2/11/2010 19:23, Por Gilson Caroni Filho - do Rio de Janeiro
A jovem idealista Dilma Rousseff
“Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte não haverá discriminação, privilégio ou compadrio”. Em seu primeiro discurso como presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, reafirmou a consolidação, junto ao eleitorado, de um projeto republicano. A primeira providência de um vencedor nas urnas é remover os destroços da campanha. A esta altura, não cabe a menor dúvida de que a vantagem de 12 milhões de votos, que a separou de seu competidor, mostrou, de forma cabal, a irreversibilidade de uma agenda que contemplou desenvolvimento com redistribuição de renda.
A sua vitória demonstra a maturidade da sociedade civil brasileira. De nada adiantou o toque de direitismo, com tonalidades protofascistas, da campanha tucana. Os efeitos da eleição presidencial sobre o quadro partidário brasileiro confirmam com clareza um fenômeno já reconhecível há algum tempo: a desagregação do esquema político que deu sustentação aos oito anos de domínio neoliberal.
O encolhimento expressivo das bancadas do PSDB, DEM e PPS é extremamente emblemático. Reflete a rejeição a uma prática conservadora que, em desespero, açulou o que havia de mais primitivo no imaginário social, com o objetivo de estabelecer uma plataforma calcada no retrocesso cego. Porém, ao mesmo tempo em que levou as forças reacionárias ao paroxismo, a oposição, involuntariamente, construiu uma unidade de pensamento que aglutinou expressivos setores da sociedade organizada a se aliarem em torno da aspiração da continuidade de mudanças profundas nas estruturas que, por muito tempo, sustentaram uma ordem social autoritária e excludente.
Por não estar em sintonia com o tempo político, incapaz de esmaecer suas indefinições internas, o núcleo duro do tucanato, vive um momento de desestruturação que exigirá um esforço imenso para manter até mesmo a imagem unívoca de partido político. De ponta a ponta, o país está sendo varrido por uma ânsia de consolidação democrática que não tem mais condições de ser reprimida. Para a direita, diminuem as possibilidades de uma recomposição de campos de atuação. Querer refrear as oportunidades de mudança social surgidas nos dois governos petistas foi a grande tragédia que tolheu as pretensões de José Serra e seus aliados.
Em intensidade nunca vista, a prova das urnas esfrangalhou as estruturas partidárias da oposição demo-tucana, mostrando a ineficácia de uma estratégia firmada sobre dois pilares: o poder midiático e o desembarque do “iluminismo tucano” no mais deslavado integrismo católico. No palco eleitoral, o personagem central dessa historieta, beijando a imagem de Nossa Senhora Aparecida, tentou passar-se por filho do destino. Deveria saber que o mito funcionaria contra sua intenção burlesca. Varrido pela tempestade dos votos que liquidaram quase todas as lideranças do seu partido, Serra atuou como cabo eleitoral às avessas. É triste o fim que o transformismo dá a quem o abraça a qualquer preço.
Terminada a campanha, à vencedora cabe tomar a iniciativa de cicatrizar divergências sem a necessidade de compor interesses rasteiros por baixo de uma retórica elevada. A primeira mulher eleita presidente do Brasil não pode, nem quer, ser prisioneira de uma rigidez política que a imobilize dentro de sua base de apoio. O problema, por enquanto, é a falta de um interlocutor que tenha sobrevivido do outro lado.
É lógico que, diante desse quadro, as áreas da imprensa mais vinculadas aos pontos de vista dos derrotados venham dando ênfase às diferenças na coligação vencedora. Apostam, com os olhos voltados para o passado, na fraqueza relativa dos partidos em nossa história republicana. Parecem não querer se dar conta de que há grande possibilidade de uma convergência programática e de ação das forças políticas que, com Dilma, venceram as eleições de 2010. O baronato joga suas fichas na impossibilidade da democracia como reinvenção. Já deveria ter aprendido que o rumo da história é ditado por forças dinâmicas.
Outubro de 2010. O arsenal tático da guerrilheira atordoa as barricadas do atraso. É doce o sorriso de Vanda. Como suave é sua mão estendida.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior, colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.
A jovem idealista Dilma Rousseff
“Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte não haverá discriminação, privilégio ou compadrio”. Em seu primeiro discurso como presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, reafirmou a consolidação, junto ao eleitorado, de um projeto republicano. A primeira providência de um vencedor nas urnas é remover os destroços da campanha. A esta altura, não cabe a menor dúvida de que a vantagem de 12 milhões de votos, que a separou de seu competidor, mostrou, de forma cabal, a irreversibilidade de uma agenda que contemplou desenvolvimento com redistribuição de renda.
A sua vitória demonstra a maturidade da sociedade civil brasileira. De nada adiantou o toque de direitismo, com tonalidades protofascistas, da campanha tucana. Os efeitos da eleição presidencial sobre o quadro partidário brasileiro confirmam com clareza um fenômeno já reconhecível há algum tempo: a desagregação do esquema político que deu sustentação aos oito anos de domínio neoliberal.
O encolhimento expressivo das bancadas do PSDB, DEM e PPS é extremamente emblemático. Reflete a rejeição a uma prática conservadora que, em desespero, açulou o que havia de mais primitivo no imaginário social, com o objetivo de estabelecer uma plataforma calcada no retrocesso cego. Porém, ao mesmo tempo em que levou as forças reacionárias ao paroxismo, a oposição, involuntariamente, construiu uma unidade de pensamento que aglutinou expressivos setores da sociedade organizada a se aliarem em torno da aspiração da continuidade de mudanças profundas nas estruturas que, por muito tempo, sustentaram uma ordem social autoritária e excludente.
Por não estar em sintonia com o tempo político, incapaz de esmaecer suas indefinições internas, o núcleo duro do tucanato, vive um momento de desestruturação que exigirá um esforço imenso para manter até mesmo a imagem unívoca de partido político. De ponta a ponta, o país está sendo varrido por uma ânsia de consolidação democrática que não tem mais condições de ser reprimida. Para a direita, diminuem as possibilidades de uma recomposição de campos de atuação. Querer refrear as oportunidades de mudança social surgidas nos dois governos petistas foi a grande tragédia que tolheu as pretensões de José Serra e seus aliados.
Em intensidade nunca vista, a prova das urnas esfrangalhou as estruturas partidárias da oposição demo-tucana, mostrando a ineficácia de uma estratégia firmada sobre dois pilares: o poder midiático e o desembarque do “iluminismo tucano” no mais deslavado integrismo católico. No palco eleitoral, o personagem central dessa historieta, beijando a imagem de Nossa Senhora Aparecida, tentou passar-se por filho do destino. Deveria saber que o mito funcionaria contra sua intenção burlesca. Varrido pela tempestade dos votos que liquidaram quase todas as lideranças do seu partido, Serra atuou como cabo eleitoral às avessas. É triste o fim que o transformismo dá a quem o abraça a qualquer preço.
Terminada a campanha, à vencedora cabe tomar a iniciativa de cicatrizar divergências sem a necessidade de compor interesses rasteiros por baixo de uma retórica elevada. A primeira mulher eleita presidente do Brasil não pode, nem quer, ser prisioneira de uma rigidez política que a imobilize dentro de sua base de apoio. O problema, por enquanto, é a falta de um interlocutor que tenha sobrevivido do outro lado.
É lógico que, diante desse quadro, as áreas da imprensa mais vinculadas aos pontos de vista dos derrotados venham dando ênfase às diferenças na coligação vencedora. Apostam, com os olhos voltados para o passado, na fraqueza relativa dos partidos em nossa história republicana. Parecem não querer se dar conta de que há grande possibilidade de uma convergência programática e de ação das forças políticas que, com Dilma, venceram as eleições de 2010. O baronato joga suas fichas na impossibilidade da democracia como reinvenção. Já deveria ter aprendido que o rumo da história é ditado por forças dinâmicas.
Outubro de 2010. O arsenal tático da guerrilheira atordoa as barricadas do atraso. É doce o sorriso de Vanda. Como suave é sua mão estendida.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior, colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.