Desde que o general João Figueiredo encerrou, melancolicamente, o ciclo militar iniciado em 1964, deixando pela porta dos fundos o Palácio do Planalto, o Brasil vive um regime de plenitude democrática. Justiça seja feita a todos os nossos poderes, a todos os nossos partidos, às nossas forças armadas, à toda sociedade brasileira. Nos defrontamos em momentos extremamente críticos, nos debatemos no jogo da vida partidária, da conquista do poder político, das profundas reformas concebidas pela Assembleia Constituinte de 1988, atravessamos crises políticas e institucionais, tivemos um ‘impeachment’ de um presidente, mas em nenhum momento, por um segundo sequer, uma viva alma teve a ousadia de ao menos abrir a boca para propor a quebra da legalidade constitucional ou da vigência democrática. Amadurecemos.
A democracia se instalou no país em seus mínimos detalhes. A sociedade esteve à frente dos partidos políticos. Desses partidos, alguns estiveram mais identificados com o povo brasileiro e puderam dar respostas aos seus anseios e clamores. Mas isso não se deu apenas no Brasil, é um fenômeno mundial e recorrente: partidos com capilaridade social e comandados por líderes carismáticos operam transformações profundas nas sociedades. Com traumas ou sem. Para o bem ou para o mal.
Temos exemplo pedagógico na histórica recente da Inglaterra. Na velha, monárquica e democrática Inglaterra. Margareth Tatcher marcou a história do Reino Unido num momento econômico gravíssimo, onde as fórmulas do velho trabalhismo pareciam não surtir mais efeito para debelar os sérios problemas enfrentados por uma potência cambaleante. A ‘dama de ferro’ tomou o caminho mais fácil e mais duro: cortou garantias e direitos sociais, estrangulou salários, elevou os impostos à estratosfera, privatizou os serviços do Estado e aplicou o liberalismo econômico às suas últimas conseqüências, sem falar num enfrentamento com os sindicatos que permeou seu longo reinado, de bem mais de uma década, do primeiro ao último dia.
Durante muitas décadas o Fundo Monetário Internacional não inovou milímetro sequer em seus ditames presumivelmente salvadores à países em apuros. E naquele balcão draconiano nós fomos clientes assíduos... A fórmula era simples: arrocho salarial, aumento de impostos, desinvestimento no social, privatização da máquina do Estado e, por óbvio, liberalismo econômico. Sendo o regime autoritário, melhor ainda. Se o país se chamasse Brasil, México ou Gambia, isso não fazia a menor diferença. A fórmula era essa, somente essa, apenas uma e estávamos conversados e condenados à recessão mais brutal e, inevitavelmente, ao caos social. Hoje, depois do vexame daqueles desembarques triunfais de Ana Maria Juhl (recordam-se?, era a fiscal do FMI, que vinha fiscalizar se o Brasil estava fazendo o dever de casa...), o presidente Lula, num gesto magnânimo, sabendo que o FMI estava com os cofres vazios e sem poder atender países em apuros, ordenou que o Tesouro Nacional realizasse empréstimo de emergência ao FMI, para que o fundo socorreresse os paises necessitados, sem perder de vista a politica do governo brasileiro de mudar seus critérios e mecanismos, modernizando e democratizando as instituições multilaterais mundiais, à luz desses novos tempos de crise.
Nosso PIB chegou a crescer, nos tempos duros do governo do general Garrastazú Medici, até incríveis 11% anuais! E então se dizia claramente que não se podia fazer abertura política porque “a economia ia bem”. E desde quando economia saudável e democracia não podem andar juntos? E desde quando elas se excluem ou são conflitantes? Nem o general Médici e nem miss Tatcher estavam certos. Um regime democrático pleno é requisito básico para que a economia seja pujante. Ela até pode não ir bem numa democracia, mas numa ditadura, logo, logo, a máscara do “milagre econômico” cairá como caiu no “Brasil Grande” pós-64 e na Inglaterra recessiva pós-tatcherista.
Conseguimos nas ruas com as “Diretas Já” a volta da democracia plena. Com a Constituinte de 1988 iniciamos as reformas de fundo reclamadas por uma sociedade em permanente transformação. Em 2002 a história deu um salto fenomenal com a chegada ao poder das forças progressistas representadas pela candidatura do presidente Lula. Aí começa uma nova fase para a democracia no Brasil: a democratização das oportunidades.
E ao longo dos últimos sete anos o Brasil, que já tinha consolidada sua democracia política, passou – talvez mesmo sem se dar conta de tal fato histórico – a consolidar uma democracia social, com o mais vigoroso programa de distribuição de rendas da história da América Latina, com uma mobilidade social jamais vista em nosso País, com transformações no tecido social realizadas de forma pacífica e com absoluta ausência de traumas por um líder carismático e de índole absolutamente democrática e não-confrontacionista como é o presidente Lula.
O Brasil olhou-se no espelho e, assustado, não se viu como queria que fosse. A verdade era bem outra. Legiões de miseráveis em todas – rigorosamente todas – as regiões do País simplesmente não comiam. Como falar em democracia com pessoas que tinham a barriga vazia? O governo Lula fez do Fome Zero o mais profundo e mais abrangente programa social já realizado em toda nossa história. Poderia falar muito sobre ele. Sobre a grandeza de sua concepção e o alcance de seu trabalho. Os milhões de crianças, de mulheres e de homens que não mais dormem com fome. Poderia falar de pessoas que passaram a acreditar na vida e na solidariedade humana, que começaram a acreditar em seu país e vislumbrar alguma luz no futuro de suas vidas tendo a fome saciada. Porém, apenas constato que democracia também é não permitir que um brasileiro, seja ele quem for, em qualquer rincão desse país-continente, não tenha o que comer vivendo justamente no celeiro do século XXI, no Brasil das super-safras, na emergente superpotência agrícola.
Enfrentou-se problemas como o do acesso das camadas marginalizadas às universidades, aí incluídos nossos irmãos afro-descendentes, vítimas de um racismo silencioso, persistente e inaceitável. Em plena virada do século XXI assistimos até manifesto de intelectuais contra a medida. Mas o país aplaudiu, ela foi implementada e é um sucesso. Democracia é garantir ao filho do operário e do agricultor, ao negro e ao indígena, o direito de chegar à universidade e formar-se em engenharia, medicina, direito, veterinária. As universidades públicas, sabidamente de boa qualidade, estavam fechadas a esses que, também, precisavam ter acesso aos estudos. Fez-se democracia na educação. De maneira efetiva, enfrentando os preconceitos mais inexplicáveis e elitistas, mas vencemos.
A Fundação Getúlio Vargas, uma das instituições mais respeitadas e mais competentes da vida intelectual do Brasil, reconhecida internacionalmente por sua seriedade e alto nível, reuniu um grupo seleto de economistas sob a orientação do insuspeito professor Afonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. Foi feita rigorosa radiografia da economia nacional nas últimas décadas pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos. Desnecessário dizer da impessoalidade e rigor científico aplicados no trabalho. Cruzamentos de dados históricos, números, gráficos, a performance dos mais diferentes setores da economia brasileira ao longos dos anos, mereceram de Pastore e sua equipe o olhar crítico e abalizado que apenas os iniciados possuem em temas de tamanha profundidade.
Chegou-se a conclusão objetiva de que os melhores anos da economia brasileira nas últimas três décadas foram sob o comando do presidente Lula. De junho de 2003 a julho de 2008 foi o maior período de expansão da economia brasileira. Nesses cinco anos, a indústria se expandiu, as vendas do comércio registraram alta e a geração de emprego e renda cresceram. O que é isso, caros leitores, senão a democracia levada à economia, gerando empregos e renda, num modelo absolutamente inverso ao praticado pelo modelo autoritário e ultrapassado do FMI e do neo-liberalismo?
Foi preciso que lutássemos três décadas e que um governo de sabidas raízes populares se estabelecesse e realizasse a administração capaz e democrática que o presidente Lula vem realizando, aplaudido pelos brasileiros e admirado pelo mundo. Valeu a pena.
Delúbio Soares é professor
www.delubio.com.br
A democracia se instalou no país em seus mínimos detalhes. A sociedade esteve à frente dos partidos políticos. Desses partidos, alguns estiveram mais identificados com o povo brasileiro e puderam dar respostas aos seus anseios e clamores. Mas isso não se deu apenas no Brasil, é um fenômeno mundial e recorrente: partidos com capilaridade social e comandados por líderes carismáticos operam transformações profundas nas sociedades. Com traumas ou sem. Para o bem ou para o mal.
Temos exemplo pedagógico na histórica recente da Inglaterra. Na velha, monárquica e democrática Inglaterra. Margareth Tatcher marcou a história do Reino Unido num momento econômico gravíssimo, onde as fórmulas do velho trabalhismo pareciam não surtir mais efeito para debelar os sérios problemas enfrentados por uma potência cambaleante. A ‘dama de ferro’ tomou o caminho mais fácil e mais duro: cortou garantias e direitos sociais, estrangulou salários, elevou os impostos à estratosfera, privatizou os serviços do Estado e aplicou o liberalismo econômico às suas últimas conseqüências, sem falar num enfrentamento com os sindicatos que permeou seu longo reinado, de bem mais de uma década, do primeiro ao último dia.
Durante muitas décadas o Fundo Monetário Internacional não inovou milímetro sequer em seus ditames presumivelmente salvadores à países em apuros. E naquele balcão draconiano nós fomos clientes assíduos... A fórmula era simples: arrocho salarial, aumento de impostos, desinvestimento no social, privatização da máquina do Estado e, por óbvio, liberalismo econômico. Sendo o regime autoritário, melhor ainda. Se o país se chamasse Brasil, México ou Gambia, isso não fazia a menor diferença. A fórmula era essa, somente essa, apenas uma e estávamos conversados e condenados à recessão mais brutal e, inevitavelmente, ao caos social. Hoje, depois do vexame daqueles desembarques triunfais de Ana Maria Juhl (recordam-se?, era a fiscal do FMI, que vinha fiscalizar se o Brasil estava fazendo o dever de casa...), o presidente Lula, num gesto magnânimo, sabendo que o FMI estava com os cofres vazios e sem poder atender países em apuros, ordenou que o Tesouro Nacional realizasse empréstimo de emergência ao FMI, para que o fundo socorreresse os paises necessitados, sem perder de vista a politica do governo brasileiro de mudar seus critérios e mecanismos, modernizando e democratizando as instituições multilaterais mundiais, à luz desses novos tempos de crise.
Nosso PIB chegou a crescer, nos tempos duros do governo do general Garrastazú Medici, até incríveis 11% anuais! E então se dizia claramente que não se podia fazer abertura política porque “a economia ia bem”. E desde quando economia saudável e democracia não podem andar juntos? E desde quando elas se excluem ou são conflitantes? Nem o general Médici e nem miss Tatcher estavam certos. Um regime democrático pleno é requisito básico para que a economia seja pujante. Ela até pode não ir bem numa democracia, mas numa ditadura, logo, logo, a máscara do “milagre econômico” cairá como caiu no “Brasil Grande” pós-64 e na Inglaterra recessiva pós-tatcherista.
Conseguimos nas ruas com as “Diretas Já” a volta da democracia plena. Com a Constituinte de 1988 iniciamos as reformas de fundo reclamadas por uma sociedade em permanente transformação. Em 2002 a história deu um salto fenomenal com a chegada ao poder das forças progressistas representadas pela candidatura do presidente Lula. Aí começa uma nova fase para a democracia no Brasil: a democratização das oportunidades.
E ao longo dos últimos sete anos o Brasil, que já tinha consolidada sua democracia política, passou – talvez mesmo sem se dar conta de tal fato histórico – a consolidar uma democracia social, com o mais vigoroso programa de distribuição de rendas da história da América Latina, com uma mobilidade social jamais vista em nosso País, com transformações no tecido social realizadas de forma pacífica e com absoluta ausência de traumas por um líder carismático e de índole absolutamente democrática e não-confrontacionista como é o presidente Lula.
O Brasil olhou-se no espelho e, assustado, não se viu como queria que fosse. A verdade era bem outra. Legiões de miseráveis em todas – rigorosamente todas – as regiões do País simplesmente não comiam. Como falar em democracia com pessoas que tinham a barriga vazia? O governo Lula fez do Fome Zero o mais profundo e mais abrangente programa social já realizado em toda nossa história. Poderia falar muito sobre ele. Sobre a grandeza de sua concepção e o alcance de seu trabalho. Os milhões de crianças, de mulheres e de homens que não mais dormem com fome. Poderia falar de pessoas que passaram a acreditar na vida e na solidariedade humana, que começaram a acreditar em seu país e vislumbrar alguma luz no futuro de suas vidas tendo a fome saciada. Porém, apenas constato que democracia também é não permitir que um brasileiro, seja ele quem for, em qualquer rincão desse país-continente, não tenha o que comer vivendo justamente no celeiro do século XXI, no Brasil das super-safras, na emergente superpotência agrícola.
Enfrentou-se problemas como o do acesso das camadas marginalizadas às universidades, aí incluídos nossos irmãos afro-descendentes, vítimas de um racismo silencioso, persistente e inaceitável. Em plena virada do século XXI assistimos até manifesto de intelectuais contra a medida. Mas o país aplaudiu, ela foi implementada e é um sucesso. Democracia é garantir ao filho do operário e do agricultor, ao negro e ao indígena, o direito de chegar à universidade e formar-se em engenharia, medicina, direito, veterinária. As universidades públicas, sabidamente de boa qualidade, estavam fechadas a esses que, também, precisavam ter acesso aos estudos. Fez-se democracia na educação. De maneira efetiva, enfrentando os preconceitos mais inexplicáveis e elitistas, mas vencemos.
A Fundação Getúlio Vargas, uma das instituições mais respeitadas e mais competentes da vida intelectual do Brasil, reconhecida internacionalmente por sua seriedade e alto nível, reuniu um grupo seleto de economistas sob a orientação do insuspeito professor Afonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. Foi feita rigorosa radiografia da economia nacional nas últimas décadas pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos. Desnecessário dizer da impessoalidade e rigor científico aplicados no trabalho. Cruzamentos de dados históricos, números, gráficos, a performance dos mais diferentes setores da economia brasileira ao longos dos anos, mereceram de Pastore e sua equipe o olhar crítico e abalizado que apenas os iniciados possuem em temas de tamanha profundidade.
Chegou-se a conclusão objetiva de que os melhores anos da economia brasileira nas últimas três décadas foram sob o comando do presidente Lula. De junho de 2003 a julho de 2008 foi o maior período de expansão da economia brasileira. Nesses cinco anos, a indústria se expandiu, as vendas do comércio registraram alta e a geração de emprego e renda cresceram. O que é isso, caros leitores, senão a democracia levada à economia, gerando empregos e renda, num modelo absolutamente inverso ao praticado pelo modelo autoritário e ultrapassado do FMI e do neo-liberalismo?
Foi preciso que lutássemos três décadas e que um governo de sabidas raízes populares se estabelecesse e realizasse a administração capaz e democrática que o presidente Lula vem realizando, aplaudido pelos brasileiros e admirado pelo mundo. Valeu a pena.
Delúbio Soares é professor
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