medo e sem ódio.
De lá para cá, mais de três anos depois, continuo absolutamente isento da
companhia insalubre de tais sentimentos, que parecem habitar somente os
corações e mentes dos que tentam transformar uma Ação Penal num circo
midiático, negando-me a presunção da inocência e colocando a “faca no pescoço”
dos magistrados da mais alta e respeitável Corte de nosso país. Não me furtei
ao debate e falei a milhares de pessoas e, também, com o mesmo entusiasmo e
respeito para platéias escassas. Fui à sindicatos, universidades, escolas,
seccionais da OAB, partidos políticos, onde me convidaram. Trago nas solas dos
sapatos a geografia do país que amo, percorrido de ponta a ponta, numa luta
desigual, mas reconfortante.
Ingênuos são os que não conseguem ver a mais cristalina das verdades, que
brilha sob o sol desse país tropical: a manipulação midiática e as mais abjetas
pressões, que pensam se esconder sob o manto roto da cobrança por justiça, são
apenas o óbvio e felliniano terceiro turno das seguidas
eleições presidenciais que vencemos com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff.
Vencemos nas urnas e realizamos as mais profundas transformações sociais
e econômicas de toda nossa história, retirando 40 milhões de brasileiros
da pobreza e os levando à classe média, mas isso parece não ter importância para
os veículos que tentam transformar em verdade absoluta uma mentira que lhes é
providencial. Convivemos em pleno século XXI com elementos anacrônicos,
paralisados na década de 50, na “Guerra Fria”. Ontem era o “mar de lama” contra
Getúlio, a “maioria absoluta” contra JK, a “república sindicalista” contra
Jango. Hoje, é o “mensalão”. No passado, eram “vivandeiras de quartel”, sem
votos e com teses esdruxúlas tentando evitar a posse dos eleitos através
do descarado golpe de estado. Nos dias de hoje, são pauteiros de redação,
assassinando reputações e rasgando biografias, buscando pelo engodo o poder que
o povo lhes nega seguidamente nas eleições que perdem. Se a verdade não os
favorece, dane-se a verdade. Se os fatos não corroboram suas versões, os fatos
deixam de ter qualquer importância. Tristes tempos, tristes costumes.
No momento em que o Brasil se apresta a acompanhar o julgamento da Ação
Penal 470, o pelotão de fuzilamento moral montado pelos adversários que
derrotamos não tem a menor importância. Importantes são os autos do processo e
a serenidade dos que irão julgar. Os ódios e ressentimentos, expressos na
deplorável fase adjetiva de parte da grande imprensa brasileira, todavia,
tiveram o condão pedagógico de mostrar aos brasileiros uma face cruel, até então
dissimulada e oculta.
Chegamos ao mais esperado momento do processo em curso. E, às vésperas do
início do julgamento, reafirmo tanto a verdade de minha defesa – expressa em
memorável trabalho de juristas do porte de Arnaldo Malheiros, Celso Vilardi, Flávia Rahal,
Camila Austregésilo Vargas do Amaral e toda
equipe, reconhecidos tanto pelo saber jurídico como pelo firme
credo democrático que professam – quanto a inabalável confiança na
imparcialidade dos magistrados que o julgarão. Aguardo o veredicto com a
serenidade que jamais me abandonou, isento de rancores e firme nos ideais
maiores que norteiam minha vida.
Fui, por oito anos, representando a CUT, partícipe da gestão do CODEFAT.
Em um desses anos exerci a presidência do Codefat e respondi diretamente por
astronômicos valores que, atualizados, superam os 10 bilhões de dólares. Era o
governo de Fernando Henrique Cardoso. Na única oportunidade em que o dinheiro
público esteve ao alcance das minhas mãos, o Tribunal de Contas da União
constatou a seriedade com que lidei com ele, aprovando minhas contas sem reparo
algum. Informação por demais relevante, mas tenazmente omitida à opinião
pública.
Reafirmo, uma vez mais e por ser a absoluta expressão da verdade dos
fatos: não houve dinheiro público, um centavo sequer, envolvido nos
fatos que ocasionaram o atual processo. Não houve a compra de
partidos políticos, de senadores ou de deputados para
que votassem matérias de interesse do governo.
Não existiu ”mensalão” algum. Não existe o enriquecimento
de nenhuma das pessoas denunciadas na Ação Penal 470. Em 394
depoimentos ao longo da investigação, sendo 79 senadores e deputados, não há
sequer a citação de algo que lembre, mesmo de longe, compra de votos ou
corrupção: ZERO.
Há nos tribunais de todo o Brasil, mofando em tranquilas prateleiras ou
dormitando em gavetas providenciais e obsequiosas, processos como a Ação Penal
470, tratando de recursos não contabilizados em campanhas eleitorais. Não somos
os únicos, nem os primeiros, nem os pioneiros. Mas, no centro do mais conhecido
deles, cabe-nos relembrar tanto a ausência de um centavo sequer de dinheiro
público quanto a flagrante, evidente e reconhecida indigência probatória da
espetaculosa denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.
Não creio na judicialização da vida institucional. Nem creio na
politização do Poder Judiciário. Creio na Justiça de meu país como creio em
Deus e no meu povo. E essa crença vem do coração, da alma, do
espírito de luta e dos ideais que movem minha vida pública e acalentam a imorredoura
confiança na verdade.
(*)
Delúbio Soares é professor