A ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, justificou a retirada da peça por meio do microblog Twitter. Invocou o direito do ex-presidente de levar na mudança todos os presentes que lhe foram dados e disse que esse era o caso do crucifixo. Ainda assim um grupo de internautas pegou Lula para Cristo e começou uma campanha com o bordão “Devolve, Lula”. Eles afirmam em seus blogs que o crucifixo estava no Planalto havia décadas, desde que Lula era ainda um estreante em disputas eleitorais. Como prova, publicam e republicam uma foto do ex-presidente Itamar Franco, que governou o Brasil entre 1992 e 1994, instalado em uma poltrona vermelha, no gabinete presidencial, tendo ao fundo o crucifixo. Instado a esclarecer a polêmica, Itamar fez chacota. “O crucifixo era do Palácio. É melhor fazer um (exame de) DNA no crucifixo”, disse. Assessores de Lula e da Presidência, no entanto, não acharam a menor graça na situação. Claudio Soares, diretor da documentação histórica da Presidência, reafirmou que o crucifixo “foi presente pessoal de um amigo ao Presidente Lula” e disse que a imagem de Itamar que circula na internet “trata-se de edição grosseira. O presidente Itamar nunca se sentou naquela poltrona enquanto aquela peça esteve naquela parede”. Segundo ÉPOCA apurou, Soares tem razão sobre a procedência da peça. Mas a foto de Itamar não é uma falsificação. Explica-se.
O crucifixo pertencia a Dom Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias, que ganhara a peça de um amigo médico. No fim de 2002, o bispo viu-se obrigado a vender o Cristo. “Coloquei-o à venda para atender a necessidades pessoais e familiares com problemas financeiros decorrentes de enfermidades”, diz Dom Mauro. Naquele momento, o bispo participava de discussões sobre o programa Fome Zero no Instituto da Cidadania, criado por Lula antes de ser eleito para a Presidência em 2002. Entre uma discussão e outra acerca da pobreza nacional, Dom Mauro encontrou comprador para seu Cristo. Era um amigo de Lula, José Alberto de Camargo, diretor da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa da família Moreira Salles. Em janeiro de 2003, com Lula recém-empossado, Camargo, por meio da Fundação Djalma Guimarães, braço cultural da CBMM, pagou R$ 60 mil a Dom Mauro pelo crucifixo. “Não sabia o que fazer com a obra e aceitei a sugestão de Frei Betto de dá-la ao Lula”, diz Camargo.
“Quando chegou aqui, o crucifixo parecia três pedaços de carvão”, diz Soares, da documentação histórica do Planalto. O objeto foi enviado, em seguida, ao Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, da Universidade Federal de Minas Gerais, que, durante mais de três meses, trabalhou na limpeza e recuperação da peça. Enquanto isso, no Planalto, deliberava-se sobre qual seria o destino do Cristo. “O Frei Betto pressionou para colocar na sala de Lula, embora a Clara (Ant, assessora do presidente) fizesse questão de lembrar que o Estado é laico”, diz Camargo. Lula, católico, optou por instalar a imagem em seu gabinete. Sobre o episódio, Clara Ant, judia, afirma: “Na época, apenas comentei que o Estado é laico. Isso também foi uma bobagem, pois a presença do Cristo em nada altera a natureza do Estado. Na verdade, cada um coloca em seu ambiente de trabalho os objetos ou ícones com os quais se identifica. Aliás, Lula manteve também uma hamsa (amuleto em forma de mão) presenteada por um rabino em sua sala”. Depois de instalado o crucifixo, Frei Betto comandou uma cerimônia religiosa de cerca de dez minutos para dar bênção ao gabinete. E puxou um pai-nosso para pedir a Deus que olhasse pelo governo petista.
Pregado na parede de Lula, o Cristo foi testemunha de uma reunião, em maio de 2006, entre o ex-presidente Itamar Franco e o então presidente da República em exercício, senador Renan Calheiros. O assunto era a disputa presidencial que aconteceria naquele ano. Itamar disse a Renan que não aceitaria a vice na chapa de Lula. Queria ser o candidato ao Planalto pelo PMDB. Durante a conversa, Itamar sentou-se na poltrona preferida de Lula, onde foi fotografado. Quase cinco anos depois, essa imagem alimentou a boataria na internet de que Lula teria roubado o Cristo.
No governo, o crucifixo acompanhou Lula onde quer que ele se instalasse, inclusive no gabinete provisório no Centro Cultural Banco do Brasil. Em janeiro de 2011, foi trazido a São Paulo em um avião da Força Aérea Brasileira. O destino definitivo da peça não foi divulgado. Mas é certo que ele não será devolvido ao Planalto. Na internet, no entanto, há quem se anime a perguntar: “Se Lula voltar ao poder, em 2015, o crucifixo virá com ele?”.
O COMPRADOR
José Alberto de Camargo era conselheiro do Instituto da Cidadania, fundado por Lula, e presidente da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, que pertence à família Moreira Salles. Ele comprou a peça e pagou r$ 60 mil a Dom Mauro, em janeiro de 2003. Por sugestão de Frei Betto, resolveu dá-la a Lula
Antes de passar às mãos de Lula, a peça foi submetida a reparos ao longo de mais de três meses no Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais móveis (Cecor), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFGM). O Cecor fez o trabalho gratuitamente. A peça passou por limpezas e reparos na madeira original. A recuperação foi feita em várias etapas (FOTOS ACIMA)
O PRESENTE
Ainda em 2003, o crucifixo foi entregue a seu novo dono, o presidente Lula, que determinou que o objeto fosse instalado em uma coluna no gabinete no palácio do planalto. Depois de pendurado o crucifixo, Frei Betto deu uma bênção ao gabinete
Leia mais aqui:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI214549-15223,00-A+REAL+HISTORIA+DO+CRISTO+DE+LULA.html
27 fevereiro 2011
A real história do Cristo de Lula
A retirada de um crucifixo do Planalto lançou sobre o ex-presidente suspeitas de apropriação de patrimônio público. Esclarecemos de onde veio e para onde foi a peça
Mariana Sanches
Ao longo dos oito anos que passou na Presidência, Lula ganhou 8.500 presentes. Findo seu mandato, um deles tornou-se fonte de anedotas e constrangimentos. Um Cristo morto e crucificado, talhado em cerca de 1,50 metro de madeira de tília, usada em esculturas sacras europeias do século XVI e XVII, tornou-se o protagonista de uma via-crúcis de boatos e desmentidos. O objeto esteve pendurado no gabinete presidencial entre 2003 e 2010. Sua retirada, em 2011, provocou uma controvérsia que começou nos primeiros dias de Dilma Rousseff na cadeira presidencial e sobrevive até hoje na internet. Tão logo foi percebida, a ausência do crucifixo levantou dúvidas sobre um suposto ateísmo da presidenta e jogou suspeitas sobre o comportamento do ex-presidente Lula. Em vários blogs, Lula passou a ser acusado de ter surrupiado patrimônio público do Palácio do Planalto ao levar para casa o Cristo.