SÃO PAULO - Militares da reserva e policiais supostamente envolvidos com atos de tortura e outros abusos cometidos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985) foram alvo de manifestações realizadas nesta segunda-feira em seis cidades do país. Integrantes do Levante Popular da Juventude - movimento de jovens que surgiu há seis anos no Rio Grande do Sul e hoje tem representantes em todo país - levaram faixas e fizeram apitaços em frente às casas ou endereços de trabalho dos agentes do Estado, com o intuito de constrangê-los em função da participação deles em atos do regime. As ações ocorreram em Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Porto Alegre (RS), Fortaleza (CE) e Belém (PA), Aracaju (SE) e devem continuar nos próximos meses.
O grupo chama os atos de "escracho" e informa ter se inspirado em ações semelhantes que ocorreram em países como Argentina e Chile. Eles levam cartazes com imagens dos militares e de vítimas, com base em informações de processos conduzidos pelo Ministério Público Federal, livros da época e relatos de familiares de opositores do regime. Em manifesto divulgado nesta segunda, se posicionam a favor da Comissão da Verdade e dizem ser necessário "expor e julgar aqueles que torturaram e assassinaram nosso povo e nossos sonhos". O grupo também organizou atos públicos em praças e ruas de mais seis cidades do país.
- Até agora, a única posição que vinha ganhando visibilidade era dos militares que se colocavam contra a Comissão e em defesa dos atos do regime. Nós pensamos diferente e queremos ter acesso à verdadeira história do Brasil - diz o analista de sistemas Edison Rocha Júnior, de 26 anos, integrante do Levante em São Paulo, cidade onde o ato reuniu cerca de 200 manifestantes.
Na capital paulista os jovens protestaram em frente à sede da empresa de segurança privada Dacala, que pertence ao delegado aposentado do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), David dos Santos Araujo. Ele foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de participar da tortura e do assassinato do ativista Joaquim Alencar de Seixas, em 1971. Os manifestantes levavam cartazes com imagens do ex-delegado e de outros mortos e desaparecidos durante a ditadura.
Funcionários da empresa Dacala informaram que o Araujo não estava na empresa na hora da manifestação e não falaria sobre o tema. Depois do ato, foram retiradas do site da empresa as logomarcas de seus principais clientes, entre eles uma rede de faculdades (Anhanguera Educacional), bancos (Itaú, Santander e Safra) e montadoras de veículos (Kia, Ford, Citroën e Volkswagen).
Em Belo Horizonte, cerca de 70 pessoas usaram tambores e apitos para fazer barulho na janela da casa de Ariovaldo da Hora e Silva. Ele também era lotado no Dops e é citado no livro Brasil Nunca Mais como envolvido na morte do opositor do regime João Lucas Alves, além de participação em atos de tortura.
- Eram jovens como muitos de nós que você torturou e assassinou nos porões da ditadura milita, vamos ficar atrás de você e cobrar a verdade. Que seja feita justiça com a sua condenação - gritavam os manifestantes, que dizem ter visto Ariovaldo espiar a manifestação pela janela.
Em Porto Alegre, um muro do outro lado da rua da casa do coronel Carlos Alberto Ponzi, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações de Porto Alegre, amanheceu com a frase: "aqui em frente mora um torturador". Ponzi foi citado em processo que apurou o desaparecimento do militante político Lorenzo Ismael Viñas em Uruguaina (RS), no início da década de 80. O GLOBO deixou recados no telefone da casa do coronel, mas ele não retornou.
Em Fortaleza, funcionários do escritório de advocacia do ex-delegado da Polícia Federal José Armando Costa teriam tentado impedir a colagem de cartazes e faixas em frente ao escritório, de acordo com os manifestantes. A polícia militar foi chamada, mas ninguém foi preso. Segundo familiares de presos políticos, Costa era responsável por tomar o depoimento de presos depois das sessões de tortura.
Uma encenação de uma cena de tortura com pau-de-arara marcou o protesto em Aracaju, realizado em rente ao Hospital e Maternidade Santa Isabel, que tem no quadro de diretores o médico José Carlos Pinheiro, suspeito de atender opositores do Regime durante atos de tortura no 28° Batalhão de Caçadores.
Segundo Rocha Júnior, o Levante surgiu em 2006 mas só cresceu e se nacionalizou no início deste ano, quando realizou um acampamento com a participação de mais de mil jovens em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. O grupo atua em sintonia com organizações de esquerda tradicionais, como o Movimento dos Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), mas Rocha Júnior informa que o Levante não integra nenhuma dessas entidades.
- Somos um movimento de juventude autônomo, que tem como pauta um projeto social para o Brasil, algo que está além de legendas partidárias - diz.
O Globo