11 maio 2010

A voz do dono, o dono da voz e os donos de tudo

A capa e o conteúdo do jornal O Globo de hoje revelaram a Serra o que um dia, num único jornal do sistema, pode fazer à sua candidatura. Não que seja diferente ao que fazem dúzias de vezes com Dilma, mas foi, como dizia uma música dos anos 60, “a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”.
Acostumado a mandar demitir repórteres com telefonemas, Serra perdeu a paciencia com “os comunistas do Dr. Roberto” do século 21. “Dos meus comunistas, cuido eu”, teria dito “o mais velho”, em plena ditadura, ao “ministro da justiça” (assim mesmo, entre aspas e em minúsculas) Armando Falcão. Embora não sejam mais comunistas e o Dr. Roberto não esteja mais aí, Serra mexeu num vespeiro, muito maior que o cada vez mais frágil jornal O Globo. Mexeu na Globo, no centro de comando da elite brasileira.
Embora a Miriam Leitão tenha ficado publicamente apatetada e se contido – a vingança, como dizia o personagem do Chico Anísio, “será maligna”. A edição do jornal impresso de hoje, que reproduzo aí ao lado, já mostra isso. A foto de um Serra que parece doente, alquebrado, sendo seguro na escada como um inválido que não se sustenta é o tipo de maldade atroz que ele, pela primeira vez, tem de encarar no jornal.
O título é de uma clareza solar. Traduzido, quer dizer: Serra, este é o Serra que queremos. Oposição, não pseudolulista. O império não quer almas pela metade, ele quer a vassalagem incondicional. Ele quer alguém que se ajoelhe em seu altar, renegue e maldiga sua fé passada e proclame sua conversão em alto e bom som, como fez FHC em 1995, ao dizer, já em seu discurso de posse, que vinha para destruir a “Era Vargas” e entregar, como nunca se entregara nem na ditadura, o Brasil aos grupos econômicos daqui e de fora.
Lá dentro do jornal, coube a Lord Merval Pereira colocar a coisa em letras explícitas: fala em ressurreição do ranzinza e de Serra ser o “centralizador” e “mais intervencionista do que Dilma”. Ao lado, seguia a ironia fotográfica, com uma grande foto de Dilma sorridente, ao lado de Antonio Palloci, o “homem de confiança” do mercado nos primeiros tempos do Governo Lula.
Serra tem sorte de que o Dr. Roberto não esteja mais aí, para não correr o risco de sofrer mais um dos “castigos” que gosta de impor aos “insolentes”: ser “demitido” com um telefonema.
Mas vai ter de fazer seus atos de contrição, ficar comportadinho e parar de achar que é alguém com direito a ter posições próprias e pessoais, mesmo que sob a fantasia que os marqueteiros lhe desenharam.
Serra tem que exorcizar de vez suas convicções do massado, sepultar o antigo Serra que pensava no papel do Estado no desenvolvimento que, inconformado com a morte que a traição lhe deu, brota em espasmos como o de ontem. Não se lhe exige apenas o papel de agente da direita, querem a conversão completa ao papel que assumiu. De Fausto não se queria parte, mas tudo.
Dante Aligheri escreveu na sua Divina Comédia que, nos umbrais do Inferno havia talhada uma frase: Abandona toda esperança, vós que entrais.
A gauchada, que não leu Dante, se expressa mais claramente: “não te fresqueia, guri”.

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