23 março 2010

A inexplicável insistência da Folha

JOSÉ DIRCEU
Analisando os fatos relacionados à Eletronet, sou obrigado a perguntar: onde está o caso que a Folha insiste em dizer que existe?
É INEXPLICÁVEL , sob o ponto de vista jornalístico, a insistência desta Folha de S.Paulo em seguir produzindo reportagens sobre a Eletronet, procurando envolver meu nome a todo custo e trazendo sempre informações pela metade.
Não bastasse a série de textos produzidos desde 23/2, no último dia 14/3 o jornal trouxe reportagem com o título "Com Lessa, BNDES negociou o controle da Eletronet em 2003" para tentar manter aceso um caso natimorto.
Sobre essa última reportagem, tenho a dizer que a Folha insiste em fingir desconhecer que não dei consultoria para as empresas Contem Canadá e Star Overseas, mas para a empresa Adne.
O jornal também dá de ombros ao que tenho exaustivamente repetido sobre a natureza da consultoria prestada pela minha empresa: visão de negócios na América Latina.
Insiste ainda em afirmar que eu recebi R$ 620 mil, fingindo ignorar que o contrato da Adne foi com minha empresa de consultoria, que prestou serviços durante 31 meses, recebendo uma contraprestação de R$ 20 mil mensais, valor que em sua maior parte foi destinado ao pagamento de impostos, consultores, colaboradores diversos e serviços terceirizados.
O jornal procura dar ar de escândalo a uma negociação entre um banco público e uma empresa, que tinha por objetivo preservar o interesse nacional. Digo isso porque a empresa norte-americana AES, à época a principal controladora da Eletronet, estava insolvente.
O então presidente do BNDES, Carlos Lessa, autorizou-me a afirmar que nunca, em momento algum, fiz qualquer intervenção a favor de quem quer que seja, muito menos da Eletronet ou dos controladores da empresa.
Simplesmente ignorando o que disse o ex-ministro Luiz Gushiken (Assuntos Estratégicos) em entrevistas concedidas a dois jornais, a Folha insiste em fazer ilações sobre minha suposta participação, em 2005 ou mesmo anteriormente, nas discussões governamentais que envolvessem a Eletronet.
Vale lembrar ainda que a consultoria prestada pela minha empresa teve início em março de 2007, dois anos após eu ter deixado o governo e, principalmente, dois anos após as empresas Contem Canadá e Star Overseas terem adquirido a participação da empresa norte-americana AES na Eletronet.
E também que, dois meses depois de ter início o contrato de consultoria, o governo optou por disputar na Justiça os ativos da Eletronet, 16 mil quilômetros de cabos de fibras ópticas, com o intuito de utilizá-los para a implantação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL).
Trata-se de uma decisão claramente contrária aos interesses dos controladores privados da empresa, o que inclui o sr. Nelson dos Santos, proprietário da Star Overseas, e que tem se mostrado acertada, uma vez que a Justiça decidiu favoravelmente à União no fim do ano passado.
Há que falar também sobre a questão central levantada pela Folha, o "lucro de R$ 200 milhões" que o sr. Nelson dos Santos teria com o uso dos cabos cedidos à Eletronet para a implantação do PNBL.
Na primeira reportagem que publicou sobre o assunto, no dia 23/2, o jornal afirmava que "advogados envolvidos nesse processo estimam que, com a recuperação da Telebrás, ele (Nelson dos Santos) ganhe cerca de R$ 200 milhões".
No dia 25/2, o jornal dizia que a estimativa de lucro viera do próprio empresário. E no dia 28/2, publicava: "Nelson dos Santos afirma que tem direito a receber cerca de R$ 200 milhões como indenização, caso a Eletronet não seja reativada".
Dia após dia, desde 23/2, a Folha foi mudando sua versão sobre como o empresário ganharia os supostos R$ 200 milhões para, no dia 6/3, acanhadamente, dizer que "as chances de os sócios da Eletronet -entre eles, Nelson dos Santos, que contratou os serviços do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu- receberem alguma coisa é tida como "muito remota" pelos advogados, analisando apenas documentos até agora divulgados".
Se o empresário para o qual minha empresa prestou consultoria sobre cenários econômicos na América Latina, e não sobre a Eletronet, não será beneficiado com dinheiro público; se minha posição em artigos e em meu blog sempre foi contrária aos interesses dos controladores privados da Eletronet; se dois meses após o início da consultoria, o governo decidiu disputar os ativos da Eletronet na Justiça, o que é contrário aos interesses desses mesmos controladores privados; e se a Justiça tem decidido favoravelmente ao governo, então sou obrigado a perguntar: onde está o caso que a Folha insiste em dizer que existe?

JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA , 64, é advogado. Foi ministro-chefe da Casa Civil (governo Lula) e presidente do PT. Teve seu mandato de deputado federal pelo PT-SP cassado em 2005.

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