Do UOL Notícias
Em São Paulo
- Fachada da maternidade Leonor Mendes de Barros, na zona leste de São Paulo
Para verificar se os relatos obtidos no livro de ocorrências da maternidade Leonor Mendes de Barros evidenciam problemas graves na administração da unidade, a reportagem do UOL Notícias procurou especialistas para debater o quadro encontrado. Como mostra reportagem publicada hoje, os médicos do hospital reclamam da ausência de uma UTI materna, de falta de materiais básicos e da superlotação dos leitos dos recém-nascidos.
Luiz Carlos Zeferino, representante das universidades estaduais no Conselho Estadual de Saúde, concorda que uma unidade tida como referência no atendimento de partos de alta e média complexidade, em tese, deveria ter uma UTI para atender as mães com complicações cirúrgicas. “Não conheço a realidade específica da maternidade, mas me parece lógica a necessidade de uma UTI materna em um local com esse tipo de atendimento”, disse ele.
Documentos internos da maternidade Leonor mostram a falta de infraestrutura
Professor titular de ginecologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o médico revelou que, na reunião do mês de agosto do conselho, o próprio diretor da Leonor, Coríntio Mariani, foi chamado para prestar esclarecimentos sobre o funcionamento do hospital – e assumiu em público estar consciente dessas necessidades. “Ele confirmou que é um problema a falta de UTI materna. Além disso, ele reconheceu que precisa aumentar o tamanho do berçário e da UTI neonatal”, contou Zeferino. “Ele disse que estava tomando providências.”
A portaria 3.477 do Ministério da Saúde também trata da questão. Em seu artigo 3º, o texto cita outras legislações para dizer que a infraestrutura física de unidades que atendem gestantes de alto risco devem dispor de “Unidade de Terapia Intensiva Adulto (6% dos leitos em relação ao total de leitos existentes)”.
Instaurada em 2001, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Mortalidade Materna também se debruçou sobre o tema. Nas conclusões do grupo, o relatório final aponta algumas medidas que ajudariam a diminuir as taxas de mortalidade materna nos hospitais brasileiros. “É necessário garantir recursos para equipamentos, organização da logística de transporte e localização de vagas, além da disponibilização adequada de recursos como bancos de sangue e Unidades de Terapia Intensiva para adultos e neonatos”, diz o texto, assinado pela deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA).
Professor de Administração de Sistemas de Serviço de Saúde da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), Aragon Erico Dasso argumenta que, teoricamente, um hospital de referência no atendimento de gestantes de alto e médio risco deveria, sim, contar com uma UTI materna. “Não faz sentido um centro que recebe pacientes graves por natureza não contar com uma estrutura mínima para socorrer mães que tenham complicações no parto”, diz.
"Não tem desculpa"
Para avaliar se a falta de materiais relatadas pelos médicos do Leonor seria uma falha ou uma rotina em hospitais com grande circulação de público, o UOL Notícias procurou três médicos experientes, que pediram para não ter sua identidade revelada. Todos foram unânimes em dizer que, apesar de aceitáveis “vez ou outra”, não há justificativa para as carências repetitivas de itens básicos em uma maternidade.
Um desses profissionais, que responde por uma cadeira em uma das principais universidades de Medicina de São Paulo e é doutor em pediatria, deu seu veredicto, após analisar os documentos obtidos pela reportagem. “Você tem relatos de situações emblemáticas do descaso com a saúde pública. Estas situações relatadas contribuíram para a não melhora tão contundente dos coeficientes de mortalidade neonatal e materna na cidade de São Paulo.”
Outra médica, titular da neonatologia de uma das mais importantes maternidades de São Paulo, também leu os relatórios e teve análise semelhante. “Nenhum dos materiais citados como ausentes faltaria em uma maternidade privada. Jamais. São extremamente básicos e não podem acabar.” Sobre a alegação de que o alto número de pacientes justificaria o problema, a especialista foi enfática: “Essa desculpa tem como fundo a má gestão. Se programe, faça previsões. Não tem desculpa.”