A volta de Cacciola e os segredos do BC
Anunciada a decisão final do soberano de Mônaco, que ratifica a sentença de extradição, o governo brasileiro prepara o retorno do senhor Salvatore Cacciola ao Brasil. Aqui, a menos que, como costuma ocorrer, bons advogados consigam livrá-lo da prisão, deverá cumprir a sentença a que foi condenado. Sabe o banqueiro italiano, naturalizado brasileiro, que pode contar com a solidariedade absoluta de seus comparsas. Ele é senhor de segredos, que, revelados, podem provocar tufões e terremotos, embora no Brasil um escândalo sempre encubra o anterior. Cacciola – e os que foram apontados como seus favorecedores – conseguiram, seja com a fuga, seja com expedientes judiciais protelatórios – manter-se impunes desde 1999, quando houve a máxima desvalorização do real e a proteção das autoridades monetárias aos bancos Marka e FonteCindam. O caso Cacciola é a oportunidade para que a Justiça brasileira comece a desfazer a velha convicção popular de que só age contra os pobres e desvalidos, e sempre protege os ricos e poderosos.
Cacciola dirigiu-se, naquela ocasião, ao presidente do Banco Central com a promessa de 'esquecer' alguma coisa, em troca da ajuda que pretendia. No exterior, escreveu um livro, esperado como best-seller, mas aparentemente sem êxito de vendas. No livro, ele se apresenta como vítima de uma operação realizada para proteger banqueiros muito mais poderosos do que ele e do que os controladores do Banco FonteCindam. Na época, o senhor Aluízio Mercadante disse que o prejuízo dos cofres públicos com a operação fora de 15 bilhões de dólares. Durante os dois dias anteriores à desvalorização, houve forte venda de moeda a grandes operadores do mercado, de acordo com as revelações do foragido.Os cidadãos brasileiros seriam menos rigorosos na avaliação do caráter de Cacciola, se ele se dispusesse a explicar o que pretendia 'esquecer', no bilhete dirigido a Chico Lopes, em troca dos favores que lhe foram concedidos.Seja como for, se a extradição de Cacciola está causando frisson aos que se envolveram no caso, ocorrido há nove anos, ela deve ser saudada pela cidadania. Embora não se possa esperar muito das revelações do prisioneiro, é provável que, acossado pelas circunstâncias, ele diga mais do que insinuou em seu livro. Seu retorno pode apressar o processo, a fim de que o caso seja julgado antes do benefício da prescrição. É constrangedor conviver com um sistema judiciário em que condenados por crimes cometidos contra o patrimônio público permanecem em liberdade durante tantos anos, valendo-se das brechas da legislação processual.Os meios eletrônicos de comunicação, mais do que quaisquer outros, permitem à cidadania acompanhar os fatos políticos de perto. Com todos os vícios (alguns nefandos) da internet, o sistema incita a discussão pública e promove a pressão popular em busca de justiça. Isso está ocorrendo no mundo inteiro. Banqueiros são levados aos tribunais, e se nem todos chegam a ser condenados à prisão, tendo em vista a legislação penal de cada país, perdem o dinheiro desviado e são punidos com a execração pública.Se os crimes cometidos por gestores de empresas privadas contra a economia de mercado devem ser punidos com rigor, maior severidade se exige contra os que cuidam do patrimônio do Estado. O Banco Central tem sido acusado de tratamento privilegiado aos banqueiros e o escândalo Cacciola é apenas um dos casos. Há outros, e ainda mais graves, como o favorecimento à evasão de divisas pelo esquema do Banestado, mediante portaria do Banco Central que eximia de fiscalização aduaneira os caminhões que trafegavam, pela ponte sobre o Paraná, levando e trazendo dinheiro do Paraguai. Calcula-se que saíram do Brasil mais de trinta bilhões de dólares, mediante essas operações.O senhor Dênio Nogueira, que foi o primeiro presidente do Banco Central, disse que no dia em que os segredos daquela instituição fossem conhecidos, o Brasil quebraria. Estava enganado: é provável que no dia em que o povo conhecer o que faz o Banco Central, o Brasil passe a ser outro. Um desses segredos é o das verdadeiras razões que levaram o Banco Central a socorrer o sistema bancário privado, com dezenas de bilhões de reais, mediante o Proer.
Mauro Santayana é jornalista.
Anunciada a decisão final do soberano de Mônaco, que ratifica a sentença de extradição, o governo brasileiro prepara o retorno do senhor Salvatore Cacciola ao Brasil. Aqui, a menos que, como costuma ocorrer, bons advogados consigam livrá-lo da prisão, deverá cumprir a sentença a que foi condenado. Sabe o banqueiro italiano, naturalizado brasileiro, que pode contar com a solidariedade absoluta de seus comparsas. Ele é senhor de segredos, que, revelados, podem provocar tufões e terremotos, embora no Brasil um escândalo sempre encubra o anterior. Cacciola – e os que foram apontados como seus favorecedores – conseguiram, seja com a fuga, seja com expedientes judiciais protelatórios – manter-se impunes desde 1999, quando houve a máxima desvalorização do real e a proteção das autoridades monetárias aos bancos Marka e FonteCindam. O caso Cacciola é a oportunidade para que a Justiça brasileira comece a desfazer a velha convicção popular de que só age contra os pobres e desvalidos, e sempre protege os ricos e poderosos.
Cacciola dirigiu-se, naquela ocasião, ao presidente do Banco Central com a promessa de 'esquecer' alguma coisa, em troca da ajuda que pretendia. No exterior, escreveu um livro, esperado como best-seller, mas aparentemente sem êxito de vendas. No livro, ele se apresenta como vítima de uma operação realizada para proteger banqueiros muito mais poderosos do que ele e do que os controladores do Banco FonteCindam. Na época, o senhor Aluízio Mercadante disse que o prejuízo dos cofres públicos com a operação fora de 15 bilhões de dólares. Durante os dois dias anteriores à desvalorização, houve forte venda de moeda a grandes operadores do mercado, de acordo com as revelações do foragido.Os cidadãos brasileiros seriam menos rigorosos na avaliação do caráter de Cacciola, se ele se dispusesse a explicar o que pretendia 'esquecer', no bilhete dirigido a Chico Lopes, em troca dos favores que lhe foram concedidos.Seja como for, se a extradição de Cacciola está causando frisson aos que se envolveram no caso, ocorrido há nove anos, ela deve ser saudada pela cidadania. Embora não se possa esperar muito das revelações do prisioneiro, é provável que, acossado pelas circunstâncias, ele diga mais do que insinuou em seu livro. Seu retorno pode apressar o processo, a fim de que o caso seja julgado antes do benefício da prescrição. É constrangedor conviver com um sistema judiciário em que condenados por crimes cometidos contra o patrimônio público permanecem em liberdade durante tantos anos, valendo-se das brechas da legislação processual.Os meios eletrônicos de comunicação, mais do que quaisquer outros, permitem à cidadania acompanhar os fatos políticos de perto. Com todos os vícios (alguns nefandos) da internet, o sistema incita a discussão pública e promove a pressão popular em busca de justiça. Isso está ocorrendo no mundo inteiro. Banqueiros são levados aos tribunais, e se nem todos chegam a ser condenados à prisão, tendo em vista a legislação penal de cada país, perdem o dinheiro desviado e são punidos com a execração pública.Se os crimes cometidos por gestores de empresas privadas contra a economia de mercado devem ser punidos com rigor, maior severidade se exige contra os que cuidam do patrimônio do Estado. O Banco Central tem sido acusado de tratamento privilegiado aos banqueiros e o escândalo Cacciola é apenas um dos casos. Há outros, e ainda mais graves, como o favorecimento à evasão de divisas pelo esquema do Banestado, mediante portaria do Banco Central que eximia de fiscalização aduaneira os caminhões que trafegavam, pela ponte sobre o Paraná, levando e trazendo dinheiro do Paraguai. Calcula-se que saíram do Brasil mais de trinta bilhões de dólares, mediante essas operações.O senhor Dênio Nogueira, que foi o primeiro presidente do Banco Central, disse que no dia em que os segredos daquela instituição fossem conhecidos, o Brasil quebraria. Estava enganado: é provável que no dia em que o povo conhecer o que faz o Banco Central, o Brasil passe a ser outro. Um desses segredos é o das verdadeiras razões que levaram o Banco Central a socorrer o sistema bancário privado, com dezenas de bilhões de reais, mediante o Proer.
Mauro Santayana é jornalista.