21 novembro 2008


Comissão de Anistia quer pesquisar ligações entre empresas e ditadura
A Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça, quer detalhar em pesquisa o apoio dado por empresas privadas à ditadura militar (1964-1985) no Brasil. O tema deve fazer parte de 18 estudos a serem elaborados a partir de 2009.De acordo com o presidente da comissão, Paulo Abrão, estudiosos serão contratados para elaborar documentos sobre temas variados, entre eles "a participação da sociedade civil" na ditadura militar."Nós vamos contratar algumas pesquisas específicas sobre essa teia de perseguição que extrapolou e muito a ação do próprio Estado, como a Oban [Operação Bandeirantes]", disse Abrão, durante o Seminário Latino-Americano de Justiça de Transição, na sede do Arquivo Nacional, no Rio.A Oban foi uma articulação governamental, criada em 1969 e financiada por empresários, para combater os oposicionistas políticos.Abrão deu a declaração após ser questionado por um conferencista sobre se o Brasil pretende responsabilizar empresas privadas que deram apoio à ditadura no país."A comissão não tem competência efetiva de investigar esses fatos, mas no meio do projeto do Memorial [de Anistia Política] ela procurará desenvolver resultados a partir do acervo dos processos da Comissão de Anistia", respondeu Abrão.Questionado pela Folha, Abrão disse que o recorte temático da pesquisa ficará sob responsabilidade dos pesquisadores, mas que "possivelmente" as ligações entre empresas e a ditadura seria um dos temas.De acordo com Abrão, os relatos que ouviu de perseguidos políticos na comissão indicam que empresas participaram ativamente do regime militar."O que eu tenho conhecimento são relatos de que federações de indústria mantinham listas com nomes de trabalhadores considerados subversivos ou comunistas e que compartilhavam essas informações no sentido de não se permitir que eles fossem empregados após suas demissões de outras empresas."A Folha apurou que já há alguns temas definidos. São eles: guerrilha do Araguaia, movimento estudantil, luta feminista, movimento operário e militares perseguidos. A comissão está tentando financiamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para o projeto do Memorial da Anistia Política.


DECISÃO SOBRE PUNIÇÃO AGORA É DA JUSTIÇA, DIZ TARSO
"Do ponto de vista do governo, o debate está terminado", disse o ministro da Justiça. Tarso e o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) defenderam a investigação e a punição dos crimes cometidos por militares na ditadura. Ele elogiou a posição do relator Manfred Nowak, que diz que a tortura cometida por militares é crime contra a humanidade: "Todos os juristas sérios do direito
internacional, que analisam isso com sobriedade, entendem desta forma".

Lei não barra apuração de torturas, diz ONU
Repressão cometida pela ditadura militar não deve ser anistiada por ser crime contra a humanidade e imprescritível, diz Nowak
Especialista é responsável pelo relatório das Nações Unidas que trata dos abusos cometidos contra detentos na prisão de Guantánamo

Manfred Nowak durante coletiva na sede da ONU em Genebra
Nenhuma lei de anistia deveria impedir a investigação de crimes como a tortura. A opinião é de Manfred Nowak, relator das Nações Unidas para Tortura, para quem a obrigação moral de levar os responsáveis por tais delitos à Justiça sobrepõe-se a qualquer legislação.Nowak foi além: para ele, ações de repressão cometidas pela ditadura militar, como tortura, desaparecimentos e execuções extrajudiciais são "crimes contra a humanidade", portanto imprescritíveis."Quando falamos na tortura sistemática praticada no regime militar do Brasil a partir da década de 60, é claro que ela pode ser considerada um crime contra a humanidade", disse o jurista austríaco.Um dos principais especialistas da ONU em direitos humanos, Nowak é um dos autores do relatório da organização sobre abusos cometidos na prisão americana de Guantánamo, entre outros trabalhos.Nowak não se opôs a entrar na controvérsia surgida no governo brasileiro sobre o tema, depois que a Advocacia Geral da União divulgou um parecer em que considerou os crimes cometidos na ditadura perdoados pela Lei de Anistia, de 1979."Leis de anistia não deveriam ser usadas para evitar investigações sobre tortura", disse Nowak. Segundo ele, embora a Convenção contra a Tortura da ONU (da qual o Brasil é signatário) não mencione possíveis limitações impostas por leis nacionais, "existe uma obrigação" de investigar e levar os responsáveis à Justiça."Mesmo não sendo explícito, essa é a interpretação", disse o relator. Ele reconhece as dificuldades políticas de reabrir feridas do passado, sobretudo depois que os esforços de reconciliação se transformaram em legislação. Mas observou que em países como Chile, Argentina e Uruguai, que aprovaram suas próprias leis de perdão, "ficou claro que nenhuma anistia deveria ser aplicada aos crimes mais sérios, como a tortura"."A questão é até onde essa lei [de anistia] deve ser aplicada", disse o austríaco. Ele elogiou as ações feitas no Brasil desde o fim da ditadura para reconhecer os crimes cometidos no regime militar e indenizar suas vítimas. Mas acha que há uma lacuna em relação à tortura."O Brasil tornou-se um modelo para outros países ao reconhecer os crimes e aprovar no Congresso o pagamento de compensações a famílias de desaparecidos", disse Nowak. "Nesse ponto o Brasil fez muito, mas não sobre tortura."