Há males que vêm para bem. A
situação do Senador Demóstenes Torres, devido às suas ligações com o
contraventor Carlinhos Cachoeira e a divulgação de conversas gravadas - segundo
as quais o parlamentar do DEM teria promovido reuniões da cúpula da máfia dos
caça-níqueis em seu próprio apartamento funcional, com o objetivo de discutir
estratégias visando à legalização do jogo - nos oferecem a oportunidade de
discutir o futuro dessa atividade no Brasil.
Der vez em quando, ouvem-se
pronunciamentos, no Congresso Nacional, articulados ou não, em defesa da
legalização dos bingos ou dos cassinos e caça-níqueis. Alegam que a alteração
constitucional poderia dinamizar a indústria do turismo e aumentar a
distribuição de renda, gerando milhares de
empregos.
Ora, se o jogo, nas mãos do
Estado, vai tão bem – ninguém discute o resultado da Loteria Federal, da Quina
ou da Mega-Sena, ou suspeita de desvio do dinheiro arrecadado – por que
privatizar a atividade?
Em todos os lugares do mundo,
sabe-se, sobejamente, que a jogatina, quando entregue à iniciativa privada, não
se resume a tomar dinheiro, principalmente de velhinhas e aposentados. Os
cassinos e os bingos, assim como as máquinas de pescar moedas, quando não estão
sob o controle do Estado, sempre acabam sob o controle de grupos mafiosos. O
jogo em mãos mafiosas favorece outras atividades criminosas, como a lavagem de
dinheiro, a corrupção da polícia, a prostituição e o tráfico de drogas.
Ninguém precisa ver um filme
americano ou visitar Las Vegas para saber como isso é verdade. Há alguns anos,
eu estava hospedado em um flat próximo aos Jardins, em São Paulo, cujo nome
poderia citar aqui, se quisesse, quando reparei que, todos os dias, às seis,
sete da tarde, muitos estrangeiros vestidos esmeradamente de terno, se reuniam
no lobby e depois, partiam, um a um ou de dois em dois, em diferentes carros,
tomando variadas direções, na noite de São Paulo.
Curioso, me aproximei deles e
reparei, pelo sotaque, que eram corsos. E não corsos comuns. Tratava-se de
compatriotas de Napoleão que, apesar dos ternos caros, tinham caras de poucos
amigos.
Quando saíram, me aproximei do
porteiro e perguntei quem eram. - é o pessoal do bingo – respondeu, entre
reverente e tímido – cada um toma conta de uma casa. E são mais de vinte...
Vendo a reação daquele
porteiro, imaginei aquele bando de corsos que, na minha época, teriam a cara
cortada a navalha pela malandragem que conheci nos meus tempos de repórter de
editoria de polícia - exercendo a sua arrogância e prepotência em cima de
centenas de garçons, porteiros, motoristas e garçonetes brasileiras. Quando
deixei o hotel, levei o fato às autoridades, o que não deu em
nada.
Há empresários e nobres
deputados e senadores preocupados com os empregos do bingo? Simples. Faça a
Caixa Econômica Federal um convênio com o SENAC, treinem-se, capacitem-se,
cozinheiros e garçons, manobristas, recepcionistas; instalem-se nas futuras
casas de bingo ou cassinos, máquinas como as que existem hoje nas agências
lotéricas, para controlar a entrada e a saída de dinheiro; abram concursos para
a contratação do pessoal, e mãos à obra.
Os empregos das pessoas de quem
houvesse trabalhado nessas casas, quando clandestinas, poderão ser preservados,
milhares de outros serão criados e o dinheiro perdido pelos incautos
apostadores, e auferido pelo sistema, será revertido, como já ocorre com as
loterias, em beneficio de toda a sociedade.
É claro que sempre haverá
espertas raposas para dizer que o governo não deve mexer com bingo. Que é um
absurdo o governo entrar em uma atividade que, em outros países, é explorada
pela iniciativa “privada”; que o papel do governo é cuidar, e que está cuidando
mal, da saúde e da educação; que a questão do jogo no Brasil – como é o caso do
“bicho”, por exemplo – está uma bagunça, que é preciso determinar como irão
funcionar as coisas, como será calculado o ganho dos apostadores, qual será a
“parcela” da União, Estados, Municípios na féria. Que não sendo o jogo coisa de
governo, que o poder público deveria “terceirizar” essa atividade, entregando a
sua exploração a “empresários” de “fora”, que tenham experiência, associados a
brasileiros.
O caso do Senador Demóstenes
Torres, apanhado em ligações perigosas, permitiu que, ao menos por enquanto, as
uvas cobiçadas pela raposa – a privatização do jogo no Brasil - ficassem,
repentinamente, verdes. Quando essa discussão amadurecer de novo, esperemos que
ela seja conduzida levando-se em consideração não os interesses de meia dúzia de
malandros, mas, sim, os de todo o povo
brasileiro.
Mauro Santayana
Mauro Santayana