# EMIR SADER
Sociólogo
As declarações do Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo de que o movimento de 1932 em São Paulo foi um golpe, não uma revolução, acompanhadas da constatação de que nenhum espaço público de importância leva o nome de Getúlio, o estadista mais importante do Brasil no século 20, têm dupla importância.
Em primeiro lugar, representa autocrítica de uma geração de sindicalistas muito hostil ao Getúlio nas suas origens e por um bom tempo. Nascida para a política durante a ditadura militar, aquela geração de sindicalistas desenvolveu forte ojeriza ao Estado, no que assimilavam desde o regime militar até o sindicalismo nascido com Getúlio, incluindo a oposição ao Imposto Sindical e ao atrelamento dos sindicatos ao Estado por meio dele.
Lula reconheceu, a partir da análise comparativa da história brasileira, da sua própria experiência de governo e da atitude da oposição — incluindo a imprensa de direita — as similitudes com a luta do Getúlio. A trajetória da esquerda brasileira entre Getúlio e Lula — que eu analiso no primeiro capítulo do livro O Brasil, entre o passado e o futuro, que organizei com o Marco Aurélio Garcia, publicado pela Boitempo e pela Perseu Abramo — é o fio condutor para entender o Brasil de hoje e a história do movimento popular brasileiro. A inauguração de um auditório com o nome de Getúlio Vargas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo representa esse importante resgate e a reivindicação da luta nacionalista histórica no Brasil com as lutas contemporâneas contra o neoliberalismo.
No entanto, outra conotação é tão importante quanto essa. O movimento de 1932 representou tentativa da elite paulista de recuperar o poder arrebatado pela Revolução de 1930, que representaria a mais importante e mais popular transformação política que o Brasil teria ao longo de todo o século passado. O movimento tinha sentido claramente elitista e separatista, com o lema Non ducor, duco (Não sou conduzido, conduzo), com a idéia de que São Paulo seria a locomotiva da nação, com a imagem de que o resto seriam vagões lentos e pesados que São Paulo carregava. Tinha sentido separatista e antinacional, opondo-se aos projetos que Getúlio começava a implementar.
Desde Washington Luís —carioca adotado pela elite paulista, notabilizado por sua frase “A questão social é questão de polícia” — que São Paulo não conseguiu eleger um presidente, até que outro carioca adotado pela elite paulista, FHC, se elegeu. Mesmo sendo o estado mais rico, não conseguia se erigir em líder do país. Os tucanos resgataram esse papel, essa continuidade com 1932, representando a elite branca dos jardins da capital paulista que busca falar em nome do estado que abriga a maior população nordestina do Brasil.
O governo de FHC traduziu isso da forma mais clara: governo dos banqueiros, que desprezou o desenvolvimento e o resto do país para priorizar a estabilidade monetária e remunerar aos bancos com taxas de juros que chegaram a 48% — em janeiro de 1999, numa das três crises e cartas de intenção do FMI a que FHC levou o país.
O mesmo sentimento de arrogância, de suposta elite nacional, foi herdado pelos tucanos. As declarações que escaparam a Serra de que a culpa pela deterioração da educação em São Paulo — evidência, que fala muito mal de quem governou o estado mais rico do Brasil há década e meia — era dos nordestinos, pelo afluxo deles ao estado, expressa esse sentimento de elite “ bem cheirosa” , como se disse agora, com grande eloquência.
É como se essa elite branca de São Paulo odiasse o Brasil, preferiria ter nascido em um país da Europa ocidental ou nos EUA, sem se dar conta que a São Paulo real representa uma amostra de todo o Brasil, bastando recordar que é a cidade que abriga a maior quantidade de nordestinos. Mas essa elite não se sente ligada ao Brasil, tem atitude discriminatória, olha com olhar superior para os outros estados e regiões.
Os tucanos, com FHC, Serra, representam esse espírito da elite paulista. Luíza Erundina foi caso de exceção, que uma mulher nordestina e de esquerda governasse a cidade. Essa elite considera Marta Suplicy como traidora das origens de classe ao desenvolver uma política social dirigida prioritariamente aos mais pobres.
Ter apontado para redefinir o caráter de 1932 e o papel de Getúlio na história do Brasil, como fez Lula, demonstra como os nordestinos imigrantes não têm por que ficar subordinados à visão e aos interesses da elite paulista. Há outra São Paulo, que constrói cotidianamente a riqueza do estado, que não se identifica com a elite dos jardins paulistanos e da imprensa conservadora paulista.