27 maio 2010

Pacto Brasil-Irã segue roteiro de Obama

Folha obteve íntegra de carta do americano a Lula; acordo segue todas as solicitações de texto de 20 de abril

Presidente dos EUA estimulou brasileiro a convencer Teerã a enviar seu estoque de urânio à Turquia


Alex Brandon/Associated Press

Barack Obama deixa o palco após discursar em fábrica na Califórnia; em carta a Lula, ele detalhou "caminho a seguir"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O acordo nuclear entre o Brasil, a Turquia e o Irã segue, ponto a ponto, todas as solicitações que o presidente Barack Obama havia exposto em carta a seu colega Luiz Inácio Lula da Silva, datada de 20 de abril, apenas três semanas antes, portanto, da viagem de Lula ao Irã, da qual resultou o acordo.
A Folha obteve, com exclusividade, cópia integral da carta, na qual Obama escreve que o objetivo era oferecer "explicação detalhada" de sua perspectiva "e sugerir um caminho a seguir". Brasil e Turquia seguiram o caminho, conforme se comprova pela comparação entre os itens expostos por Obama e os que constam do acordo.
É natural, por isso, que haja perplexidade na diplomacia brasileira com a reação negativa de Washington ao acordo, antes e depois de o Irã ter formalizado o entendimento por meio de carta à AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
Primeira coincidência: Obama refere-se elogiosamente à proposta que a AIEA apresentara ao Irã, em outubro passado. "A proposta da AIEA foi modelada para ser justa e equilibrada, e para que ambos os lados ganhem confiança", escreve Obama.
O acordo Brasil-Turquia-Irã segue o molde proposto pela AIEA. Prevê, tal como especificava Obama na carta, que o Irã transfira 1.200 quilos de LEU (iniciais em inglês para urânio levemente enriquecido) para outro país.
"Quero enfatizar que este elemento é de fundamental importância para os EUA." A carta de Obama pede, ainda, um "papel central para a Rússia", o que também consta do acordo, na medida em que Moscou será responsável pelo enriquecimento do urânio a ser enviado ao Irã, em troca de seu LEU.
O presidente dos EUA queixa-se de que o Irã havia rejeitado a proposta da agência tanto em janeiro como em fevereiro deste ano e insistia em reter o LEU no próprio território iraniano. O acordo com Brasil e Turquia prevê o envio do LEU à Turquia, em vez de retê-lo no Irã.

PORTA ABERTA
Mais: o Irã deixou de exigir a simultaneidade entre a entrega de seu urânio levemente enriquecido e o recebimento do urânio enriquecido a 20%, suficiente para reatores de pesquisa, mas insuficiente para fabricar a bomba.
A carta de Obama, aliás, era específica e forte na menção à Turquia: "Gostaria de estimular o Brasil a deixar claro ao Irã a oportunidade representada por esta oferta [da AIEA] de depositar seu urânio na Turquia, enquanto o combustível nuclear está sendo produzido".
É rigorosamente o que consta do acordo de Teerã. Por fim, Obama cobra que, "para começar um processo diplomático construtivo, o Irã tem que transmitir à AIEA um compromisso construtivo de engajamento por meio de canais oficiais". Foi o que Irã fez na segunda-feira, ao encaminhar à AIEA a carta em que se compromete a cumprir o acordo firmado com Brasil e Turquia.
O compromisso com a AIEA, a entidade que pode dar validade jurídica ao acordo, constava também do documento Brasil/Irã/ Turquia. A carta afirma ainda que os EUA, "enquanto isso" [enquanto durarem as gestões turco-brasileiras], continuariam a buscar sanções ao Irã, mas deixa claro que o presidente americano "manterá a porta aberta para o engajamento com o Irã".
A primeira afirmação correspondeu aos fatos: no dia seguinte ao anúncio do acordo em Teerã, Washington divulgava na ONU pacote de sanções com apoio dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (Rússia, China, França e Reino Unido, além dos EUA). Mas a porta não foi mantida aberta, pelo menos não até agora.

Leia as íntegras da carta de Obama a Lula e do acordo Brasil-Irã

folha.com.br/101464