02 abril 2009

Delegado da PF: só poder político gera indignação
Marcela Rocha
Especial para Terra Magazine
Em entrevista a Terra Magazine, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Sandro Torres Avelar, discorda da necessidade de maior fiscalização da PF e do Ministério Público Federal, defendida pelo presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes. E rebate as críticas sobre os supostos "abusos" cometidos pelos delegados federais.


- Todos sabem que o tratamento é diferenciado. Só houve indignação das autoridades quando se mexeu com gente de poder político e econômico bastante grande. Quando uma pessoa sem recursos é presa, ela é esquecida. Quando é uma pessoa de nível econômico mais elevado, o nível de indignação é elevado também e em pouquíssimo tempo a situação é revertida.


Em palestra ministrada na Faculdade de Direito no Largo São Francisco, em São Paulo, Gilmar Mendes criticou a ausência de controle do Ministério Público Federal sobre a Polícia Federal. Fez coro à série de críticas à Operação Castelo de Areia, que prendeu diretores da construtora Camargo Corrêa sob a acusação de crimes financeiros.


Para o delegado, "todas as instituições devem ser fiscalizadas. Acho também que a PF já é extremamente fiscalizada, pelo MPF, pelo Poder Judiciário e pela sociedade".
- Não existe instituição sob maior controle do que a Polícia Federal. E mais: inclusive o Poder Judiciário tem que ser submetido a um controle.
Gilmar Mendes defendeu a criação de uma vara especializada para controlar as atividades policiais, pois, para ele, alguns membros do MPF não só não fiscalizam como contribuem com os abusos cometidos pela PF.
Questionado sobre os "abusos" cometidos pela PF e a necessidade de fiscalizações mais rigorosas, o delegado Torres discorda da afirmação. E sugere:
- Seria positivo um conselho comum com votos paritários entre juízes, membros do MP, delegados e representantes da OAB para poder fiscalizar todo mundo. Com isso, haveria um controle em cima de todas essas instituições: Ministério Público, Poder Judiciário, Polícia Federal.
O que mais preocupa o presidente da associação é a falta de julgamentos e condenações por parte de quem tem foro privilegiado, ou seja, que são julgados pelos tribunais superiores. Chama atenção a alguns números que, segundo ele, "desmoralizam todo o sistema":
- No Supremo Tribunal Federal, de 1988 para cá, houve 140 processos de quem tem foro privilegiado. Destes, menos de 15 foram julgados e nunca, ninguém foi condenado. Eu não posso pressupor que nesses 140 processos o trabalho da PF e do MP tenha sido mal feito.
Para bom entendedor meia palavra basta: "Não adianta tentar aperfeiçoar a polícia, enquanto esses dados desmoralizam todo o sistema", conclui o delegado Torres.
Veja a entrevista na íntegra:
Terra Magazine - Acredita faltar fiscalização sobre a Polícia Federal e Ministério Público?

Sandro Torres Avelar - Acho que todas as instituições devem ser fiscalizadas. Acho também que a PF já é extremamente fiscalizada, pelo MPF, pelo Poder Judiciário e pela sociedade. Não existe instituição sob maior controle do que a Polícia Federal. E mais, inclusive o Poder Judiciário tem que ser submetido a um controle.
Então por que o presidente do Supremo afirma faltar controle, fiscalização?

Eu discordo dessa afirmação. Tanto a PF quanto o MPF estão realizando um trabalho que merece aplausos. Exageros devem ser sempre combatidos no âmbito administrativo e as devidas providências precisam ser tomadas. Mas não concordo que a PF ou o MPF precisem de um controle especial. Se for para existir algum tipo de controle especial é preciso que se pense com precisão quem o fará.
Quem?

Na minha opinião, seria positivo um conselho comum com votos paritários entre juízes, membros do MP, delegados e representantes da OAB para poder fiscalizar todo mundo. Com isso, haveria um controle em cima de todas essas instituições: Ministério Público, Poder Judiciário, Polícia Federal. Todas as instituições merecem sofrer controle e nenhuma delas é mais controlada do que a PF.
Concorda que existiram exageros na Operação Castelo de Areia no que tange à prisão dos suspeitos para levantamento dos dados e depoimentos?

Como avalia a mobilização das autoridades em torno destes casos de maior visibilidade?

Falar nisso é chover no molhado. Todos sabem que o tratamento é diferenciado. O País inteiro sabe que só houve indignação das autoridades quando se mexeu com gente de poder político e econômico bastante grande. Quando uma pessoa sem recursos é presa, ela é esquecida. Quando é uma pessoa de nível econômico mais elevado, o nível de indignação é elevado também e em pouquíssimo tempo a situação é revertida.
Isto não preocupa o senhor?

A juíza que concedeu o habeas corpus avaliou a situação e tem poder para decidir. Não é isto o que me preocupa, mas a falta de julgamentos e condenações por parte de quem tem foro privilegiado, ou seja, que são julgados pelos tribunais superiores. No Supremo Tribunal Federal, de 1988 para cá, houve 140 processos de quem tem foro privilegiado. Destes, menos de 15 foram julgados e nunca, ninguém foi condenado. Eu não posso pressupor que nesses 140 processos o trabalho da PF e do MP tenha sido mal feito. Então, vemos que o sistema está errado. É necessário proibir eventuais abusos da PF, mas que também não se propicie esse tipo de dado desmoralizador de todo o sistema. Se o Supremo não tem condições de julgar esses processos, que urgentemente se modifique a legislação e passem a ser julgados por quem tem condições de fazê-lo. Senão, não adianta tentar aperfeiçoar a polícia, enquanto esses dados desmoralizam todo o sistema.
Terra Magazine