Carlos A. Lungarzo* Na quinta-feira, 14 de abril, foi celebrado no campus central da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) um evento consistente em palestras e debate intitulado “A verdade sobre o caso Battisti”. Seu objetivo era discutir, de maneira rigorosa e sem parcialidade, os aspectos jurídicos, institucionais, políticos, humanitários e midiáticos envolvidos no tortuoso processo de julgamento do escritor italiano. A iniciativa da organização veio do professor José Arbex Jr., do Departamento de Jornalismo dessa universidade, e contou com a total colaboração do Reitor Dirceu de Mello e de seu gabinete. Às 19:30, no auditório 239 do edifício novo, foi aberta a cerimônia pelo reitor, que enfatizou durante a cordial fala de boas vindas a relevância do evento, e salientou que o processo judicial de Battisti “não parecia bem conduzido”. Dirceu foi presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, e me disse dias antes que estava lendo cuidadosamente os autos do processo italiano. O painel de palestrantes estava composto pelo escritor, jornalista e ex-preso político Celso Lungaretti, pelo pesquisador e professor da USP Paulo Eduardo Arantes, pelo Senador Eduardo Suplicy, por mim mesmo, e pelo próprio jornalista José Arbex, que atuou como coordenador das palestras e do debate. Na hora de começar, o auditório estava cheio e alguns assistentes tiveram de sentar no chão ou ficar em pé; outros não puderam entrar. Naquele momento, contamos entre 290 e 320 assistentes, estudantes, ativistas de movimentos populares, membros de organizações de esquerda, profissionais, docentes, etc. A primeira apresentação foi de Celso Lungaretti, que analisou as semelhanças e diferenças entre a repressão praticada pela ditadura militar brasileira nas décadas de 60 e 70, e sua correspondente na Itália mais ou menos na mesma época. Celso acentuou as similaridades, e reconheceu que a repressão italiana foi algo menos truculenta, por causa dos maiores controles a que está sujeita uma sociedade européia. A seguinte palestra foi a minha. Expliquei quais eram os riscos que correria Battisti se fosse extraditado, e ofereci várias provas: as declarações de ONGs de direitos humanos, as denúncias da família Battisti de ser perseguida e discriminada, a tentativa de sequestro que sofreu Cesare em 2004, as ameaças dos carabineiros, dos policiais, do ministro de Defesa e das passeatas de linchadores. Mostrei em slides várias das situações, como a confissão do ministro La Russa de seu desejo de torturar Battisti e a do líder do sindicato de policiais de declarar guerra ao Brasil. Mencionei também as medidas de censura e repressão contra intelectuais que assinaram uma petição contra a deportação de Battisti. Finalmente, fiz uma avaliação dos riscos de tortura, doença, suicídio e assassinato que ameaçam Battisti, cuja probabilidade está acima de 90% em quase todos os casos. O professor Arantes, baseando-se no livro autobiográfico de Battisti Minha Fuga sem Fim, fez uma interpretação original e profunda da alucinada perseguição de 30 anos, que procura caçar o escritor por todos os cantos do planeta. Nessa análise, Arantes mostra que Battisti é considerado um eterno inimigo pelo establishment italiano porque nunca se arrependeu, e não se arrependeu porque é inocente. Então, a magistratura italiana, que atua com o espírito da inquisição, o converte em presa permanente, que será perseguida enquanto estiver vivo, mesmo que seja extraditado e encarcerado. O palestrante fez uma ponte entre a perseguição de Cesare, e a teoria dos novos juristas repressivos, aqueles que propõem a aplicação de um direito especial para o inimigo, cujo resultado monstruoso é, por exemplo, a manutenção em campos de prisioneiros de supostos terroristas, que os EUA não querem julgar. O inimigo é alguém que se tenta destruir e, portanto, é culpado desde o começo. O tradicional critério de buscar a culpabilidade ou a inocência é abandonado. O Senador Suplicy contou as vivências de seu conhecimento pessoal com Battisti e seus amigos franceses, especialmente a escritora Fred Vargas, e alguns bastidores do caso no meio político de Brasília. Com sua habitual calma e senso de humor, descreveu detalhes de seu contato com o escritor, e falou da maneira como se convenceu que ele nada tinha a ver com as quatro mortes que lhe atribuem (e cujos autores, aliás, já tinham sido identificados havia tempo). José Árbex encerrou a palestra com uma breve e vibrante descrição (não sem ironia), da parcialidade da grande mídia, da tendência da imprensa a criminalizar os movimentos populares, das calúnias óbvias vertidas por algumas agências e jornalistas, da cumplicidade da cúpula da magistratura. Em seguida, abriu-se o debate com o público. Houve várias rodadas de três perguntas cada uma, todas elas essenciais para o tema em apreço. Foram especialmente importantes duas intervenções que manifestaram dúvidas sobre a inocência de Battisti, num estilo bastante calmo, o que é incomum nas pessoas que levantam objeções contra a proteção dada ao escritor. Ambos os participantes aceitaram nominalmente a proposta da mesa de enviar-lhes cópias dos autos originais para conferir realmente o que tinha acontecido nos julgamentos, e fazer sua própria convicção. Foi muito emocionante o estímulo e entusiasmo de muitas pessoas, especialmente jovens, e da disposição dos movimentos sociais para preparar outro ato em Brasília. *Professor aposentado da Unicamp, militante da Anistia Internacional (AI) há dez anos, no México, na Argentina e no Brasil até que a seção brasileira foi desativada. Atualmente, é membro da seção dos Estados Unidos da AI http://congressoemfoco.uol.com.br/noticia.asp?cod_canal=4&cod_publicacao=36777