18 abril 2010

ENTREVISTA COM DILMA:Leia a íntegra de entrevista com Dilma Rousseff


Nessa entrevista exclusiva ao O POVO, a pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, dá mostras de como deverá ser sua campanha eleitoral. Dilma defende um “pensamento nordestino” para o Brasil, responsabiliza os adversários pela estagnação do passado e diz ter “parte de si” no projeto do presidente Lula. Leia as declarações de Dilma na íntegra:

DILMA – Não, você sabe que hoje foi bom, porque eu acho que foi uma agenda muito prazerosa (visita a Fortaleza em 12 e 13 de abril), às vezes a agenda é mais difícil, você tem que correr muito, andar muito, né? Eu achei essa agenda assim muito prazerosa, porque eu também me senti muito bem aqui. Desde ontem eu estou assim numa trajetória muito boa, primeiro porque eu recebi o título, né, de cidadã de Fortaleza. E é comovente você receber um título de cidadão, ou de cidadã, que é o meu caso, duma cidade como Fortaleza, e eu acho que tem uma representação tão significativa de homens e de mulheres, e depois, pela manhã, eu estive com o Cid, foi uma conversa muito boa, depois eu vim aqui nessa recepção maravilhosa do jornal O POVO.

O POVO – Mas já dá um sentido de como vai ser a campanha, viagens, correria.
DILMA – Você corre, viu, você corre.

O POVO – A senhora está preparada?
DILMA – Posso falar uma coisa? A nossa vida no governo não era propriamente um mar de tranqüilidade, não, porque a gente, além de viajar muito, fazer eventos, prestar contas à população, que o presidente sempre fazia questão, e a gente correu o Brasil, além disso, eu chegava e ia trabalhar, né. E aí você não descansa, você leva para casa todas as preocupações. Na campanha também você tem igual. Agora, eu, vamos dizer, estou com um treinamentozinho, né, que me permite dizer que eu estou agüentando bem essa fase.

O POVO – A senhora já tem claro hoje por que foi escolhida pré-candidata do presidente?
DILMA – Por que que eu fui? Eu acho que porque, pelos mesmos motivos que levaram o presidente a me escolher como ministra-chefe da Casa Civil. Porque a ministra-chefe da Casa Civil é o cargo, do ponto de vista político-administrativo, mais importante do governo. É a coordenação geral do governo. Por mim passavam todas as leis, as medidas provisórias, os decretos, e passavam também os grandes programas do governo. E a minha atividade é fazer a coordenação disso. Eu acho que esse contato diário que eu tive com o presidente, e que levou que nós estreitássemos... pessoas que trabalham muito tempo perto passam a se entender pelo olhar, né, você tem uma comunicação muito forte. Acho que o presidente confia em mim para que o nosso projeto de país seja um projeto bem sucedido, e essa confiança do presidente em mim faz com que esse desafio que eu tenho pela frente... eu vou honrá-lo, eu vou defender esse projeto, vou garantir que ele avance e isso que eu chamo de uma nova era que nós abrimos no governo Lula, eu vou garantir a continuidade. Eu também acho que porque ele viu em mim qualidades para manter e para garantir essa continuidade, e ele sabe que eu conheço o governo, sabe que uma parte desse projeto tem uma parte de mim.

O POVO – Mas vai ser uma réplica do governo Lula?
DILMA – Nunca é.

O POVO – E como vai ser o governo Dilma?
DILMA – Sabe o que vai ser, vai ser o seguinte, vai ser um governo Lula avançado. Que é um governo Lula avançado? Quando nós começamos, nós começamos do nada. Não tinha projeto, o Brasil não tinha, há anos e anos que não planejava, e havia toda uma demanda também, seria muito grave uma situação do Brasil hoje se nós não tivéssemos feito os programas sociais que nós fizemos, muito grave, porque você teria uma parte muito importante da nossa população sem nenhuma perspectiva, sem futuro. Hoje, não, nós temos clareza de que a população brasileira, os mais pobres desse país têm expectativa de futuro e podem tê-la porque nós vamos cumprir essa expectativa, nós demos um início a isso. Mas ainda tem muita gente para a gente tirar da pobreza, tem muita gente, milhões e milhões de brasileiros, para a gente continuar elevando à classe média. Uma política no Brasil é uma política de desenvolvimento sustentável, então, daqui para a frente, nós vamos ter que elevar a taxa de investimento do país, o Brasil saiu de uma taxa de 13% e vai ter que chegar a uma taxa de 21% de investimento. Nós vamos ter de aprimorar a construção da nossa infraestrutura, nós não vamos parar de construir ferrovia nesse país, né, nós fizemos um pedaço do, vamos dizer, da espinha dorsal, que é a norte-sul, vamos parar no final de 2010, vamos estar aí parados em Anápolis.

O POVO – Mas a senhora tem críticas ao atual governo? Poderia ter sido feita alguma coisa a mais do que foi feito?
DILMA – Se eu elencar uma porção de se para você, poderia, “se” a gente tivesse encontrado um projeto, nós não encontramos, “se” o Brasil tivesse uma experiência de crescimento, não tinha, “se” as prefeituras que passaram anos e anos sem investir, na hora que nós colocamos dinheiro, elas também não tinham dinheiro para ficar fazendo projeto que ia para uma gaveta, “se” os governos do Estado também tivessem... Então, tem uma quantidade de se que não vale a pena a gente tratar.

O POVO – Mas são dois governos, ministra...
DILMA – Não, eu quero dizer o seguinte, nós fizemos, nós trocamos o pneu do carro com ele andando. Eu não vou precisar de trocar o pneu do carro com ele andando. Nós reconstruímos o planejamento no setor elétrico, nós pegamos o pré-sal e mudamos o pré-sal, por que é que nós montamos o marco regulatório, para poder obter mais riqueza com esse marco regulatório, nós mudamos a forma de olhar a habitação popular no Brasil. Não podia, não sei se você sabe disso, era crime subsídio, era visto como uma influência negativa, como se você estivesse deturpando o mercado, como se o mercado conseguisse resolver a equação entre uma pessoa ganhar até três salários mínimos e a casa custar R$ 50 mil. A conta não fecha, só tem um jeito dela fechar, bota a mão no bolso do Tesouro Nacional, tira o dinheiro e dá diretamente para a pessoa ou a família que vai ser beneficiada. Então, nós mudamos modelos. O que eu me orgulho é de ter ajudado a mudar esses modelos, de ter participado diretamente. Eu saía da radioterapia, ia para um prédio da Petrobras, onde a Petrobras tem escritório em São Paulo, e passava a tarde inteira de uma reunião sobre o pré-sal. Então, uma parte de mim está ali, ou seja, eu não sou uma pessoa que estou fora desse governo, ele é outro governo. Eu ajudei para que esse governo tivesse as condições de fazer o futuro. Eu sei cada passo dele, eu sei, por exemplo, a importância do Território da Cidadania, pegar as regiões mais pobres do Brasil e fazer uma política de territorialidade, os Pontos de Cultura, do Ministério da Cultura, que pegou o dinheiro e distribuiu por uma porção de cidades desse país, tirando o dinheiro da cultura do centro-sul do país e levando a cultura brasileira, que é diversificada, para todos os lugares. Hoje, eu estava saindo daquela reunião, e uma das pessoas, eu não sei nem o nome dele, me falou “olha, você não falou da banda larga nas escolas”, não falei da banda larga nas escolas, porque não dá tempo de falar de tudo. Tem... O governo abriu a banda larga, mas não fez. Nós vamos fazer a banda larga nos próximos anos.

O POVO – Agora, ministra, insistindo um pouco, existe alguma autocrítica em relação àquilo que se poderia fazer mais... Por exemplo, o Fome Zero, quando foi implantado, tinha um objetivo, mas foi transformado no Bolsa Família, e acabou sendo questionado em muitos momentos porque passou a ser unicamente um programa de transferência de renda, e não como era a proposta do Fome Zero no início, algo mais amplo, para dar autonomia às famílias. Isso é um ponto que pode ser criticado?
DILMA – De jeito nenhum. Veja bem, um programa de transferência de renda é um programa absolutamente justificado. A crítica que faziam ao Bolsa Família é que ele não tinha portas de saída, como se você pudesse ter portas de saída com o Brasil não crescendo. O que é portas de saída no Brasil? Geração de emprego, capacitação para o trabalho, educação, escola técnica. Acontece que um programa, quando você tem uma parcela tão grande da nossa população na linha de miséria, você não pode falar “ó, espera daqui a cinco anos, seis anos ou dez anos, que quando o país crescer, você resolve o seu problema.” A pessoa precisa almoçar, tomar café-da-manhã e jantar. A mãe precisa dar comida pro filho. Então, o Bolsa Família é uma coisa muito simples, é um cinturão de proteção, para as pessoas e as famílias mais frágeis, que precisam de ser tratadas hoje, e não amanhã. A gente até acha que tinha que dar mais dinheiro pro Bolsa Família, nós não temos ainda como dar mais dinheiro, mas nós temos de ter clareza que a porta de saída do Bolsa Família é o crescimento da economia brasileira, é a geração de emprego, os nossos 12 milhões vão ajudar a ter porta de saída para o Bolsa Família. O pessoal da construção civil fez um programa conosco muito importante, que chama... tem um nome horrível, Planseq, já me disseram, esse nome não quer dizer nada com nada, está certo, não quer mesmo, um nome que não é bom, mas ele tem uma excelente idéia, que é a seguinte: você pega o Bolsa Família, o pessoal, a família do Bolsa Família e fala “quem quer”, obviamente que é voluntário, você não pode obrigar ninguém a fazer isso, “se você quer uma especialidade, se você quer se formar em azulegista, se você quer ser um eletricista, se você quer ser uma pessoa para fazer uma solda, nós vamos dar um curso assim, assim”, e garantimos o curso para ele. Nós juntamos ao Bolsa Família o Projovem, com isso, você tenta fazer o jovem, através de um incentivo, a voltar aos bancos escolares. Quer ver uma coisa que eu acho importantíssima, vou dar um exemplo concreto aqui em Pernambuco. Em Pernambuco tinha uma cidade que chamava Ipojuca, cheia de gente que era cortador de cana. Cortador de cana. Uma parte do pessoal cortador de cana, das famílias, era usuária do Bolsa Família. Ao lado de Ipojuca implantou-se um estaleiro, esse estaleiro chama-se Atlântico Sul. Nesse estaleiro, que aconteceu nele, nós voltamos a construir navio, porque nós definimos que a Petrobras tinha que voltar a comprar navio aqui dentro do Brasil, navio, plataforma, você pode olhar pelos dados do BNDES qual é o segmento industrial que mais cresce no Brasil, é petróleo, gás e petroquímica. Que que aconteceu com esse estaleiro? Ele tinha de ter mão-de-obra, certo? A Petrobras estava implantando ali do lado uma refinaria chamada Abreu e Lima, então eu perguntei pro pessoal do estaleiro Atlântico Sul, porque eles tinham uma planta de treinamento de trabalhadores? “Por quê? Porque aqui tem uma concorrência enorme por mão de obra. Nós estamos formando as pessoas que eram cortadoras de cana, nós estamos formando soldadores, eletricistas, pessoas que dirigem patrola. Por que nós estamos fazendo isso? Porque aqui vai faltar mão-de-obra”. E aí, outro dia no jornal, vocês estão lembrados, saiu acho uma semana atrás, nós estávamos trazendo decasséguis de volta. Por que nós estamos trazendo decasséguis de volta? Porque está faltando mão-de-obra especializada nesse país. Ninguém fica impunemente o tanto de tempo que o nosso país ficou sem investir em educação profissionalizante. Mas é bom que os decasséguis voltem, tem decasségui com 20 anos de experiência, que hoje vem para cá e vira chefe, mas é bom, ele vai trazer a experiência dele, vai passar para os outros trabalhadores. Mas o que eu acho é que a gente tem que ter consciência de que política social ela está casada com política econômica. Está casada com crescimento industrial. Esse país tem essa parelha, crescimento econômico e distribuição de renda, é um casamento. Então, falar que nós fazemos bolsa esmola, como falavam antes, e depois que a ONU reconheceu como o melhor programa de renda do mundo, pararam de falar.

O POVO – Ministra, a senhora falou no seu discurso lá no almoço em olhar nordestino, como sendo isso uma virtude desse governo. Minha pergunta é em que medida a senhora diria que é preciso uma política nacional, que dê para cada região o papel de protagonista. Quando a senhora fala em olhar nordestino, me remete a uma certa, digamos, a um certo carinho especial.
DILMA – Não é esse o sentido.

O POVO – Então eu gostaria que a senhora explicasse.
DILMA – É também, mas não é só isso.

O POVO – Na União Européia fizeram isso, uma política de compensação...
DILMA – Que está dando errado, né.

O POVO – Como é que a senhora imagina isso para o Brasil?
DILMA – Bom, a União Européia hoje não é um bom exemplo, porque, logo depois que ocorreu os PIGS, os chamados PIGS, Portugal, Irlanda, Grécia e, não, aí tem que gente que bota outros países, mas isso não vem ao caso. O que é uma política regional? É planejamento regional para o Brasil. Planejamento regional para o Brasil não é que o Nordeste tem de passar por todas as fases que São Paulo passou para chegar a ser um dos Estados mais desenvolvidos do Brasil. O Nordeste, olhar para o Nordeste, é combinar algumas coisas, é você perceber que aqui você tem uma dinâmica que vai ter de ser estimulada a partir do fato de que nós vamos ter de relocalizar um conjunto de ramos produtivos que estavam fora daqui. Não tem porque o Nordeste não ter petroquímico, não tem porque o Nordeste não se beneficiar, mesmo que ele não tenha petróleo na quantidade que tem em outros Estados do País, não se beneficiar do boom da indústria do petróleo e gás, tem de relocalizar, tem de botar estaleiro, acho que essa é uma questão importantíssima, tem de botar refinaria, tem que ter siderúrgica, você tem que ter as chamadas indústrias pesadas, tradicionais, que sempre puxaram emprego. Agora, o Nordeste tem uma característica que é esse novo olhar nordestino. Eu dou muita importância para o que eu vi hoje nesse seminário do O POVO que é o problema do empreendedorismo. Eu estou convencida que certos arranjos produtivos locais, certas cadeias produtivas que você encontra aqui, extremamente competitivas no ramo do vestuário. Em várias regiões nordestinas elas são padrões de desenvolvimento que nós queremos para o Brasil.

O POVO – Essa idéia faz parte do Projeto Nordeste do Mangabeira Unger?
DILMA – Faz parte do Projeto do Nordeste a partir do desenvolvimento do Projeto do Nordeste. Porque isso é que nós chamamos de um olhar... É porque eu coordenei com ele esse projeto. Significa o seguinte, que você não pode deixar de perceber que essa questão da liderança empreendedora não é uma questão que se resolve pura e simplesmente trazendo grandes indústrias produtivas. Eu acho que tem de trazer para cá. Acho que aqui tem de ter uma estrutura pesada, agora acho que o olhar nordestino para o Nordeste é aprender com a própria experiência e gerada aqui de sobrevivência de ramos inteiros, das indústrias, chamadas indústrias tradicionais, vestuário, calçado, que passam a ter possibilidade de gerar receita, não é inovação só no sentido de que eu inovei em produto, eu inovei o processo. Aqui tem inovações de processo, em que você distribui a produção por vários pequenos, você trabalha em conjunto, foi tudo gerado aqui de forma espontânea. Se nós não pegarmos essa experiência, não olharmos ela, não percebermos que ela é importante para várias outras regiões do País, porque, veja bem, eu vou te falar de um Estado que eu conheço bem, que é o Rio Grande do Sul. O Rio Grande do Sul tem uma metade sul que é mais decadente ou foi mais decadente que qualquer região aqui do Nordeste, tem vários Nordestes dentro do Brasil. E tem segmentos do Nordeste que são modernizantes, que a gente tem de aprender com eles. Então, isso serve, no caso do Rio Grande do Sul, na metade sul, né, o grande problema é que essas iniciativas locais não ocorreram dessa forma, ao contrário, por exemplo, da Serra de Caxias que tem uma quantidade imensa de pequenas e médias empresas de autopeças. Então aqui, eu te digo, olhar nordestino para o Brasil é pegar o Nordeste e fazer com que o Nordeste seja paradigma para o Brasil. Aqui tem muita coisa que nós podemos aprender. E eu acho que é mérito do Mangabeira ter levantado isso, ter reconhecido isso.

O POVO – Mas isso não saiu do papel no governo Lula ainda.
DILMA – Olha, eu vou falar uma coisa para vocês, nós, se você pegar a política do BNDES e do Banco do Brasil, para a questão do crédito, saiu sim. Nós agora vamos fazer são os passos seguintes. Você não consegue fazer tudo em quatro anos. Primeiro nós pegamos o país quebrado, 2003, quebradinho da silva, vamos lembrar disso. Pegamos o Brasil devendo pro Fundo Monetário, com 14 bilhões em caixa. A inflação com 12%, a taxa de juros nas alturas. E tivemos de consertar a casa, e aí consertamos a casa. Começamos a criar os programas sociais, nós tivemos a grande aceleração do nosso governo, foi um governo muito prudente, foi com o Programa de Aceleração do Crescimento, que nós botamos os investimentos na ordem do dia e soltamos dinheiro para as prefeituras, você pode chamar qualquer prefeitura do Brasil e perguntar “selecionaram por partido, por vínculos partidários?” Nãnãnanana. “Selecionaram os Estados por vínculos partidários?” Nós distribuímos dinheiro para quem tinha projeto, e quem tinha, e priorizamos a população.

O POVO – E o ritmo do PAC, que é sempre uma questão colocada.
DILMA – Vocês viram o último dado do Contas Abertas? O Contas Abertas, absolutamente insuspeito (ironia). O que o Contas Abertas está dizendo é o seguinte: acelerou-se o PAC. Em 2007, 2008 e 2009, somados, somados os três trimestres deu R$ 3,6 bilhões de desembolso de Orçamento Geral da União. Em 2010, nos três primeiros meses, deu R$ 3,9 bilhões.

O POVO – Mas isso é efeito campanha?
DILMA – Sabe porque, eu vou explicar para você, é impossível, não sei se vocês têm noção, é impossível um gasto efeito campanha, efeito campanha você gasta migalha. Obra desse porte demanda planejamento, você não faz uma Transnordestina... Hoje eu encontrei aqui um representante do investidor, que é do grupo da CSN, nós passamos o tempo inteiro, eu olho para ele, brinco com ele, ele brinca comigo, porque nós passamos o tempo inteiro eu falando “Tufi, essa obra está parada”, “Tufi, essa obra não andou”, e ele provando para mim que a obra está andando. Eu falei hoje na entrevista à imprensa o seguinte: vai ser a maior indústria de dormentes, primeiro eu falei do Brasil, depois eu falei América Latina, ele saiu correndo e disse “É do mundo”. É do mundo, mas é verdade. O esforço para fazer não é um esforço só do governo federal, nós não construímos um quilômetro de estrada, um quilômetro de ferrovia, um megawatt de hidrelétrica, não construímos um metro linear de tubulação de saneamento. Nós demandamos o setor privado. No Brasil, tinha muito entrave para fazer. Sabe qual é a maior característica do PAC, ele não só, ele não é só Orçamento Geral da União. Nenhum país do mundo fez obra de infraestrutura baseado no Orçamento Geral da União, não, sabe por que, porque não faz, é a combinação de Orçamento Geral da União mais crédito. E nós tiramos o crédito de 380 bilhões para 1,4 trilhão. E isso não é da iniciativa privada, isso é dinheiro que o governo federal colocou à disposição. Era assim, uma questão de prêmio quem tivesse acesso ao crédito de longo prazo no Brasil.

O POVO – Era loteria...
DILMA – Era loteria. Sabe qual era o maior horizonte de crédito no Brasil, cinco anos. Quando chegava a dez, era considerado crédito de longo prazo. Nós estamos financiando 20 anos. Não existe obra de infraestrutura, gente, sem financiamento de longo prazo. O PAC é isso. Nós mudamos, você pega qualquer empresário que faz PAC, pergunta se nós não mudamos a forma de fazer investimento no Brasil. Nós baixamos juros, aumentamos prazo, conseguimos viabilizar um... Financiavam o que? Financiavam sabe quanto, 55% da obra. No resto do mundo, chegavam a financiar 100%. Nós não vamos fazer isso, nós financiamos 70/30. 70 é dinheiro que nós colocamos e 30 é capital próprio, agora pergunto para você, esse dinheiro é de quem, hein? É da União, é os 100 bilhões que nós, apesar das críticas todas da oposição, botamos no BNDES. Nós botamos 100 bilhões no BNDES para fazer o que, para fazer de longo prazo. Quem é que faz investimento de longo prazo no Brasil, quem é o banco que financia, é privado? Não. Agora vai ter de ser, um dos desafios daqui para frente é que só o BNDES não segura tudo o que nós vamos precisar de dinheiro, nós vamos precisar de mercado de capital, vamos precisar de banco privado, vamos precisar de fundo de pensão, vamos precisar de melhorar uma coisa que no crédito se chama as garantias, então, é um baita esforço que o Brasil fez, mas eu te asseguro, hoje nós somos 100 mil vezes melhor do que éramos. Quem vier depois do governo Lula pega um país arrumado para crescer, na boca ali.

O POVO – Deixa eu trazer essa questão para o Nordeste especificamente. O BNB está tentando aumentar o patrimônio dele para poder emprestar mais, ele chegou ao limite do acordo de Basiléia, é algo que trava o Nordeste.
DILMA – Nós respeitamos o acordo de Basiléia. Agora, posso falar uma coisa, o Nordeste não tem que ser só financiado pelo Banco do Nordeste.

O POVO – Mas o BNDES aqui ainda não é tão forte quanto o BNB, o BNB aqui é o que sustenta...
DILMA – Ah, é, então quem é que está fazendo a Transnordestina? Finor, FNDE e BNDES. Quem é que está fazendo o Gasene? A Petrobras, o BNDES e a União. Quem é que está fazendo, vou te dizer mais uma, transposição de bacia?

O POVO – Ok. Mas o BNB tem um papel muito importante, quer dizer...
DILMA – Mas ele não é o principal instrumento de crédito para o Nordeste.

O POVO – Mas na hora que ele trava, na hora que ele chega ao limite dele, é sinal que tem...
DILMA – Ninguém vai transpor o limite da Basiléia. Aí é Lei de Responsabilidade Fiscal.

O POVO – Isso passa pelo Congresso, passa pelo esforço do Congresso.
DILMA – Mais do que isso. Passa pelo fato da gente ter, em relação a questão bancária, a gente tem de ter padrões e critérios de, vamos dizer assim, de robustez. É uma temeridade hoje alguém propor ruptura...

O POVO – Eu não falo romper, eu falo ampliar o capital...
DILMA – Mas aí é um acordo internacional, não é um acordo do Brasil. Isso o Banco Central não pode autorizar.

O POVO – Por que não passa no Congresso o aumento do capital do banco?
DILMA – Não, isso é outra coisa, nós somos a favor de aumentar o capital do banco, porque não tem nada a ver com Basiléia, é o governo que é sócio, é só pegar dinheiro e colocar lá. Eles não autorizaram. Mas tentaremos outra vez. Por que eles não autorizaram? Porque eles vêem no banco um instrumento de política correta do governo, agora com o BNDES tem tanto direito, as empresas do Nordeste têm tanto direito ao BNDES, e os juros do BNDES está muito bom, ou seja, elas podem pegar e tal. Agora, eu acho que o BNB tem que ser capitalizado, se é isso o que você está falando. A União propôs, quando propôs a capitalização do BNB, o aumento do recurso do BNB para aumentar a capacidade dele para emprestar, ela vê no BNB uma outra questão, ela vê no BNB um instrumento de fomento da pequena e da média indústria aqui. O BNB não precisa de emprestar para grande empresa, grande empresa pode pegar isso lá embaixo, que ela tem poder de fogo. Para quem o BNB tem que emprestar, é para a pequena e média empresa daqui. Aí o governo tinha todo o interesse de fazer isso, para fazer isso não precisa de romper nenhum requisito da Basiléia, dá para fazer tranquilamente, não fomos bem sucedidos, isso não implica... Quando eu disse hoje que eu achava que tem de ter um tratamento especial para pequena e micro é isso, e por região, o BNB tem que ser o instrumento desta política do Nordeste inovador, o instrumento. O Sebrae vai ter de ser também.

O POVO – O presidente Lula em 2003, logo que assumiu o governo, lançou uma nova Sudene. A senhora diria que a Sudene que está aí hoje a satisfaz?
DILMA – Eu acho que ainda ela não incorpou totalmente, mas ela está fazendo algumas coisas importantíssimas. Sem a Sudene, que controla alguns fundos, nós não tínhamos feito a Transnordestina. O dinheiro básico da Transnordestina, que a última parcela foi de R$ 1,6 bilhão, vem daí, quem administra esse R$ 1,6 bilhão é a Sudene. Óbvio que porque é a Transnordestina, como ela é um empreendimento caro, ela pegou um pedaço dos recursos expressivamente, agora nós estamos em outro ciclo. Esses recursos vão expandir, outros projetos vão entrar na pauta, e aí você vai ter que combinar... Por isso que te falo, não pode deixar tudo nas costas do BNB, porque senão ele não faz a política de fomento para o pequeno. Então, o que for grande aqui tem que ser BNDES, o que for grande, o que for obras de R$ 6 bilhões, R$ 5 bilhões, R$ 3 bilhões.

O POVO – Mas a Sudene deve assumir outros papéis, como a questão do planejamento?
DILMA – Terá. Terá. E o BNB, quando a gente estava discutindo o Plano Nordeste, o que nós estávamos discutindo, que o BNB tem mais quadros, tem mais estrutura que a Sudene, então que tinha que combinar a Sudene com o BNB para fazer o planejamento da região, para pensar a região como um todo, e não ela partida, e que seria através do BNB e da Sudene, inclusive o Smith sempre esteve à frente dessa discussão, sempre foi feita entre o pessoal da Sudene e com o Smith. Dessa conversa, nós ficamos com a consciência clara, que esses instrumentos de planejamento, de financiamento e de gestão tinham de ser integrados. Você para fazer desenvolvimento aqui, com pequenos e médios empreendimentos, terá de unificar a Sudene, a ação da Sudene, com o BNB, com o Sebrae e terá também de ter uma presença clara dos distintos governos estaduais como eixo de planejamento. Você não pode fazer um planejamento do governo federal com as costas voltadas para os governos estaduais. Eles são elementos cruciais da constituição do ente planejador. Então, a Secretaria de Planejamento e os órgãos locais de planejamento eles têm de estar integrados numa rede que pense a região.

O POVO – E isso seria coordenado pela Sudene?
DILMA – Isso seria coordenado pela Sudene, a idéia era essa, ta? Esse é um projeto que nós temos de futuro, especificamente para aqui.

O POVO – A senhora falou que quem vier depois do governo Lula vai encontrar um governo muito arrumado, pronto para os saltos necessários. A oposição tem dito o contrário, que há uma situação preocupante, inclusive em relação a qualidade dos gastos, que há um aumento nos gastos públicos. Como a senhora responde a essa crítica da oposição? O governo de fato, em decorrência de um interesse eleitoral, está meio que relaxando com as contas públicas?
DILMA – Olha, se tem um governo que não praticou nem pratica demagogia, somos nós. Quando a gente tem que falar não, a gente fala não com todos... não tem efes e erres no não, mas é com todos os efes e erres. O que acontece nessa questão de nos acusar de inflar gastos de custeio. Eu acho que primeiro, hoje, nós somos o menor déficit primário e nominal, um dos menores do mundo, ao que eu saiba a oposição não fala isso, não. Nós somos menores de acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com o Fundo Monetário, em todos os órgãos, nós somos um dos menores, enquanto os países da OCDE estão em torno de 15%, 12%, 10% na melhor hipótese, nós estamos ali em torno dos 2%, 3%. O que nós fizemos, esse déficit aumentou por conta da crise. Por que nós saltamos – nós íamos chegar a 1,8%? Por que nós aumentamos? Nós aumentamos os gastos no ano de crise, nós fizemos um gasto que se chama contracíclico. Gasto contracíclico é aquele gasto que impede o ciclo que é de depressão de continuar. Nós preservamos empregos, nós investimos pesado. Por exemplo, as prefeituras perderam... nós demos isenção de IPI, de PIS/Cofins, as prefeituras perderam dinheiro do fundo de participação. O governo foi lá, para não ter uma crise nas prefeituras, e deu o mesmo valor, bancou o mesmo valor que elas tinham em 2008. Então nós tivemos muito cuidado esse ano com a questão do gasto público. Foi contracíclico anticrise. Ao contrário dos governos da oposição, que aprofundavam a crise, porque o estado falia, o nosso não só não faliu, como nós saímos mais fortes da crise do que entramos. A gente tinha em torno de uns 205 bilhões de dólares de reservas, fomos para 243, último dado, deve ter aumentado um pouquinho mais, último dado oficial que eu tenho é de 243 bilhões de dólares. Bom, mas não foi isso que a oposição queixa. A oposição fala muito em saúde, fala muito em educação, fala muito em segurança pública. Eu quero saber qual é a mágica que um governo pode fazer para aumentar e expandir o ensino profissional nesse país sem contratar professor. Quero saber qual é a mágica que nós podemos fazer para expandir as unidades de pronto-atendimento na área de saúde, de 24 horas, aumentar o Saúde da Família, criar o Samu, fazer tudo o que nós temos de fazer e ainda está faltando muito o que fazer na área da saúde, sem contratar médicos, enfermeiros e agentes de saúde? Quero entender como é que a gente reaparelha a Polícia Federal, porque a Polícia Federal é governo federal, reaparelha a Polícia Federal, dá condições aos profissionais da Polícia Federal para trabalhar, sem contratar delegados, inspetores da Polícia Federal? Então, o governo reaparelhou o estado sim, nós reaparelhamos, não no sentido de aparelhamento de uso, é nós reconstruímos as condições de prestação de serviço do estado brasileiro. Eu quero contar um episódio para vocês: eu era ministra de Minas e Energia escolhida pelo presidente. O Ministério de Minas e Energia só controla, é um anão deste tamanhozinho controlando um gigante chamado Petrobras, outro gigante chamado Eletrobrás. Fora outras coisas. Mas é isso que ele faz. Sabe quantos engenheiros tinha dentro do Ministério? Cinco. Sabe quantos motoristas tinha dentro do Ministério? Uns 30. Então, nós vivíamos num país que tinha reduzido o estado a uma insignificância tal e vendia uma história para todo mundo de que nós não podíamos planejar, porque planejar é estatizante. A Esso planeja, a Shell planeja, a Epson planeja, todas as grandes empresas fazem uma coisa chamada planejamento estratégico. Hoje, as pequenas e médias, as empresas todas fazem planejamento. Aí você me diz o seguinte: se você não planejar, como é que você vai fazer a integração dos modais do transporte do Brasil? Como é que você vai fazer, como é que você vai pensar energia elétrica? Hoje, se você não planejar energia elétrica com dez anos, depois cinco, para saber se vai ter energia suficiente daqui a cinco, daqui a dez, você não tem. Porque um projeto leva cinco anos, no mínimo, para amadurecer. Você, se não acompanhar de dois, tudo o que vai acontecer no Brasil de dois em dois anos, na área de energia elétrica, falta energia. Aí falam lá “ah, mas teve apagão”. Que apagão? O que houve no Brasil foi blecaute, apagão é igual a racionamento de luz, é aquele negócio que você corta a luz e fica com ela racionada durante oito meses. Não tem isso no Brasil, não, porque está sobrando energia no Brasil. Então, eu te pergunto o seguinte, por que o Nordeste por fazer energia eólica, quem é que compra? Compra a política de geração de energia do governo federal, que chega e fala “vamos comprar energia eólica”. E mais, acabou com a brincadeira de tornar todo mundo igual, porque não é. Onde tem a melhor energia eólica? Resposta: Rio Grande do Norte e Ceará. Não tem tão boa no resto do país. Então eu tenho que contratar o que for melhor para o Brasil. Inventaram uma lei, nós ficamos durante muito tempo amarrados a ela, agora passou, que a gente só podia contratar se fosse nacional, e ao mesmo tempo não podia contratar naquelas regiões que tinham maior produtividade. Então, tudo isso no Brasil nós mudamos isso, nós alteramos isso. Então, eu quero dizer pra vocês: eu acredito que nós recompusemos sim o custeio, nós aumentamos o custeio. Mas nós aumentamos o custeio no lugar que é custeio. Tem jeito de eu fazer saúde sem médico? Não. Tem jeito de eu fazer educação sem professor? Não. Tem jeito de eu melhorar saúde e educação com salário de fome dos professores? Não.

O POVO – Mas isso respeitando a capacidade financeira do governo?
DILMA – Meu querido, vou te repetir, olha só, veja bem, nós temos o menor déficit, nós chegamos ao ponto de fazer uma poupança no fundo soberano, porque em 2008 sobrou dinheiro, nós pegamos dinheiro e ta, criamos um fundo soberano e o Brasil tem uma poupança fiscal. No dia que ele quiser, pode usar. Por que esquecem isso?

O POVO – Tem um outro aspecto que a oposição já toca bastante é sobre a sua experiência num cargo eletivo. A senhora tem um vasto currículo em administrações públicas, mas não numa posição protagonista. E numa campanha diz-se que isso é fundamental, ter experiência de palanque...
DILMA – A ver, né. Isso ainda está para ser provado.

O POVO – Além disso tem um outro aspecto, já que a senhora é mulher e o Brasil nunca teve uma presidente.
DILMA – Mas o Brasil tem tanta coisa hoje... Está aqui o Ceará, que é um exemplo para mim.

O POVO – Pois é, como é que a senhora está se preparando para a campanha, já que, em vários momentos pegam pedaços do discurso da senhora e já estão falando, ah, é gafe. Como a senhora vai se portar, deve cair para o emocional?
DILMA – Não é necessário cair para o emocional, além do fato de que cada um de nós tem que ter paixão, coração, sensibilidade. Mas não é necessário, não é por aí a questão. A questão é a seguinte: a troco de que se acha que é gafe ir no túmulo do Tancredo? Por que? Eu, cada vez que falam isso, eu acho o seguinte, acho que faz parte da disputa política tentar colar no adversário, né, algumas coisas, agora.

O POVO – Esse episódio dos exilados...
DILMA – No episódio dos exilados, eles distorceram o que eu falei, é uma vilania o que estão fazendo. Eu inclusive queria ler para ti, vou ler outra vez, sabe por que eu leio? Porque eu gosto que as pessoas vejam o que elas estão distorcendo. Eu não estou falando... Eu vou ler para vocês. Eu estava falando o seguinte, eu venho aqui para as pessoas me conhecerem e quero dizer para vocês o que eu não faço, o que vocês nunca esperem de mim, porque eu não faço. Aí elenquei várias coisas que eu não faço: eu não entrego o meu país, eu não vou privatizar patrimônio público, vocês não esperem de mim repressão aos movimentos sociais, que eu não farei, eu sou a favor do diálogo etc. etc., a horas tantas, eu digo o seguinte: “eu não fujo da situação quando ela fica difícil, não fujo. Eu não tenho medo da luta, eu posso apanhar, sofrer, ser maltratada, como já fui, mas eu estou sempre firme com as minhas convicções. Em cada época da minha vida, eu fiz o que fiz porque acreditei no que fazia, fiz com o coração, com a minha alma e com a minha paixão, eu só mudei quando o Brasil mudou, eu nunca fugi da luta ou me submeti, e, sobretudo, nunca abandonei o barco.” Onde tem exilado aqui? Outra coisa, você lembra daquela discussão do Senado, eu e o José Agripino? O José Agripino pega um depoimento meu no qual eu dizia “na tortura, a gente tem de mentir. E mentir muito, e é muito difícil. Porque, porque você fala tortura, tudo o que eles querem na tortura é obter a sua verdade, e é tudo o que você não pode entregar, e essa é uma briga muito difícil, porque todo mundo tem medo. Acreditar que alguém não tenha medo é um absurdo, cada um de nós é igualzinho, dói, todo mundo tem medo, ninguém sabe... Eu até lembro da cadeia que tinha uma frase que eu achava muito bonita que era do Brecht, “feliz o povo que não precisa de heróis”, mas nós, né, aos 19 anos, ou 20, 21, tínhamos de ser um pouco. Então, você tinha que mentir, era sua grande arma contra eles. Então o Zé Agripino, no alto do seu compromisso com outros interesses, né, ele foi um grande líder político dentro... naquele período da ditadura militar, me cobra que eu não falo a verdade naquele momento. Eu falei “olha, na democracia a gente fala, democracia tem liberdade de expressão, não prendem jornalista, tem liberdade de imprensa, tem debate livre, é diferente da ditadura”. Então, há que entender o seguinte: na vida, você tem fugas e fugas. Durante a ditadura, eu fugi para a clandestinidade. Sabe por que eu fugi para a clandestinidade? Ou eu ficava clandestina, ou eu podia morrer, ou ia ser torturada, então ir para a clandestinidade era meu recurso de sobrevivência, não fui para a clandestinidade porque eu quis ou porque eu achava bonito viver longe da minha família, sem meus pais, aliás, meu pai estava morto, sem minha mãe, sem meus amigos. Fui para a clandestinidade num esquema de sobrevivência. Aí o Brasil foi fechando. As pessoas foram para o exílio por questão de sobrevivência. É uma deliberada adulteração de uma fala. Não fugi da luta, só aqueles que não viveram a ditadura podem falar isso de exilado ou de clandestino. Da mesma forma, só aqueles que não passaram por isso podem falar que diante da tortura você fala a verdade.

O POVO – Mas nitidamente vão usar toda essa sua história de vida.
DILMA – Com certeza, mas já estão fazendo isso.

O POVO – Mas o candidato José Serra (PSDB) já disse que está proibido tocar nesse assunto porque acha que seria desonesto. Mas tem os outros partidos, o PPS já falou, soltou até nota de repúdio...
DILMA – Mas sabe o que é, meu querido, chama-se a mão do gato, né, aquele negócio, pegar as castanhas com a mão do gato, queima a mão do gato. Não é correto isso.

O POVO – Então a senhora acha que não é sincera a atitude do candidato Serra?
DILMA – Não, não, não estou dizendo isso. Estou falando o seguinte...

O POVO – Quem é o gato?
DILMA – É a oposição. A oposição está fazendo isso deliberadamente, ela inventou essa história. Inventou como, naquele momento, ele inventou a questão da verdade.

O POVO – A senhora acha que a imprensa está sendo, pelo menos os veículos...
DILMA – Olha, eu acabei de agradecer ao Noblat. O Noblat hoje no seu blog, se você ler o blog do Noblat, ele reconhece. Porque eu mandei pro Noblat sabe o quê? A fita. A fala.

O POVO – Mas a íntegra já estava disponível desde cedo, né?
DILMA – Bom, se alguém não viu, agora passou a ver. Então, eu concordo contigo, a íntegra podia estar disponível, mas vá que a pessoa não viu, né?

O POVO – A senhora acha que precisa de um treinamento para falar?
DILMA – Posso te falar uma coisa? Você sabe, eu acho que tem uma tentativa de fazer com que eu não viaje, não abra a minha boca, não fale, não seja conhecida. Não vou me impressionar só por causa... Não, escuta, você acredita sinceramente que... eu tenho 62 anos de vida. Eu já fiz muita coisa. Você acredita, sinceramente, que o que eu falo é teleguiado, é porque eu não acredito? Só tem um jeito de eu comunicar com o eleitor, eu acredito no que eu falo.

O POVO – Mas o presidente Lula só conseguiu se eleger depois que ele mudou o discurso, orientado pelo Duda Mendonça.
DILMA – Mas eu, vou te dizer uma coisa, eu tenho um mestre, e meu mestre se chama Lula. Então, cinco anos, eu aprendi com o melhor dos melhores, aliás, com o cara. Não é, aprendi com ele. Acho que fui uma aluna, vamos dizer assim, muito séria, compenetrada, e eu aprendi muito.

O POVO – Ministra, a senhora assumiu o cargo na Casa Civil num momento delicado do governo, no qual o chefe da Casa Civil era muito mais político do que gestor. A senhora levou uma tranqüilidade para a gestão do governo Lula. A senhora eleita presidente, a senhora vai precisar de um braço direito na gestão ou a senhora pretende acumular esses dois papéis?
DILMA – Ah, ninguém gere sem equipe, não. Ninguém.

O POVO – A senhora precisa de um braço direito, ter um nome forte para...
DILMA – Mais do que um braço direito, preciso de uma equipe. Posso falar uma coisa? Eu não acredito que o presidente Lula precisava de um braço forte. Nós construímos foi uma equipe. Se a versão sobre o que nós fizemos é que tinha um braço forte, está errada. Eu fiz uma coordenação de equipe. De jeito nenhum eu acredito que uma andorinha faz verão. Várias andorinhas voando concertadamente fazem um lindo verão e um céu azul lindo. Agora, é preciso que as andorinhas voem concertadamente. Isso eu acho que vou ter de ter uma equipe de muita qualidade, porque hoje nós temos uma experiência de governo que ninguém tira de nós. Não sei se você lembra, quando nós chegamos no governo diziam “que pessoal incompetente”, “esse governo não dura”, “esse governo acaba amanhã”, “ih, esse pessoal não sabe governar”. Pior não é isso, pior é que “eles nunca, só tiveram vento a favor, viveram no momento em que o Brasil e o mundo estava numa fase de expansão. Nunca pegaram uma crise pela frente”. Eles (governo FHC) pegaram a crise asiática, uma crisezinha russa, todas elas na periferia. Nós pegamos a maior crise do capitalismo depois de 1929. Nós quebramos? Nãnanananananana. O Brasil entrou num grande processo de recessão? Também não. O Brasil hoje é um dos países reconhecidamente em melhor situação? É. Então, me desculpa. As versões que fazem sobre nós, nós não acreditamos nela porque nós não somos isso, faz parte da luta política. Agora eu espero que eles mostrem o que fizeram. Hoje perguntaram para mim: “mas vocês ficaram oito anos lá e não desprivatizaram o que estava privatizado”. Ora, absurdo total. Era como se pedissem para nós... nós não achamos que um país do tamanho do nosso possa quebrar contrato, possa sair por aí rasgando contrato. Um dos fundamentos da estabilidade desse país é que nós honramos todos os contratos feitos, você não pode deixar de reconhecer que um governo é uma continuidade, nós assumimos o que o passado fez. Por isso é que temos de ter cuidado com o passado, e por isso é que o passado não é que simplesmente passou, ele perdura no presente. Nós temos uma grande sorte, tá, nós não privatizamos a Petrobras, não dividimos a Petrobras. Por que? Porque o povo não deixou, também, porque eles chegaram perto. Porque mudar o nome da Petrobras para Petrobrax, tirando dela o que era o nacional dela, o Brás, de Brasil, porque o Petro é de petróleo, o Brás que é o de Brasil, não me consta que o Brasil tenha X no nome, não me consta.

ASSESSOR INFORMA QUE O BNB REPASSOU DADOS SOBRE CONTRATAÇÃO DE CRÉDITO
Em 2002, eram R$ 1,4 bilhão (Dilma: o presidente adora dar esse dado e eu esqueci de dar), e aí pulou para R$ 25 bilhões, para este ano.
DILMA – E é isso o que nós queremos, que seja para pequenas e micro empresas regionais.

O POVO – De certa forma, a senhora falou aqui que o governo do PT sofre com alguma prática de terrorismo eleitoral.
DILMA – Muito difícil de pegar na população. Dificílimo de pegar, tanto é que, um dos argumentos, uma dos jeitos que eles estão dando é dizer que eles são continuidade do governo Lula, dizer que eles... dá no mesmo, sermos nós ou sermos eles. E não pode comparar, está proibido no Brasil comparar. Como se você pudesse entrar numa eleição como se nada tivesse acontecido até hoje, e como se eu não comparasse o Brasil com o Brasil.

O POVO – Mas não é uma prática de característica semelhante dizer que o Bolsa Família pode acabar no governo do PSDB, ou o PAC.
DILMA – Não fui eu que disse. A história do PAC que pode acabar você pode pegar, recorrer à revista Veja, vai lá, ler na revista Veja, que o presidente do partido defendia o fim do PAC e, além de defender o fim do PAC, mexer na política econômica do governo, em especial no câmbio e nos juros. Está escrito, eu não inventei. No que se refere ao Bolsa Família, é ver a campanha que fizeram em 2006 contra nós em cima do Bolsa Família, que era o bolsa esmola, e que o Bolsa Família era eleitoreiro. Só mudou isso um pouco quando, eu vou repetir, quando o Bolsa Família foi considerado um dos melhores programas de distribuição de renda, só. E foi considerado isso por órgãos internacionais.

O POVO – A senhora, aqui no Ceará, não tem como não falar do Ciro.
DILMA – É uma pessoa que eu gosto muito, tenho o maior prazer de falar dele.

O POVO – A senhora tem sido bastante diplomática quanto a ele, mas ele tem sido mais agressivo em relação ao PT já faz algum tempo. A senhora teria medo da boca do Ciro durante a campanha?
DILMA – Não, não. Eu vou te dizer uma coisa, eu, em relação ao Ciro, e eu repito isso não é hoje, não, há muito tempo, eu tenho pelo Ciro admiração, respeito e amizade. E essa relação foi criada e se estreitou num momento difícil do governo. Eu cheguei na Casa Civil em 2005, e, naquele período, até o final do primeiro governo do presidente Lula, eu encontrei o Ciro sistematicamente todos os dias às oito horas da manhã, e com ele discutia como é que era o nosso encaminhamento diante de toda a crise política que estava passando, vocês têm conhecimento dela. E eu tenho respeito pelo Ciro, eu considero o Ciro um homem de caráter, uma pessoa que mantém todas as credenciais para pleitear o que ele quiser ser, eu, da minha parte, você jamais terá, em hipótese alguma, ocorra o que ocorrer, uma crítica ao Ciro. Porque tem certas coisas que você não esquece.

O POVO – Mas atrapalha a candidatura dele contra a sua?
DILMA – Para mim, eu sempre acreditarei que eu e o Ciro, no futuro, estaremos sempre do mesmo lado. E eu vou repetir para ti: ele tem direito de querer ser candidato. E além disso, quero te dizer, eu gosto muito dele.

O POVO – A senhora tocou num outro ponto que tem sido polêmico aqui, que é o estaleiro. Aqui tem uma discussão em que apóia-se a vinda do estaleiro, mas discute-se o local, que gerou polêmica. Não sei se a senhora tem conhecimento.
DILMA – Não, porque nós não interferimos nisso. A única coisa que a gente quer é a área. Inclusive a única coisa que a gente quer é a área, até porque não seremos nós que vamos construir o estaleiro. Da refinaria também, se quiser mudar a área, não tem problema. A única coisa que tem de indicar é que área que é. Nós não escolhemos área, não interferimos na política local. Até porque não tem cabimento, é uma coisa que não está na nossa área de manobra, aí vem um estaleiro para cá, vem o governo federal, bota o bedelho, dá palpite, sem ser chamado, e além de ser sem ser chamado, sobre uma realidade que ele não conhece perfeitamente. Então, nós não fazemos isso.



O POVO – Mas a senhora não é mais governo, agora a senhora é uma cidadã.
DILMA – Até duas semanas atrás eu era governo, você sabe daquele ditado, que cachimbo que toca a boca, às vezes a minha boca entorta.