Entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a jornalistas brasileiros e estrangeiros na Embaixada do Brasil em Londres
Londres-Inglaterra, 02 de abril de 2009
Presidente: Primeiro, dizer para vocês que nós tivemos hoje um momento muito importante na história do mundo. Eu, que estou há seis anos participando de reuniões de chefes de Estado, e que há muito tempo vínhamos tentando construir alguma coisa que pudesse significar uma maior harmonia e um maior entendimento entre os países, disse ao meu companheiro Guido Mantega que, na verdade, é quem trabalhou muito mais tempo, articulando o documento final, que hoje aconteceram coisas que eu considero importantes para a história dos países e para o futuro da humanidade, se a gente não se apequenar a partir desse documento.
Foi a primeira reunião de que eu participei em que os chamados “países desenvolvidos” estavam em igualdade de condições com os países em desenvolvimento. Foi a primeira reunião de que eu participei em que não tinha ninguém sabendo de tudo, como se nós não soubéssemos de nada.
E isso se deve ao fato de que a crise é muito grande. Os países que são causadores da crise ainda não têm noção do tamanho dessa crise, porque ainda não mediram a totalidade dos prejuízos que essa crise pode dar em cada país, e também porque as pessoas estão muito sem saber o que fazer. Ninguém tem a certeza absoluta que tinha há dez anos.
Vocês estão lembrados que quando nós tivemos a crise russa, a crise asiática, a crise mexicana, o FMI chegava no Brasil achando que sabia o que todo mundo tinha que fazer. Agora, ninguém sabe. A única coisa que nós sabemos é que houve uma irresponsabilidade, e isso com concordância total do sistema financeiro internacional. O mercado não tinha a competência que as pessoas pensavam que tinha para cuidar com responsabilidade do fluxo de capitais no mundo. E todo mundo se convenceu, então, de que é preciso que haja uma regulação do sistema financeiro mundial, para que ele esteja mais voltado ao setor produtivo e menos ao setor especulativo.
Também todo mundo se colocou de acordo que não é possível a co-existência de um mundo moral e ético, um mundo desenvolvimentista, um mundo produtivo com os paraísos fiscais que, no fundo, no fundo, é por onde se lava o dinheiro do narcotráfico e do crime organizado. Ao mesmo tempo, todo mundo compreendeu que a Rodada de Doha é um sinal muito forte para que a gente possa começar a minorar os efeitos da crise, na medida em que façamos acordos que permitam o não-protecionismo dos produtos agrícolas na Europa e o fim do subsídio nos Estados Unidos. Uma coisa que eu venho tentando há quatro anos, aconteceu hoje: passar a discussão da Rodada de Doha para os líderes políticos, e não mais para os técnicos. Até porque os técnicos trabalharam de forma incansável nesses últimos anos, e chegou ao final do ano passado, fracassou porque você tinha eleições nos Estados Unidos e porque você tem eleições agora na Índia, não houve possibilidade de acordo. Ao mesmo tempo, se chegou à conclusão de que o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e outros órgãos, outras instituições financeiras multilaterais precisam ter mais recursos para socorrer os países mais necessitados e os países mais pobres. O que é extremamente importante para o momento histórico que nós estamos vivendo é que é a primeira reunião de que eu participo em que – e eu fiz questão de dizer isso duas vezes, ontem e hoje – que é a primeira reunião que nós fazemos em que a única coisa que eu peço para os países ricos é que eles recuperem as suas economias. A coisa mais importante, eu disse ontem no jantar e disse hoje: para mim, já seria suficiente se os Estados Unidos recuperassem a sua economia, se a Alemanha recuperasse, se o Reino Unido recuperasse. Porque aí, na medida em que eles recuperam a sua economia, eles vão ajudar para que o fluxo na balança comercial volte a crescer e é tudo o que nós queremos.
Nós não estamos precisando de dinheiro emprestado, não estamos precisando de alavancagem, de nada. Nós temos apenas 1,5% de déficit fiscal, nós temos 36% de dívida pública, nós temos investimentos, entre o PAC, entre o programa habitacional e entre a ajuda à agricultura familiar com o Mais Alimentos, nós temos mais de US$ 350 bilhões previstos em investimentos, até 2012. Portanto, a única coisa que nós queremos é a seguinte: criar as condições para que o fluxo da balança comercial volte a funcionar corretamente, para que os chineses voltem a vender e a comprar, para que os Estados Unidos voltem a vender e a comprar, para que o Reino Unido volte a vender e a comprar. Se isso for normalizado, nós já teremos muito, muito, muito da crise resolvida, e o problema mais sério, que é a questão de crédito. Daí, sim, a importância de se aportar mais recursos, porque o dinheiro desapareceu. Antes, você conversava com qualquer especialista em economia, ele dizia: “Tem US$ 5 trilhões voando entre os oceanos, tem não sei quanto...” Desapareceu. Ou seja, o crédito desapareceu no mundo.
Então, eu penso que essa reunião tem um sinal extremamente positivo. Se nós vamos ter competência de fazer com que os princípios determinados nessa reunião se transformem em políticas ativas a partir de amanhã, de depois de amanhã, porque sempre leva um tempo para maturar, é uma outra questão. As decisões foram tomadas, as discussões foram feitas, e vocês sabem que as discussões foram calorosas, houve momentos de tensão na reunião. Mas foi a primeira vez também que eu senti, no conjunto de líderes dos países mais importantes do mundo, todos humildemente querendo encontrar uma solução, ninguém queria acusar ninguém, ninguém queria fazer uma profissão de fé ideológica.
Londres-Inglaterra, 02 de abril de 2009
Presidente: Primeiro, dizer para vocês que nós tivemos hoje um momento muito importante na história do mundo. Eu, que estou há seis anos participando de reuniões de chefes de Estado, e que há muito tempo vínhamos tentando construir alguma coisa que pudesse significar uma maior harmonia e um maior entendimento entre os países, disse ao meu companheiro Guido Mantega que, na verdade, é quem trabalhou muito mais tempo, articulando o documento final, que hoje aconteceram coisas que eu considero importantes para a história dos países e para o futuro da humanidade, se a gente não se apequenar a partir desse documento.
Foi a primeira reunião de que eu participei em que os chamados “países desenvolvidos” estavam em igualdade de condições com os países em desenvolvimento. Foi a primeira reunião de que eu participei em que não tinha ninguém sabendo de tudo, como se nós não soubéssemos de nada.
E isso se deve ao fato de que a crise é muito grande. Os países que são causadores da crise ainda não têm noção do tamanho dessa crise, porque ainda não mediram a totalidade dos prejuízos que essa crise pode dar em cada país, e também porque as pessoas estão muito sem saber o que fazer. Ninguém tem a certeza absoluta que tinha há dez anos.
Vocês estão lembrados que quando nós tivemos a crise russa, a crise asiática, a crise mexicana, o FMI chegava no Brasil achando que sabia o que todo mundo tinha que fazer. Agora, ninguém sabe. A única coisa que nós sabemos é que houve uma irresponsabilidade, e isso com concordância total do sistema financeiro internacional. O mercado não tinha a competência que as pessoas pensavam que tinha para cuidar com responsabilidade do fluxo de capitais no mundo. E todo mundo se convenceu, então, de que é preciso que haja uma regulação do sistema financeiro mundial, para que ele esteja mais voltado ao setor produtivo e menos ao setor especulativo.
Também todo mundo se colocou de acordo que não é possível a co-existência de um mundo moral e ético, um mundo desenvolvimentista, um mundo produtivo com os paraísos fiscais que, no fundo, no fundo, é por onde se lava o dinheiro do narcotráfico e do crime organizado. Ao mesmo tempo, todo mundo compreendeu que a Rodada de Doha é um sinal muito forte para que a gente possa começar a minorar os efeitos da crise, na medida em que façamos acordos que permitam o não-protecionismo dos produtos agrícolas na Europa e o fim do subsídio nos Estados Unidos. Uma coisa que eu venho tentando há quatro anos, aconteceu hoje: passar a discussão da Rodada de Doha para os líderes políticos, e não mais para os técnicos. Até porque os técnicos trabalharam de forma incansável nesses últimos anos, e chegou ao final do ano passado, fracassou porque você tinha eleições nos Estados Unidos e porque você tem eleições agora na Índia, não houve possibilidade de acordo. Ao mesmo tempo, se chegou à conclusão de que o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e outros órgãos, outras instituições financeiras multilaterais precisam ter mais recursos para socorrer os países mais necessitados e os países mais pobres. O que é extremamente importante para o momento histórico que nós estamos vivendo é que é a primeira reunião de que eu participo em que – e eu fiz questão de dizer isso duas vezes, ontem e hoje – que é a primeira reunião que nós fazemos em que a única coisa que eu peço para os países ricos é que eles recuperem as suas economias. A coisa mais importante, eu disse ontem no jantar e disse hoje: para mim, já seria suficiente se os Estados Unidos recuperassem a sua economia, se a Alemanha recuperasse, se o Reino Unido recuperasse. Porque aí, na medida em que eles recuperam a sua economia, eles vão ajudar para que o fluxo na balança comercial volte a crescer e é tudo o que nós queremos.
Nós não estamos precisando de dinheiro emprestado, não estamos precisando de alavancagem, de nada. Nós temos apenas 1,5% de déficit fiscal, nós temos 36% de dívida pública, nós temos investimentos, entre o PAC, entre o programa habitacional e entre a ajuda à agricultura familiar com o Mais Alimentos, nós temos mais de US$ 350 bilhões previstos em investimentos, até 2012. Portanto, a única coisa que nós queremos é a seguinte: criar as condições para que o fluxo da balança comercial volte a funcionar corretamente, para que os chineses voltem a vender e a comprar, para que os Estados Unidos voltem a vender e a comprar, para que o Reino Unido volte a vender e a comprar. Se isso for normalizado, nós já teremos muito, muito, muito da crise resolvida, e o problema mais sério, que é a questão de crédito. Daí, sim, a importância de se aportar mais recursos, porque o dinheiro desapareceu. Antes, você conversava com qualquer especialista em economia, ele dizia: “Tem US$ 5 trilhões voando entre os oceanos, tem não sei quanto...” Desapareceu. Ou seja, o crédito desapareceu no mundo.
Então, eu penso que essa reunião tem um sinal extremamente positivo. Se nós vamos ter competência de fazer com que os princípios determinados nessa reunião se transformem em políticas ativas a partir de amanhã, de depois de amanhã, porque sempre leva um tempo para maturar, é uma outra questão. As decisões foram tomadas, as discussões foram feitas, e vocês sabem que as discussões foram calorosas, houve momentos de tensão na reunião. Mas foi a primeira vez também que eu senti, no conjunto de líderes dos países mais importantes do mundo, todos humildemente querendo encontrar uma solução, ninguém queria acusar ninguém, ninguém queria fazer uma profissão de fé ideológica.
O que todo mundo estava percebendo era que nós estávamos em um barco, esse barco está vazando água e se a gente não cuidar de tirar a água e arrumar o casco, o barco afunda e é prejudicial para todo mundo.
Eu fiz questão de pedir que nas próximas reuniões cada um se apresente colocando a realidade do seu país. É importante que a gente saiba o que está sendo feito em cada país, qual é a dívida pública de cada país, qual é o déficit fiscal de cada país, qual é o investimento público que o Estado está fazendo em cada país, qual é a quantidade de geração de emprego em cada país, qual é o índice de desemprego em cada país, porque aí a gente vai ter uma noção exata de quem está fazendo a lição de casa, quem não está fazendo a lição de casa, quem está fazendo as coisas corretas, não está fazendo as coisas corretas.
De forma que eu quero terminar dizendo para vocês que eu já participei de muitas reuniões. Não foram poucas as que eu participei nesses seis anos de mandato. E essa foi a reunião da qual eu saí mais gratificado pela compreensão das lideranças políticas de cada país de que o momento é de prudência e ao mesmo tempo de ousadia política. Ou seja, nós temos que fazer as coisas importantes que precisam ser feitas no mundo, nós temos que cuidar melhor da economia, o mercado não é o senhor da razão, o mercado é um componente da política de um país e não o fator decisivo, que ele pode tudo. Porque na hora em que aperta, o que sobra? O Estado como indutor. O Estado como salvador. Eu acho que essa compreensão todo mundo tem. Todos que participaram falaram a mesma linguagem e eu acho que isso foi extremamente importante.
Se o governador do Rio de Janeiro quiser nos fazer companhia, alguém arruma uma cadeirinha para ele sentar aqui, já que ele veio aqui para conquistar a Olimpíada para o Brasil e eu acho que é um passo extremamente importante. Depois... A Olimpíada para o Brasil, em 2016, em que o Ronaldão vai jogar na seleção, nas Olimpíadas, naquela escala de jogadores com mais de 23 anos. Marcou um gol ontem. Você viu? Já é artilheiro do Corinthians.
Jornalista: (incompreensível)
Presidente: Ele está bem. Ele está bem.
Serginho, vem para cá, querido.
De forma que eu quero terminar dizendo para vocês que eu já participei de muitas reuniões. Não foram poucas as que eu participei nesses seis anos de mandato. E essa foi a reunião da qual eu saí mais gratificado pela compreensão das lideranças políticas de cada país de que o momento é de prudência e ao mesmo tempo de ousadia política. Ou seja, nós temos que fazer as coisas importantes que precisam ser feitas no mundo, nós temos que cuidar melhor da economia, o mercado não é o senhor da razão, o mercado é um componente da política de um país e não o fator decisivo, que ele pode tudo. Porque na hora em que aperta, o que sobra? O Estado como indutor. O Estado como salvador. Eu acho que essa compreensão todo mundo tem. Todos que participaram falaram a mesma linguagem e eu acho que isso foi extremamente importante.
Se o governador do Rio de Janeiro quiser nos fazer companhia, alguém arruma uma cadeirinha para ele sentar aqui, já que ele veio aqui para conquistar a Olimpíada para o Brasil e eu acho que é um passo extremamente importante. Depois... A Olimpíada para o Brasil, em 2016, em que o Ronaldão vai jogar na seleção, nas Olimpíadas, naquela escala de jogadores com mais de 23 anos. Marcou um gol ontem. Você viu? Já é artilheiro do Corinthians.
Jornalista: (incompreensível)
Presidente: Ele está bem. Ele está bem.
Serginho, vem para cá, querido.
Bem, eu agora abro a palavra ao companheiro Guido. É o cara que tem mais expertise com essa coisa do G-20, porque o G-20, antes de ser dos políticos era dos ministros da Fazenda, então eu acho que estamos aí à disposição de vocês para as perguntas.
Deixa o Guido dar uma palavrinha.
Jornalista: (incompreensível)
Presidente: Posso sair e o Guido fica aqui.
Jornalista: Presidente, alguns jornalistas aqui, britânicos, comparam o senhor como uma espécie de líder dos emergentes nessa reunião do G-20. E disseram isso, principalmente, pela maneira dura com que o senhor se referiu aos países desenvolvidos na questão da crise ser criada por brancos de olhos azuis e tal.
Eu queria saber do senhor se, entre os países, o senhor sentiu que houve essa posição de liderança do Brasil, e uma curiosidade: eu queria saber o que senhor achou, o que o senhor respondeu ao presidente Obama quando ele disse a frase, apontando para o senhor: “Ele é o cara. É o político mais popular do mundo.”
Presidente: Primeiro, dizer para vocês que essa questão de liderança internacional é apenas uma bobagem teórica. Nenhum país passa o bastão para o outro ser líder dele, todos querem ser líder, esse é o dado concreto. Até porque liderança, você só é se você tiver liderados.
Eu, quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos era líder, porque os metalúrgicos me escolhiam como líder. Eu, no Brasil, sou líder porque o povo me escolheu para ser o Presidente da República. Mas não existe a possibilidade de ser líder na América do Sul, no Mercosul. Muitas pessoas, às vezes, entendem que o Brasil é líder porque o Brasil é grande, é a maior economia da América do Sul. Não existe isso. Cada um de nós vale pelo que representa, vale pelo que faz.
Eu sei que eu tenho uma coisa importante, nessa minha relação, que eu trato as pessoas muito bem, eu gosto de ser companheiro. Eu não vejo as pessoas apenas como presidente de um outro país, eu vejo como companheiro. Afinal de contas, são seis anos de relações que eu tenho com as pessoas, então já virou uma amizade pessoal, e eu gosto de tratar todo mundo bem. Mas ninguém me elegeu líder de nada, ou seja, eu continuo aqui falando em nome do Brasil, pura e simplesmente, quero que o Hu Jintao fale em nome da China, que o Singh fale em nome da Índia, que o Calderón fale em nome do México, que a Cristina fale em nome da Argentina, porque mexer nisso, é um centro nervoso.
Segundo, eu acho que a frase do Obama deve ter sido um gesto de gentileza ou uma brincadeira dele, porque eu tenho consciência do meu tamanho, da minha importância, e tenho consciência do tamanho e da importância de cada companheiro que estava aí.
Obviamente que eu não consigo entender a fala do Obama senão como uma brincadeira com uma pessoa que trata ele bem. Eu sou torcedor do Obama quando ele era candidato do Partido Democrata, virei mais torcedor quando ele ganhou da Hillary, mais torcedor quando ele disputou com o McCain, mais torcedor quando ele ganhou do McCain. E agora sou torcedor, porque eu disse para o Obama: Obama, eu rezo mais para você do que eu rezava na minha campanha e quando fui eleito Presidente. Porque o tamanho do pepino em que você está é infinitamente maior do que o meu. Então, Deus te ajude.
E o Obama, eu disse para ele, o Obama tem uma coisa fantástica, que é o seguinte: é o primeiro presidente latino-americano, que tem... dos Estados Unidos, que tem a cara da gente. Ele tem a cara da gente. Se você encontra ele na Bahia, você pensa que ele é baiano. Se você encontrar ele no Rio de Janeiro, vai pensar que ele é um carioca. Ele é o primeiro parecido com todo mundo, tranquilo, humilde. Não é fácil você ver um presidente dos Estados Unidos chegar em uma reunião e dizer: “Olha, eu sei que sou o mais novo. Eu estou com pouco tempo no mandato, eu vim aqui para ouvir, para aprender”. Você acha que é fácil um americano dizer isso? Eu acho que é uma coisa extraordinária. Então, é uma oportunidade que a América Latina tem, de estabelecer uma nova relação com os Estados Unidos, que a gente não tinha antes.
Então, eu sou torcedor do Obama, eu quero que ele dê certo. Dele e do Ronaldão, no Corinthians. Porque, pensa: eu torço para o Ronaldo acertar porque eu acho tão gostoso quando vejo as pessoas caírem e levantarem, cai outra vez e levanta. Eu acho uma coisa tão nobre o ser humano não desistir nunca. Então, eu sou assim. Então, acho que foi uma gentileza do Obama, só isso.
Jornalista: Presidente, os governos fizeram hoje a sua lição de casa, com mais uma derrama de 1,1 trilhão de dólares, cada dia tem um pacote desse tamanho, para tentar reanimar a economia. E o setor privado? Que, enfim, a crise nasceu no setor privado, a crise é de responsabilidade do setor privado, dessa vez não dá para acusar os governos de terem cometido irresponsabilidade, populismo, o diabo, como sempre se acusou. A crise é do setor privado, nasceu no setor privado. O governo hoje dá mais um tremendo aporte para tentar ressuscitar a economia. O que o setor privado vai fazer... o que o G-20 vai... os líderes do G-20 vão, de alguma maneira, forçar o setor privado a desencavar esse dinheiro, que (incompreensível).
Presidente: Olhe, uma novidade importante é que esse dinheiro que está sendo discutido para ser colocado como aporte ao FMI, ao Banco Mundial, ao Banco Interamericano, ao Banco Asiático, ao Banco Africano, ou seja, é um dinheiro para fazer fluir o crédito internacional e ajudar os países mais necessitados. Essa é uma coisa extremamente importante, porque todo mundo sabe que nos Estados Unidos e em Botsuana o principal problema é o crédito. Hoje eu ouvi de um presidente, ou seja, Botsuana ... de um representante africano aí, Botsuana vive de vender diamantes. Com essa crise, desde dezembro que não vende um diamante, por quê? Porque não tem crédito para os maridos darem um presente para as mulheres, um diamante, então as pessoas não compram. Então o crédito passou a ser uma palavra quase que chave na retomada do desenvolvimento e nós estamos discutindo exatamente esses aportes de recursos para fazer com que volte a fluir o crédito.
Eu acho, Clóvis, que a iniciativa privada, sobretudo o setor financeiro, precisa compreender de uma vez por todas que o fato de os países ricos, na sua grande maioria, ao longo dos últimos 20 anos, terem se descuidado da fiscalização, de regulamentar, fez com que as pessoas se assenhoreassem de direitos que não eram delas. Ou seja, enquanto no Brasil você tem um sistema financeiro que alavanca, no máximo, dez vezes o seu patrimônio líquido, você teve nos Estados Unidos bancos que alavancavam 35 vezes, ou seja, é você emprestar o que você não tem.
Ademais, eu acho que todo mundo está se convencendo, e disso falou o presidente Obama, disso falou o presidente Sarkozy, de que as pessoas podem ganhar dinheiro gerando coisas, produzindo coisas, ou seja, o cara produz um terno, financia um terno, ganha dinheiro porque financiou um terno, agora, o que as pessoas não podem é fazer uma quantidade de papéis, trocando entre banqueiros, entre especuladores, e ainda os caras ganhando bônus, imagina o que eles ganharam de bônus levando o sistema à falência.
Então, eu acho que a responsabilidade é de todos. Nos Estados Unidos, pelo que tenho acompanhado pela imprensa, o Obama está tentando partilhar parte daquilo que nós no Brasil chamamos de títulos podres, e eles mais sofisticadamente chamam de tóxicos, de títulos, como chamam? De papéis... sei lá. Ou seja, isso que eles modernizaram a palavra de tóxico, no fundo, no fundo, no fundo, o Obama está tentando criar uma coisa nova, fazer com que os empresários passem a comprar uma parte desses títulos até ver se recupera.
A minha posição é clara, isso eu já disse publicamente, dezenas de vezes, que não dá neste momento para você ficar dando dinheiro para banco que quebrou, ou seja, é melhor pegar esses títulos podres, colocar em um arquivo morto e dizer: “Olha, isso aqui existe, está ali, vamos ver o que vamos fazer depois”, mas todo dinheiro que você colocar novo tem que ser com o objetivo de gerar um crédito ou um financiamento para alguma coisa produtiva. Eu acho que nós demos um passo importante hoje, um passo muito importante. Deus queira que a gente não perca a lucidez. E esse passo seja o primeiro passo de uma longa caminhada e que a gente possa apresentar daqui a alguns anos uma economia, mais sólida, mais responsável e mais produtiva.
Jornalista: Presidente, durante a entrevista do presidente Sarkozy, houve uma pergunta meio fora do... totalmente... do bolso, o cara tirou da cartola, que o Brasil teria feito algum tipo de ressalva à proposta de abrir o vespeiro, lá, dos paraísos fiscais. Na verdade o Brasil teria se mostrado um pouco reticente à essa exposição total de quem não está de acordo com a cartilha. Só uma coisa que obviamente foi mencionada e a gente ficou com a pulga mordendo aqui, o senhor me desculpe.
Presidente: Não sei se... Como o Sarkozy não entende português e eu não entendo francês, possivelmente tenha faltado uma vírgula. Não, veja o que aconteceu: primeiro o Brasil é favorável que se publique a lista dos paraísos dos países que foram considerados paraísos fiscais pela OCDE. Agora, o que eu disse: é que ao divulgar a lista, digam quantos países foram investigados pela OCDE, porque o Brasil não faz parte da OCDE e não foi investigado. Então, o Brasil não consta na lista nem de bom, nem de ruim porque o Brasil não foi investigado. Então que se diga claramente que foram investigados 84 países, e desses 84, tem tantos que são considerados paraísos fiscais. Apenas isso.
Mas, eu era favorável a colocar a lista. Aliás, defendi lá que era favorável a publicar a lista, apenas com essa responsabilidade. Porque nós somos quase 200 países no mundo, só 84 foram investigados, você não pode colocar uma lista porque aparece mais de cem que não foram investigados e as pessoas perguntam, onde estão os outros? Sabe, apenas isso. Mas sou totalmente favorável, tanto é que nós aprovamos uma decisão de que fosse apresentada pela OCDE a lista hoje.
A disputa, na verdade, era mais entre Sarkozy e o coordenador, que era o Gordon Brown, porque o Gordon Brown não queria colocar no documento final uma coisa que era só da OCDE. Não queria colocar como peça do G-20. Ele queria colocar dizendo que a OCDE vai divulgar hoje, e prometeu ao Sarkozi divulgar antes de ele dar entrevista, que é para ele não ter dúvida que iria ser divulgada. Só isso.
O Sarkozy é parceiro estratégico do Brasil.
Jornalista: Presidente, parte do 1 trilhão que foi anunciado hoje, diz respeito aos direitos especiais de saque do FMI, são 250 bilhões. Para elevar esse montante, para que o FMI receba esses 250 bilhões, os países membros do FMI precisam desembolsar parte desse valor. O Brasil tem 1,7% das quotas, o que equivale a 4 bilhões e 250 milhões. É isso mesmo, é isso que o Brasil vai investir no FMI?
E segundo, qual é o valor total do esforço financeiro que o Brasil está disposto a fazer em toda a crise?
Presidente: Você não acha chique o Brasil emprestar dinheiro para o FMI? Não é uma coisa soberana? Eu passei parte da minha juventude carregando faixa no centro de São Paulo: “Fora FMI! fora FMI!”. Ou seja, agora... Veja, o Brasil é um país que tem solidez hoje e obviamente que o Brasil não quer se portar como um país pequeno.
Eu digo sempre o seguinte: nenhum país e nenhum ser humano do mundo é respeitado se ele não se respeita. E hoje o Brasil, se o Brasil defende que é preciso que tenha mais aporte de capital para o FMI, o Brasil tem condições de dizer que vai dar o equivalente a tanto. Vamos discutir o quanto que nós vamos dar. Não é apenas uma questão de quota, vamos dar aquilo que nós entendemos que podemos dar.
O que nós dissemos aos companheiros na reunião? Que o Brasil gostaria de dar, como empréstimo, para que não diminuíssem as nossas reservas, e que esse dinheiro, que nós e outros países emergentes déssemos, fosse emprestado para os países pobres, para os países da América Latina, sobretudo. Mas isso é uma coisa que o Guido vai discutir com os companheiros da área econômica. Eu sou da tese de que o Brasil deve participar.
O Brasil tem uma cabeça tão colonizada que o Brasil ainda, ao discutir financiamento para ajudar a Guiné Bissau ou para ajudar São Tomé e Príncipe, que tem 150 mil habitantes, o Brasil fica precisando que alguém doe dinheiro para o Brasil dar. Nós temos que entender que o Brasil, embora tenha problemas, o Brasil tem competência hoje para ajudar os países mais pobres, na medida em que aquele dinheiro não vá acabar com a economia brasileira, mas nós temos condições de contribuir. Nós temos condições de exigir e, ao mesmo tempo, de contribuir com a parcela que nós entendemos que seja razoável. Se cada um contribuir com um pouco, esse pouco... A gente não aprendeu, desde pequeno, que de grão em grão a galinha enche o papo? Depois a gente se queixa que os países ricos querem mandar no FMI, querem mandar no Banco Mundial. Lógico. Nós só entramos como pedintes, nós só estamos lá para pedir, para pedir, para pedir.
Nós temos que colocar a nossa fatia, para a gente poder exigir. Vocês sabem, quando vocês vão comprar um produto fiado em uma loja, e não têm emprego garantido, a dificuldade, e quando você chega com o dinheiro na mão para comprar, como é que vocês são bem tratados. É isso. O Brasil hoje tem credencial, é respeitado, e de forma muito humilde o Brasil precisa chegar lá para você ver que o Brasil vai contribuir. Não me perguntem o quanto, porque quem toma conta do dinheiro é o meu companheiro Guido e ele vai discutir com os parceiros [com] quanto nós vamos ter que contribuir. A verdade é essa: eu gostaria que o Brasil... Aliás, eu gostaria de passar para a história como o presidente que emprestou alguns reais ao FMI. Além de pagar a conta dos outros, ainda emprestei um pouquinho. Eu acho isso importante. Depois do Ronaldão no Corinthians, eu estou...
Jornalista: Presidente, sobre a decisão de o México dividir o empréstimo da nova linha de crédito flexível do Fundo Monetário, o senhor acha que pode ser visto com maus olhos pelo mercado ou pode levar, ainda, a algum estigma por parte dos investidores brasileiros, estrangeiros ou por todo o mundo? O que acha dessa decisão do México?
Presidente: Olhe, o dinheiro está sendo disponibilizado para quem precisa. A única coisa que eu posso dizer, com muito orgulho, é que neste momento o Brasil não precisa de dinheiro do FMI. Graças a Deus. Não falo isso por soberba, porque se um dia tivermos que precisar e for a única fonte que empreste, nós vamos atrás. Mas eu penso que o México tem uma economia muito, muito, muito... umbilicalmente ligada à economia norte-americana, e eu penso que se o México entende que deve pedir, é um direito do México e o mercado tem que dar graças a Deus porque o FMI não vai impor as condições que colocava cinco anos atrás para emprestar dinheiro para um país. É um direito líquido e certo do México, portanto o mercado tem que encarar como normalidade.
Jornalista: Presidente, pouco antes dessa reunião histórica, como o senhor definiu, a OCDE publicou a estimativa de que o Brasil vai ter uma contração de 0,3% este ano. A minha questão é: com base no que foi decidido hoje, o senhor diria que isso teria algum impacto, este ano, na economia brasileira para, eventualmente, por exemplo, reverter esse quadro de contração da economia brasileira? Que impacto concreto, o que foi decidido aqui, pode ter para uma recuperação da economia brasileira este ano?
Presidente: Vai ficar um pouco a minha palavra contra a palavra da OCDE, ou o otimismo do meu Ministro da Fazenda contra os economistas da OCDE.
Veja, obviamente que eu acho que se o mundo empresarial, se o mundo financeiro entendeu o recado de Londres como uma coisa positiva, isso pode ajudar muito. Agora, o que me dá a credibilidade para entender que o Brasil não vai atender aos prognósticos da OCDE é pelos investimentos que nós estamos fazendo no Brasil.
Eu vou repetir para vocês alguns números importantes: primeiro, o Brasil é um país que tem apenas 1,5% de déficit fiscal, um dos menores do mundo; segundo, o Brasil é um país que tem apenas 36% do PIB de dívida pública, é uma das menores do mundo; terceiro, o Brasil, só no PAC, tem US$ 300 bilhões para investir, até 2012, muitas obras em andamento, e vocês sabem que obras, a cada ano que passa, elas vão crescendo mais. Todas as dificuldades que o Governador do Rio de Janeiro teve, entre elaborar projeto executivo, projeto de prefeitura, licença ambiental, coisas que demoraram um ano, um ano e meio, este ano explode. Então, obviamente que isso vai gerar muitos empregos.
Nós... só para você ter idéia, aquele programa que nós criamos, chamado Mais Alimentos, em que colocamos à disposição R$ 25 bilhões do BNDES, para financiar tratores e implementos agrícolas para a agricultura familiar, hoje já é responsável por 40% da venda de indústrias de máquinas agrícolas no Brasil.
Com o programa habitacional... O programa habitacional envolve o equivalente a US$ 30 bilhões. Agora, você imagina, com as medidas que o Guido anunciou na última segunda-feira, de manter a redução do IPI do carro... O que mais você anunciou? Da construção civil. Ou seja, essas coisas vão gerar um dinamismo na economia. Será uma coisa importante para nós. Por isso que eu sou mais otimista do que os números da OCDE.
Jornalista: E o impacto (incompreensível)
Presidente: Eu acho que o impacto pode ser importante, porque eu tenho uma tese que parte dessa crise é a crise da desconfiança. Possivelmente, muitos de vocês deixaram de comprar alguma coisa que vocês iam comprar este ano, para ver o que vai acontecer, não é isso?
Vocês estão lembrados o que eu disse no dia 22 de dezembro: se a sociedade ficar com medo de consumir, o comércio não vai vender, a indústria não vai produzir. Então, o trabalhador que não estava consumindo, com medo de perder o emprego, ele vai perder o emprego exatamente porque ele não consumiu, porque é a lógica da economia. Nós não temos que esperar que os outros comprem, nós temos que comprar. Ou seja, nós somos os outros aos olhos dos outros, portanto nós temos que fazer a nossa parte. Gostou dessa frase? “Nós somos os outros aos olhos dos outros”.
Então, eu acho que a OCDE exagerou na visão do Brasil. Acho que o Brasil vive um momento... o Guido sabe do meu otimismo, o Guido sabe da minha crença, o Guido sabe que eu sei que nós temos dificuldades, mas eu vou continuar passando otimismo. Vocês nunca vão me ver dizendo uma coisa para baixo. Crise a gente enfrenta é lutando. Imaginem se o Cassius Clay tivesse medo de cara feia, o Foreman teria nocauteado ele naquela luta que ele fez no Zaire. Entretanto, depois de apanhar, com 11 assaltos, ele meteu a (muqueca) e derrubou o cara. Eu me considero o Cassius Clay dessa crise. Eu quero dar uma (muqueca) nessa crise e nocauteá-la nem que seja no último assalto.
Bom, acabou? Agora é o Guido. Mais uma.
Jornalista: Boa noite, já. Boa tarde, presidente Lula. Presidente, o senhor pode pontuar, efetivamente, se na reunião, você pode dizer que alguma coisa vai beneficiar diretamente o Brasil, ou a reunião ficou em termos gerais?
Presidente: Veja, não tem atitude para beneficiar esse ou aquele país. A atitude é para beneficiar todos os países, porque na medida em que você coloca mais dinheiro disponível para ajudar os países mais pobres, para facilitar o crédito, você está ajudando todos os países. O Brasil é um país competitivo. O que nós precisamos não é de nenhum favor de nenhum país rico. O que nós precisamos é que a economia desses países volte a ter um mínimo de solidez e que eles possam comprar aquilo que nós temos condições de produzir. Obviamente que nós sempre temos que ter um olhar para os mais pobres, os que mais precisam.
Então, o documento visa a ajudar todos os países e os países ricos jogam um papel importante porque eles têm mais responsabilidade, não só porque a crise nasceu neles – não é só por isso – mas porque eles têm mais reservas para fazer os investimentos de que o mundo precisa.
Dito isso, eu queria deixar o companheiro Guido aqui com vocês, para vocês questionarem à vontade. Ele sabe de tudo, está bem-humorado.
Jornalista: Queria perguntar... Na reunião de hoje, acordou-se que a OMC, a Organização Mundial do Comércio, (incompreensível) um segmento dos países que rompem as diretrizes contra ao protecionismo. Considera, senhor Lula, suficiente esta medida contra o protecionismo?
Presidente: Duas coisas que eu achei importantes nessa reunião. Primeiro, que todo mundo tem consciência de que o protecionismo é como se fosse uma droga. O viciado em droga, ao ingerir a droga, ele tem alguns momentos de êxtase e depois cai numa depressão profunda, não se sabe o que vai acontecer com ele depois. Nós estamos dizendo que o protecionismo pode parecer importante no começo, mas, a médio e longo prazo, é um desastre para a economia mundial. Se cada um resolver construir um muro em torno de si, será um desastre para a economia mundial. Isso é uma coisa de que todo mundo tem consciência. Ao mesmo tempo, nós nos convencemos de que quando os líderes políticos assumem a responsabilidade de decidir a Rodada de Doha, é porque nós estamos dando um sinal: o comércio, finalmente, vai ser livre. Qual era o meu medo? O meu medo era que, há 20 anos, quando os países desenvolvidos falavam em livre comércio, é porque eles tinham muito mais facilidade de colocar os seus produtos nos países mais pobres, sobretudo produtos com muito valor agregado. Na hora em que vem a crise, eles começam a perceber que o livre comércio é a única solução. A Alemanha diminuiu muito as exportações dela. Não adianta tentar se autorregular. É preciso que a gente libere o comércio para vender e comprar.
Eu acho que essa foi uma vitória que talvez uma pessoa comum não tenha noção do significado de os líderes políticos assumirem decidir o G-8. Porque eu, nesses últimos cinco anos, ligava para o Bush pessoalmente, ligava para o Chirac pessoalmente, ligava para o Tony Blair pessoalmente, ligava para o Schroeder, depois para a Angela Merkel pessoalmente: vamos assumir, vamos assumir, vamos assumir. Ninguém queria assumir. Hoje, sem dor nenhuma, nós assumimos, e eu acho que vai melhorar. Não melhora amanhã, nem depois de amanhã. É um processo, mas é uma esperança que eu acredito que vai dar bons resultados para o Brasil e para o mundo.
Companheiros e companheiras, isso aqui é uma assembléia permanente de entrevista coletiva e o Guido Mantega assume a presidência.
Amanhã vocês estão convidados a ver a visita que nós vamos fazer no lugar onde vão ser as Olimpíadas aqui em Londres, porque nosotros estamos querendo levar as Olimpíadas de 2016 para o Brasil, para o Rio de Janeiro.
Jornalista: (incompreensível)
Presidente: Posso sair e o Guido fica aqui.
Jornalista: Presidente, alguns jornalistas aqui, britânicos, comparam o senhor como uma espécie de líder dos emergentes nessa reunião do G-20. E disseram isso, principalmente, pela maneira dura com que o senhor se referiu aos países desenvolvidos na questão da crise ser criada por brancos de olhos azuis e tal.
Eu queria saber do senhor se, entre os países, o senhor sentiu que houve essa posição de liderança do Brasil, e uma curiosidade: eu queria saber o que senhor achou, o que o senhor respondeu ao presidente Obama quando ele disse a frase, apontando para o senhor: “Ele é o cara. É o político mais popular do mundo.”
Presidente: Primeiro, dizer para vocês que essa questão de liderança internacional é apenas uma bobagem teórica. Nenhum país passa o bastão para o outro ser líder dele, todos querem ser líder, esse é o dado concreto. Até porque liderança, você só é se você tiver liderados.
Eu, quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos era líder, porque os metalúrgicos me escolhiam como líder. Eu, no Brasil, sou líder porque o povo me escolheu para ser o Presidente da República. Mas não existe a possibilidade de ser líder na América do Sul, no Mercosul. Muitas pessoas, às vezes, entendem que o Brasil é líder porque o Brasil é grande, é a maior economia da América do Sul. Não existe isso. Cada um de nós vale pelo que representa, vale pelo que faz.
Eu sei que eu tenho uma coisa importante, nessa minha relação, que eu trato as pessoas muito bem, eu gosto de ser companheiro. Eu não vejo as pessoas apenas como presidente de um outro país, eu vejo como companheiro. Afinal de contas, são seis anos de relações que eu tenho com as pessoas, então já virou uma amizade pessoal, e eu gosto de tratar todo mundo bem. Mas ninguém me elegeu líder de nada, ou seja, eu continuo aqui falando em nome do Brasil, pura e simplesmente, quero que o Hu Jintao fale em nome da China, que o Singh fale em nome da Índia, que o Calderón fale em nome do México, que a Cristina fale em nome da Argentina, porque mexer nisso, é um centro nervoso.
Segundo, eu acho que a frase do Obama deve ter sido um gesto de gentileza ou uma brincadeira dele, porque eu tenho consciência do meu tamanho, da minha importância, e tenho consciência do tamanho e da importância de cada companheiro que estava aí.
Obviamente que eu não consigo entender a fala do Obama senão como uma brincadeira com uma pessoa que trata ele bem. Eu sou torcedor do Obama quando ele era candidato do Partido Democrata, virei mais torcedor quando ele ganhou da Hillary, mais torcedor quando ele disputou com o McCain, mais torcedor quando ele ganhou do McCain. E agora sou torcedor, porque eu disse para o Obama: Obama, eu rezo mais para você do que eu rezava na minha campanha e quando fui eleito Presidente. Porque o tamanho do pepino em que você está é infinitamente maior do que o meu. Então, Deus te ajude.
E o Obama, eu disse para ele, o Obama tem uma coisa fantástica, que é o seguinte: é o primeiro presidente latino-americano, que tem... dos Estados Unidos, que tem a cara da gente. Ele tem a cara da gente. Se você encontra ele na Bahia, você pensa que ele é baiano. Se você encontrar ele no Rio de Janeiro, vai pensar que ele é um carioca. Ele é o primeiro parecido com todo mundo, tranquilo, humilde. Não é fácil você ver um presidente dos Estados Unidos chegar em uma reunião e dizer: “Olha, eu sei que sou o mais novo. Eu estou com pouco tempo no mandato, eu vim aqui para ouvir, para aprender”. Você acha que é fácil um americano dizer isso? Eu acho que é uma coisa extraordinária. Então, é uma oportunidade que a América Latina tem, de estabelecer uma nova relação com os Estados Unidos, que a gente não tinha antes.
Então, eu sou torcedor do Obama, eu quero que ele dê certo. Dele e do Ronaldão, no Corinthians. Porque, pensa: eu torço para o Ronaldo acertar porque eu acho tão gostoso quando vejo as pessoas caírem e levantarem, cai outra vez e levanta. Eu acho uma coisa tão nobre o ser humano não desistir nunca. Então, eu sou assim. Então, acho que foi uma gentileza do Obama, só isso.
Jornalista: Presidente, os governos fizeram hoje a sua lição de casa, com mais uma derrama de 1,1 trilhão de dólares, cada dia tem um pacote desse tamanho, para tentar reanimar a economia. E o setor privado? Que, enfim, a crise nasceu no setor privado, a crise é de responsabilidade do setor privado, dessa vez não dá para acusar os governos de terem cometido irresponsabilidade, populismo, o diabo, como sempre se acusou. A crise é do setor privado, nasceu no setor privado. O governo hoje dá mais um tremendo aporte para tentar ressuscitar a economia. O que o setor privado vai fazer... o que o G-20 vai... os líderes do G-20 vão, de alguma maneira, forçar o setor privado a desencavar esse dinheiro, que (incompreensível).
Presidente: Olhe, uma novidade importante é que esse dinheiro que está sendo discutido para ser colocado como aporte ao FMI, ao Banco Mundial, ao Banco Interamericano, ao Banco Asiático, ao Banco Africano, ou seja, é um dinheiro para fazer fluir o crédito internacional e ajudar os países mais necessitados. Essa é uma coisa extremamente importante, porque todo mundo sabe que nos Estados Unidos e em Botsuana o principal problema é o crédito. Hoje eu ouvi de um presidente, ou seja, Botsuana ... de um representante africano aí, Botsuana vive de vender diamantes. Com essa crise, desde dezembro que não vende um diamante, por quê? Porque não tem crédito para os maridos darem um presente para as mulheres, um diamante, então as pessoas não compram. Então o crédito passou a ser uma palavra quase que chave na retomada do desenvolvimento e nós estamos discutindo exatamente esses aportes de recursos para fazer com que volte a fluir o crédito.
Eu acho, Clóvis, que a iniciativa privada, sobretudo o setor financeiro, precisa compreender de uma vez por todas que o fato de os países ricos, na sua grande maioria, ao longo dos últimos 20 anos, terem se descuidado da fiscalização, de regulamentar, fez com que as pessoas se assenhoreassem de direitos que não eram delas. Ou seja, enquanto no Brasil você tem um sistema financeiro que alavanca, no máximo, dez vezes o seu patrimônio líquido, você teve nos Estados Unidos bancos que alavancavam 35 vezes, ou seja, é você emprestar o que você não tem.
Ademais, eu acho que todo mundo está se convencendo, e disso falou o presidente Obama, disso falou o presidente Sarkozy, de que as pessoas podem ganhar dinheiro gerando coisas, produzindo coisas, ou seja, o cara produz um terno, financia um terno, ganha dinheiro porque financiou um terno, agora, o que as pessoas não podem é fazer uma quantidade de papéis, trocando entre banqueiros, entre especuladores, e ainda os caras ganhando bônus, imagina o que eles ganharam de bônus levando o sistema à falência.
Então, eu acho que a responsabilidade é de todos. Nos Estados Unidos, pelo que tenho acompanhado pela imprensa, o Obama está tentando partilhar parte daquilo que nós no Brasil chamamos de títulos podres, e eles mais sofisticadamente chamam de tóxicos, de títulos, como chamam? De papéis... sei lá. Ou seja, isso que eles modernizaram a palavra de tóxico, no fundo, no fundo, no fundo, o Obama está tentando criar uma coisa nova, fazer com que os empresários passem a comprar uma parte desses títulos até ver se recupera.
A minha posição é clara, isso eu já disse publicamente, dezenas de vezes, que não dá neste momento para você ficar dando dinheiro para banco que quebrou, ou seja, é melhor pegar esses títulos podres, colocar em um arquivo morto e dizer: “Olha, isso aqui existe, está ali, vamos ver o que vamos fazer depois”, mas todo dinheiro que você colocar novo tem que ser com o objetivo de gerar um crédito ou um financiamento para alguma coisa produtiva. Eu acho que nós demos um passo importante hoje, um passo muito importante. Deus queira que a gente não perca a lucidez. E esse passo seja o primeiro passo de uma longa caminhada e que a gente possa apresentar daqui a alguns anos uma economia, mais sólida, mais responsável e mais produtiva.
Jornalista: Presidente, durante a entrevista do presidente Sarkozy, houve uma pergunta meio fora do... totalmente... do bolso, o cara tirou da cartola, que o Brasil teria feito algum tipo de ressalva à proposta de abrir o vespeiro, lá, dos paraísos fiscais. Na verdade o Brasil teria se mostrado um pouco reticente à essa exposição total de quem não está de acordo com a cartilha. Só uma coisa que obviamente foi mencionada e a gente ficou com a pulga mordendo aqui, o senhor me desculpe.
Presidente: Não sei se... Como o Sarkozy não entende português e eu não entendo francês, possivelmente tenha faltado uma vírgula. Não, veja o que aconteceu: primeiro o Brasil é favorável que se publique a lista dos paraísos dos países que foram considerados paraísos fiscais pela OCDE. Agora, o que eu disse: é que ao divulgar a lista, digam quantos países foram investigados pela OCDE, porque o Brasil não faz parte da OCDE e não foi investigado. Então, o Brasil não consta na lista nem de bom, nem de ruim porque o Brasil não foi investigado. Então que se diga claramente que foram investigados 84 países, e desses 84, tem tantos que são considerados paraísos fiscais. Apenas isso.
Mas, eu era favorável a colocar a lista. Aliás, defendi lá que era favorável a publicar a lista, apenas com essa responsabilidade. Porque nós somos quase 200 países no mundo, só 84 foram investigados, você não pode colocar uma lista porque aparece mais de cem que não foram investigados e as pessoas perguntam, onde estão os outros? Sabe, apenas isso. Mas sou totalmente favorável, tanto é que nós aprovamos uma decisão de que fosse apresentada pela OCDE a lista hoje.
A disputa, na verdade, era mais entre Sarkozy e o coordenador, que era o Gordon Brown, porque o Gordon Brown não queria colocar no documento final uma coisa que era só da OCDE. Não queria colocar como peça do G-20. Ele queria colocar dizendo que a OCDE vai divulgar hoje, e prometeu ao Sarkozi divulgar antes de ele dar entrevista, que é para ele não ter dúvida que iria ser divulgada. Só isso.
O Sarkozy é parceiro estratégico do Brasil.
Jornalista: Presidente, parte do 1 trilhão que foi anunciado hoje, diz respeito aos direitos especiais de saque do FMI, são 250 bilhões. Para elevar esse montante, para que o FMI receba esses 250 bilhões, os países membros do FMI precisam desembolsar parte desse valor. O Brasil tem 1,7% das quotas, o que equivale a 4 bilhões e 250 milhões. É isso mesmo, é isso que o Brasil vai investir no FMI?
E segundo, qual é o valor total do esforço financeiro que o Brasil está disposto a fazer em toda a crise?
Presidente: Você não acha chique o Brasil emprestar dinheiro para o FMI? Não é uma coisa soberana? Eu passei parte da minha juventude carregando faixa no centro de São Paulo: “Fora FMI! fora FMI!”. Ou seja, agora... Veja, o Brasil é um país que tem solidez hoje e obviamente que o Brasil não quer se portar como um país pequeno.
Eu digo sempre o seguinte: nenhum país e nenhum ser humano do mundo é respeitado se ele não se respeita. E hoje o Brasil, se o Brasil defende que é preciso que tenha mais aporte de capital para o FMI, o Brasil tem condições de dizer que vai dar o equivalente a tanto. Vamos discutir o quanto que nós vamos dar. Não é apenas uma questão de quota, vamos dar aquilo que nós entendemos que podemos dar.
O que nós dissemos aos companheiros na reunião? Que o Brasil gostaria de dar, como empréstimo, para que não diminuíssem as nossas reservas, e que esse dinheiro, que nós e outros países emergentes déssemos, fosse emprestado para os países pobres, para os países da América Latina, sobretudo. Mas isso é uma coisa que o Guido vai discutir com os companheiros da área econômica. Eu sou da tese de que o Brasil deve participar.
O Brasil tem uma cabeça tão colonizada que o Brasil ainda, ao discutir financiamento para ajudar a Guiné Bissau ou para ajudar São Tomé e Príncipe, que tem 150 mil habitantes, o Brasil fica precisando que alguém doe dinheiro para o Brasil dar. Nós temos que entender que o Brasil, embora tenha problemas, o Brasil tem competência hoje para ajudar os países mais pobres, na medida em que aquele dinheiro não vá acabar com a economia brasileira, mas nós temos condições de contribuir. Nós temos condições de exigir e, ao mesmo tempo, de contribuir com a parcela que nós entendemos que seja razoável. Se cada um contribuir com um pouco, esse pouco... A gente não aprendeu, desde pequeno, que de grão em grão a galinha enche o papo? Depois a gente se queixa que os países ricos querem mandar no FMI, querem mandar no Banco Mundial. Lógico. Nós só entramos como pedintes, nós só estamos lá para pedir, para pedir, para pedir.
Nós temos que colocar a nossa fatia, para a gente poder exigir. Vocês sabem, quando vocês vão comprar um produto fiado em uma loja, e não têm emprego garantido, a dificuldade, e quando você chega com o dinheiro na mão para comprar, como é que vocês são bem tratados. É isso. O Brasil hoje tem credencial, é respeitado, e de forma muito humilde o Brasil precisa chegar lá para você ver que o Brasil vai contribuir. Não me perguntem o quanto, porque quem toma conta do dinheiro é o meu companheiro Guido e ele vai discutir com os parceiros [com] quanto nós vamos ter que contribuir. A verdade é essa: eu gostaria que o Brasil... Aliás, eu gostaria de passar para a história como o presidente que emprestou alguns reais ao FMI. Além de pagar a conta dos outros, ainda emprestei um pouquinho. Eu acho isso importante. Depois do Ronaldão no Corinthians, eu estou...
Jornalista: Presidente, sobre a decisão de o México dividir o empréstimo da nova linha de crédito flexível do Fundo Monetário, o senhor acha que pode ser visto com maus olhos pelo mercado ou pode levar, ainda, a algum estigma por parte dos investidores brasileiros, estrangeiros ou por todo o mundo? O que acha dessa decisão do México?
Presidente: Olhe, o dinheiro está sendo disponibilizado para quem precisa. A única coisa que eu posso dizer, com muito orgulho, é que neste momento o Brasil não precisa de dinheiro do FMI. Graças a Deus. Não falo isso por soberba, porque se um dia tivermos que precisar e for a única fonte que empreste, nós vamos atrás. Mas eu penso que o México tem uma economia muito, muito, muito... umbilicalmente ligada à economia norte-americana, e eu penso que se o México entende que deve pedir, é um direito do México e o mercado tem que dar graças a Deus porque o FMI não vai impor as condições que colocava cinco anos atrás para emprestar dinheiro para um país. É um direito líquido e certo do México, portanto o mercado tem que encarar como normalidade.
Jornalista: Presidente, pouco antes dessa reunião histórica, como o senhor definiu, a OCDE publicou a estimativa de que o Brasil vai ter uma contração de 0,3% este ano. A minha questão é: com base no que foi decidido hoje, o senhor diria que isso teria algum impacto, este ano, na economia brasileira para, eventualmente, por exemplo, reverter esse quadro de contração da economia brasileira? Que impacto concreto, o que foi decidido aqui, pode ter para uma recuperação da economia brasileira este ano?
Presidente: Vai ficar um pouco a minha palavra contra a palavra da OCDE, ou o otimismo do meu Ministro da Fazenda contra os economistas da OCDE.
Veja, obviamente que eu acho que se o mundo empresarial, se o mundo financeiro entendeu o recado de Londres como uma coisa positiva, isso pode ajudar muito. Agora, o que me dá a credibilidade para entender que o Brasil não vai atender aos prognósticos da OCDE é pelos investimentos que nós estamos fazendo no Brasil.
Eu vou repetir para vocês alguns números importantes: primeiro, o Brasil é um país que tem apenas 1,5% de déficit fiscal, um dos menores do mundo; segundo, o Brasil é um país que tem apenas 36% do PIB de dívida pública, é uma das menores do mundo; terceiro, o Brasil, só no PAC, tem US$ 300 bilhões para investir, até 2012, muitas obras em andamento, e vocês sabem que obras, a cada ano que passa, elas vão crescendo mais. Todas as dificuldades que o Governador do Rio de Janeiro teve, entre elaborar projeto executivo, projeto de prefeitura, licença ambiental, coisas que demoraram um ano, um ano e meio, este ano explode. Então, obviamente que isso vai gerar muitos empregos.
Nós... só para você ter idéia, aquele programa que nós criamos, chamado Mais Alimentos, em que colocamos à disposição R$ 25 bilhões do BNDES, para financiar tratores e implementos agrícolas para a agricultura familiar, hoje já é responsável por 40% da venda de indústrias de máquinas agrícolas no Brasil.
Com o programa habitacional... O programa habitacional envolve o equivalente a US$ 30 bilhões. Agora, você imagina, com as medidas que o Guido anunciou na última segunda-feira, de manter a redução do IPI do carro... O que mais você anunciou? Da construção civil. Ou seja, essas coisas vão gerar um dinamismo na economia. Será uma coisa importante para nós. Por isso que eu sou mais otimista do que os números da OCDE.
Jornalista: E o impacto (incompreensível)
Presidente: Eu acho que o impacto pode ser importante, porque eu tenho uma tese que parte dessa crise é a crise da desconfiança. Possivelmente, muitos de vocês deixaram de comprar alguma coisa que vocês iam comprar este ano, para ver o que vai acontecer, não é isso?
Vocês estão lembrados o que eu disse no dia 22 de dezembro: se a sociedade ficar com medo de consumir, o comércio não vai vender, a indústria não vai produzir. Então, o trabalhador que não estava consumindo, com medo de perder o emprego, ele vai perder o emprego exatamente porque ele não consumiu, porque é a lógica da economia. Nós não temos que esperar que os outros comprem, nós temos que comprar. Ou seja, nós somos os outros aos olhos dos outros, portanto nós temos que fazer a nossa parte. Gostou dessa frase? “Nós somos os outros aos olhos dos outros”.
Então, eu acho que a OCDE exagerou na visão do Brasil. Acho que o Brasil vive um momento... o Guido sabe do meu otimismo, o Guido sabe da minha crença, o Guido sabe que eu sei que nós temos dificuldades, mas eu vou continuar passando otimismo. Vocês nunca vão me ver dizendo uma coisa para baixo. Crise a gente enfrenta é lutando. Imaginem se o Cassius Clay tivesse medo de cara feia, o Foreman teria nocauteado ele naquela luta que ele fez no Zaire. Entretanto, depois de apanhar, com 11 assaltos, ele meteu a (muqueca) e derrubou o cara. Eu me considero o Cassius Clay dessa crise. Eu quero dar uma (muqueca) nessa crise e nocauteá-la nem que seja no último assalto.
Bom, acabou? Agora é o Guido. Mais uma.
Jornalista: Boa noite, já. Boa tarde, presidente Lula. Presidente, o senhor pode pontuar, efetivamente, se na reunião, você pode dizer que alguma coisa vai beneficiar diretamente o Brasil, ou a reunião ficou em termos gerais?
Presidente: Veja, não tem atitude para beneficiar esse ou aquele país. A atitude é para beneficiar todos os países, porque na medida em que você coloca mais dinheiro disponível para ajudar os países mais pobres, para facilitar o crédito, você está ajudando todos os países. O Brasil é um país competitivo. O que nós precisamos não é de nenhum favor de nenhum país rico. O que nós precisamos é que a economia desses países volte a ter um mínimo de solidez e que eles possam comprar aquilo que nós temos condições de produzir. Obviamente que nós sempre temos que ter um olhar para os mais pobres, os que mais precisam.
Então, o documento visa a ajudar todos os países e os países ricos jogam um papel importante porque eles têm mais responsabilidade, não só porque a crise nasceu neles – não é só por isso – mas porque eles têm mais reservas para fazer os investimentos de que o mundo precisa.
Dito isso, eu queria deixar o companheiro Guido aqui com vocês, para vocês questionarem à vontade. Ele sabe de tudo, está bem-humorado.
Jornalista: Queria perguntar... Na reunião de hoje, acordou-se que a OMC, a Organização Mundial do Comércio, (incompreensível) um segmento dos países que rompem as diretrizes contra ao protecionismo. Considera, senhor Lula, suficiente esta medida contra o protecionismo?
Presidente: Duas coisas que eu achei importantes nessa reunião. Primeiro, que todo mundo tem consciência de que o protecionismo é como se fosse uma droga. O viciado em droga, ao ingerir a droga, ele tem alguns momentos de êxtase e depois cai numa depressão profunda, não se sabe o que vai acontecer com ele depois. Nós estamos dizendo que o protecionismo pode parecer importante no começo, mas, a médio e longo prazo, é um desastre para a economia mundial. Se cada um resolver construir um muro em torno de si, será um desastre para a economia mundial. Isso é uma coisa de que todo mundo tem consciência. Ao mesmo tempo, nós nos convencemos de que quando os líderes políticos assumem a responsabilidade de decidir a Rodada de Doha, é porque nós estamos dando um sinal: o comércio, finalmente, vai ser livre. Qual era o meu medo? O meu medo era que, há 20 anos, quando os países desenvolvidos falavam em livre comércio, é porque eles tinham muito mais facilidade de colocar os seus produtos nos países mais pobres, sobretudo produtos com muito valor agregado. Na hora em que vem a crise, eles começam a perceber que o livre comércio é a única solução. A Alemanha diminuiu muito as exportações dela. Não adianta tentar se autorregular. É preciso que a gente libere o comércio para vender e comprar.
Eu acho que essa foi uma vitória que talvez uma pessoa comum não tenha noção do significado de os líderes políticos assumirem decidir o G-8. Porque eu, nesses últimos cinco anos, ligava para o Bush pessoalmente, ligava para o Chirac pessoalmente, ligava para o Tony Blair pessoalmente, ligava para o Schroeder, depois para a Angela Merkel pessoalmente: vamos assumir, vamos assumir, vamos assumir. Ninguém queria assumir. Hoje, sem dor nenhuma, nós assumimos, e eu acho que vai melhorar. Não melhora amanhã, nem depois de amanhã. É um processo, mas é uma esperança que eu acredito que vai dar bons resultados para o Brasil e para o mundo.
Companheiros e companheiras, isso aqui é uma assembléia permanente de entrevista coletiva e o Guido Mantega assume a presidência.
Amanhã vocês estão convidados a ver a visita que nós vamos fazer no lugar onde vão ser as Olimpíadas aqui em Londres, porque nosotros estamos querendo levar as Olimpíadas de 2016 para o Brasil, para o Rio de Janeiro.