O 'dossiê' pede socorro
Leandro Fortes
Ficou claro que o tal dossiê aparentemente montado nas entranhas do Palácio do Planalto para supostamente chantagear a oposição e enlamear o nome da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não passou, na verdade, de uma peraltice do senador Álvaro Dias, do PSDB do Paraná.
O documento, uma planilha de gastos pessoais de FHC, da ex-primeira-dama Ruth Cardoso e de alguns ministros tucanos, havia sido enviado por um servidor da Casa Civil, José Aparecido Nunes Pires, para o assessor de Dias, André Eduardo da Silva Fernandes. Fora montada, no início de fevereiro, para servir de salvaguarda do governo na CPI dos Cartões Corporativos.
Apresentado ao público como maquinação palaciana para constranger a oposição, a tese da chantagem, considerada fraca antes mesmo das investigações sobre o assunto, tornou-se, enfim, absurda. Isso porque até hoje não apareceu ninguém chantageado, nem muito menos um chantageador foi flagrado por aí fazendo ameaças contra opositores. A única verdade evidente é a da participação de Álvaro Dias na divulgação sorrateira de material alegadamente sigiloso, embora nem sequer isso esteja claro. Dias nega que tenha vazado à imprensa, mas suas declarações desencontradas já não podem ser levadas a sério. Na última, disse ter recebido as planilhas do assessor poucos dias antes de o material aparecer nas páginas de Veja.
De acordo com o parecer do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, os dados incluídos na planilha são públicos, inclusive os relativos aos gastos exóticos de dona Ruth (unhas postiças e fechos para sutiã), considerados reservados, menos pela legislação, mais por respeito e necessidade de tratamento isonômico para as demais primeiras-damas.
O documento em questão nasceu de um banco de dados técnico, solicitado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e reúne informações relativas a gastos com suprimentos de fundos entre o início de 2003 e fim de 2007, ou seja, durante a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
Por conta própria, o atual governo decidiu fazer outro levantamento do mesmo tipo de despesas no segundo mandato de FHC, entre 1998 e 2002. Não encontrou nada além do divulgado até agora: vinhos, bilhetes de cinemas, tíquetes de teatro, miudezas da vida palaciana, reflexos de um deslumbre típico das autoridades brasileiras por luxos exóticos, quando não patéticos, de mordomias disponibilizadas pela burocracia. A planilha acabou organizada e arquivada.
O Palácio do Planalto montou um núcleo de uma dúzia de funcionários imbuídos, basicamente, de digitar os milhares de informações registradas em centenas de caixas de papelão onde, precariamente, repousavam as notas fiscais de despesas ordenadas pelas contas do “tipo B”. Catalogadas caoticamente e gerenciadas por servidores catados aleatoriamente nas repartições públicas do País, essas contas estão na origem da discussão da criação dos cartões corporativos e, mais adiante, no conflito político gerado pela confecção do tal “dossiê anti-FHC” – mais um clichê do tipo “dossiegate” no qual a mídia adentrou com a ânsia de sempre e agora precisa criar maneiras de tentar sair dessa sem maiores explicações ou constrangimentos.
Do grupo montado para identificar, separar e digitalizar os documentos constavam dois servidores cedidos por José Aparecido Pires, identificados apenas por “Paulo Roberto” e “Humberto”. Os dois também estão sob investigação interna e externa e foram convocados para depor na Polícia Federal. Na Casa Civil, não há dúvidas sobre a participação da dupla no fornecimento do banco de dados para Pires, com quem mantinham comunicação direta e diária.
Até agora, também é claro o seguinte: no dia 20 de fevereiro, Pires, secretário de Controle Interno (Ciset) da Casa Civil, anexou os gastos de FHC durante uma troca de e-mails com André Fernandes, assessor do senador Álvaro Dias, cuja voz retumbante destoa do excesso de botox no rosto. Os textos dos e-mails são absolutamente pessoais e não têm, em nenhum momento, a mais leve insinuação de chantagem ou de aviso sobre a possibilidade de que, no Palácio do Planalto, urdia-se um dossiê para constranger a oposição.
Anexada, Pires mandou a Fernandes uma planilha do tipo Excel, de 28 páginas, com os gastos da família FHC. No primeiro momento do noticiário, deu-se ao servidor, além da pecha de vazador, a de “aliado de José Dirceu”, por quem foi levado para a Casa Civil, numa tentativa pouco sutil de inverter o gancho da notícia e minimizar a participação do senador tucano na história.
Nem o mais interessado em alimentar a tese – e que já a havia explorado com certa hipocrisia nas semanas anteriores –, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, parece disposto a prosseguir na cruzada. Estranhamente, exatos dois dias antes de o Jornal Nacional divulgar o resultado da auditoria que apontou a troca de e-mails entre Pires e o assessor de Dias, FHC minimizou a importância do suposto dossiê. “É um factóide”, afirmou.
Pires é militante antigo do PT e não tem ligação apenas com José Dirceu, antecessor de Dilma Rousseff na Casa Civil. Antes, havia assessorado vários deputados petistas em diversas CPIs, inclusive Dirceu, cassado em 2005 e réu no processo contra os envolvidos no chamado “mensalão”. Pires também se candidatou a deputado federal por Goiás, em 1994, mas não foi eleito. Coincidentemente, estava na lista de requerimentos da CPI dos Cartões mesmo antes do vazamento. Em 11 de março, o deputado Maurício Quintela Lessa (PDT-AL) havia feito o pedido por conta do cargo do “vazador” na Casa Civil.
Depois do ocorrido, é possível que a amizade entre o secretário petista e o assessor tucano tenha chegado ao fim. Isso porque, sem nenhuma explicação razoável, Pires mandou um documento interno, sob responsabilidade da Casa Civil, para um amigo plantado no meio do ninho oposicionista. Este, por suposto dever de ofício, segundo declarou à Polícia Federal, passou o documento ao chefe, mesmo ciente das conseqüências políticas e funcionais para o velho camarada sentado no outro lado da Esplanada dos Ministérios. Mais ainda, com quem, nos e-mails interceptados, compartilhava a tristeza de saber do estado terminal da mãe doente do amigo. Esse mistério ainda atormenta o governo e os investigadores.
Dias, alheio a tanta emoção, não perdeu tempo com sentimentalismo. Primeiro, passou a informação para a Veja e esta se apressou em bancar a tese da chantagem. Mas, sem chantageados ou chantageadores visíveis, ficou difícil armar um discurso de repercussão convincente, mesmo para o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), escalado para a tribuna do Senado nessas ocasiões. Algo, no entanto, estava acertado. Bem ou mal, a planilha Excel com os gastos de FHC e de dona Ruth poderia ter boa serventia para atacar a ministra Dilma Rousseff, tida como candidata à sucessão de Lula em 2010 e por ele denominada “mãe do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)”. Ou seja, embora a munição fosse de qualidade duvidosa, o alvo era bom demais para ser desprezado.
O noticiário ganhou certo fôlego após aparecer o nome de uma das principais auxiliares da ministra, a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, como responsável pela ordem de montagem do tal dossiê. Armou-se, então, um palco exclusivo para o imbróglio na malfadada CPI dos Cartões Corporativos, comissão em permanente estado de pré-coma, alimentada, quando em vez, por escândalos menores pinçados dos dados disponíveis no site da Controladoria-Geral da União (CGU). O nome de Erenice Guerra não aparece em lugar nenhum da planilha enviada a Dias. Mas não foi difícil montar a tese da participação dela porque, simplesmente, todas as tarefas administrativas determinadas por Dilma Rousseff são operacionalizadas pela secretaria-executiva.
A revelação sobre a verdadeira forma de vazamento, feita por um servidor do Palácio do Planalto, por e-mail, para um amigo no gabinete do senador oposicionista, deixou os defensores da tese da chantagem sem chão, embora isso não tenha sido suficiente para derrubar os discursos de fachada.
Dias repete, desde então, a mesma ladainha. “O importante não é quem vazou o dossiê, mas quem mandou fazer e por que mandou fazer”, afirma. Sobre o fato de ele ter sido o atravessador de uma chantagem inexistente, contudo, nenhuma palavra. O senador tucano navega tranqüilo pelo noticiário que ajudou a inflar, no qual, providencialmente, mal tem o nome mencionado. Ainda assim, teve a precaução de tirar o assessor-receptor de circulação. Deu férias para Fernandes para ele poder “preparar a defesa”.
Fernandes depôs em sigilo ao delegado Sérgio Menezes, da Polícia Federal, responsável pela investigação sobre o vazamento. Assim como foi feito no caso de Pires, a PF também vai periciar o computador do assessor tucano para saber se houve algum tipo de adulteração de mensagem ou do anexo com as informações da Casa Civil. Dias afirma estar tranqüilo em relação ao procedimento policial, mas não deve ser verdade. Os agentes envolvidos na operação querem também descobrir se foi feito algum tipo de comunicação por e-mail entre o senador e Fernandes. E se, no caso de ter ocorrido, o tema “chantagem” foi tratado de alguma forma.
O laudo do Instituto de Tecnologia de Informação (ITI), que identificou a troca de e-mails, foi divulgado pela TV Globo na quinta-feira 8 de maio. Pires, ao Jornal Nacional, deu uma explicação confusa sobre os fatos e negou ter anexado a planilha. Foi desmentido pela perícia. Depois disso, o “homem-bomba”, como tem sido tratado por parte da imprensa, escafedeu-se. Até a quinta-feira 15, ele não havia sido encontrado pela PF, nem na Casa Civil, de onde se exonerou, nem no TCU, onde entrou de férias. Ainda assim, a CPI dos Cartões pretende ouvi-lo na terça-feira 20, ao lado de Fernandes.
O governo, na medida do possível, tenta demonstrar não estar muito preocupado com a evolução do noticiário sobre o dossiê. Tanto Dilma Rousseff como o ministro da Justiça, Tarso Genro, também credenciado pelo presidente Lula para falar sobre o assunto, alegam que nada foi feito de errado. Juntos, trabalham para saber em primeira mão as verdadeiras razões do servidor para ter repassado as informações.
Desde o fim de dezembro, quando conseguiu derrubar a CPMF, a oposição estava animada atrás de denúncias contra o governo. A CPI do Cartão Corporativo, instalada às pressas, mas cansada pela própria natureza, partiu de uma premissa confusa, haja vista a inutilidade de investigar informações tornadas públicas no Portal da Transparência, mantido pela CGU na internet, de acesso irrestrito a qualquer cidadão. Além do mais, o TCU havia elogiado a migração do antigo sistema, o de contas tipo B, para o de cartão corporativo, de fácil fiscalização e controle.
A assessores mais próximos, o presidente Lula tem pedido respostas rápidas e medidas de pronto estabelecimento para o governo não “ficar nas cordas”. Segundo Lula, a crise do suposto dossiê, como foi a do “apagão aéreo”, é parte da disputa política estabelecida desde a chegada dele ao poder, em 2003. Para o presidente, quem corre mais risco com isso é, justamente, a oposição, tentada a recorrer a uma fábrica permanente de escândalos em vez de montar um discurso político viável para a eleição presidencial de 2010.
Lula, aparentemente, não tem demonstrado muita preocupação com as acusações levantadas pelos líderes da oposição, todas embasadas na tese da chantagem. Aos interessados na opinião do presidente, ele repete as dúvidas de Dilma Rousseff e Tarso Genro: “Quem chantageou quem? Quando? De que forma?” No fim das contas, nem o senador potiguar Agripino Maia, dublê de líder do ex-PFL e detector de mentiras da ditadura militar, conseguiu conceber uma tese minimamente plausível para a distância entre o escândalo anunciado e a verdade factual desnudada até aqui.
Leandro Fortes
Ficou claro que o tal dossiê aparentemente montado nas entranhas do Palácio do Planalto para supostamente chantagear a oposição e enlamear o nome da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não passou, na verdade, de uma peraltice do senador Álvaro Dias, do PSDB do Paraná.
O documento, uma planilha de gastos pessoais de FHC, da ex-primeira-dama Ruth Cardoso e de alguns ministros tucanos, havia sido enviado por um servidor da Casa Civil, José Aparecido Nunes Pires, para o assessor de Dias, André Eduardo da Silva Fernandes. Fora montada, no início de fevereiro, para servir de salvaguarda do governo na CPI dos Cartões Corporativos.
Apresentado ao público como maquinação palaciana para constranger a oposição, a tese da chantagem, considerada fraca antes mesmo das investigações sobre o assunto, tornou-se, enfim, absurda. Isso porque até hoje não apareceu ninguém chantageado, nem muito menos um chantageador foi flagrado por aí fazendo ameaças contra opositores. A única verdade evidente é a da participação de Álvaro Dias na divulgação sorrateira de material alegadamente sigiloso, embora nem sequer isso esteja claro. Dias nega que tenha vazado à imprensa, mas suas declarações desencontradas já não podem ser levadas a sério. Na última, disse ter recebido as planilhas do assessor poucos dias antes de o material aparecer nas páginas de Veja.
De acordo com o parecer do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, os dados incluídos na planilha são públicos, inclusive os relativos aos gastos exóticos de dona Ruth (unhas postiças e fechos para sutiã), considerados reservados, menos pela legislação, mais por respeito e necessidade de tratamento isonômico para as demais primeiras-damas.
O documento em questão nasceu de um banco de dados técnico, solicitado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e reúne informações relativas a gastos com suprimentos de fundos entre o início de 2003 e fim de 2007, ou seja, durante a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
Por conta própria, o atual governo decidiu fazer outro levantamento do mesmo tipo de despesas no segundo mandato de FHC, entre 1998 e 2002. Não encontrou nada além do divulgado até agora: vinhos, bilhetes de cinemas, tíquetes de teatro, miudezas da vida palaciana, reflexos de um deslumbre típico das autoridades brasileiras por luxos exóticos, quando não patéticos, de mordomias disponibilizadas pela burocracia. A planilha acabou organizada e arquivada.
O Palácio do Planalto montou um núcleo de uma dúzia de funcionários imbuídos, basicamente, de digitar os milhares de informações registradas em centenas de caixas de papelão onde, precariamente, repousavam as notas fiscais de despesas ordenadas pelas contas do “tipo B”. Catalogadas caoticamente e gerenciadas por servidores catados aleatoriamente nas repartições públicas do País, essas contas estão na origem da discussão da criação dos cartões corporativos e, mais adiante, no conflito político gerado pela confecção do tal “dossiê anti-FHC” – mais um clichê do tipo “dossiegate” no qual a mídia adentrou com a ânsia de sempre e agora precisa criar maneiras de tentar sair dessa sem maiores explicações ou constrangimentos.
Do grupo montado para identificar, separar e digitalizar os documentos constavam dois servidores cedidos por José Aparecido Pires, identificados apenas por “Paulo Roberto” e “Humberto”. Os dois também estão sob investigação interna e externa e foram convocados para depor na Polícia Federal. Na Casa Civil, não há dúvidas sobre a participação da dupla no fornecimento do banco de dados para Pires, com quem mantinham comunicação direta e diária.
Até agora, também é claro o seguinte: no dia 20 de fevereiro, Pires, secretário de Controle Interno (Ciset) da Casa Civil, anexou os gastos de FHC durante uma troca de e-mails com André Fernandes, assessor do senador Álvaro Dias, cuja voz retumbante destoa do excesso de botox no rosto. Os textos dos e-mails são absolutamente pessoais e não têm, em nenhum momento, a mais leve insinuação de chantagem ou de aviso sobre a possibilidade de que, no Palácio do Planalto, urdia-se um dossiê para constranger a oposição.
Anexada, Pires mandou a Fernandes uma planilha do tipo Excel, de 28 páginas, com os gastos da família FHC. No primeiro momento do noticiário, deu-se ao servidor, além da pecha de vazador, a de “aliado de José Dirceu”, por quem foi levado para a Casa Civil, numa tentativa pouco sutil de inverter o gancho da notícia e minimizar a participação do senador tucano na história.
Nem o mais interessado em alimentar a tese – e que já a havia explorado com certa hipocrisia nas semanas anteriores –, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, parece disposto a prosseguir na cruzada. Estranhamente, exatos dois dias antes de o Jornal Nacional divulgar o resultado da auditoria que apontou a troca de e-mails entre Pires e o assessor de Dias, FHC minimizou a importância do suposto dossiê. “É um factóide”, afirmou.
Pires é militante antigo do PT e não tem ligação apenas com José Dirceu, antecessor de Dilma Rousseff na Casa Civil. Antes, havia assessorado vários deputados petistas em diversas CPIs, inclusive Dirceu, cassado em 2005 e réu no processo contra os envolvidos no chamado “mensalão”. Pires também se candidatou a deputado federal por Goiás, em 1994, mas não foi eleito. Coincidentemente, estava na lista de requerimentos da CPI dos Cartões mesmo antes do vazamento. Em 11 de março, o deputado Maurício Quintela Lessa (PDT-AL) havia feito o pedido por conta do cargo do “vazador” na Casa Civil.
Depois do ocorrido, é possível que a amizade entre o secretário petista e o assessor tucano tenha chegado ao fim. Isso porque, sem nenhuma explicação razoável, Pires mandou um documento interno, sob responsabilidade da Casa Civil, para um amigo plantado no meio do ninho oposicionista. Este, por suposto dever de ofício, segundo declarou à Polícia Federal, passou o documento ao chefe, mesmo ciente das conseqüências políticas e funcionais para o velho camarada sentado no outro lado da Esplanada dos Ministérios. Mais ainda, com quem, nos e-mails interceptados, compartilhava a tristeza de saber do estado terminal da mãe doente do amigo. Esse mistério ainda atormenta o governo e os investigadores.
Dias, alheio a tanta emoção, não perdeu tempo com sentimentalismo. Primeiro, passou a informação para a Veja e esta se apressou em bancar a tese da chantagem. Mas, sem chantageados ou chantageadores visíveis, ficou difícil armar um discurso de repercussão convincente, mesmo para o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), escalado para a tribuna do Senado nessas ocasiões. Algo, no entanto, estava acertado. Bem ou mal, a planilha Excel com os gastos de FHC e de dona Ruth poderia ter boa serventia para atacar a ministra Dilma Rousseff, tida como candidata à sucessão de Lula em 2010 e por ele denominada “mãe do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)”. Ou seja, embora a munição fosse de qualidade duvidosa, o alvo era bom demais para ser desprezado.
O noticiário ganhou certo fôlego após aparecer o nome de uma das principais auxiliares da ministra, a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, como responsável pela ordem de montagem do tal dossiê. Armou-se, então, um palco exclusivo para o imbróglio na malfadada CPI dos Cartões Corporativos, comissão em permanente estado de pré-coma, alimentada, quando em vez, por escândalos menores pinçados dos dados disponíveis no site da Controladoria-Geral da União (CGU). O nome de Erenice Guerra não aparece em lugar nenhum da planilha enviada a Dias. Mas não foi difícil montar a tese da participação dela porque, simplesmente, todas as tarefas administrativas determinadas por Dilma Rousseff são operacionalizadas pela secretaria-executiva.
A revelação sobre a verdadeira forma de vazamento, feita por um servidor do Palácio do Planalto, por e-mail, para um amigo no gabinete do senador oposicionista, deixou os defensores da tese da chantagem sem chão, embora isso não tenha sido suficiente para derrubar os discursos de fachada.
Dias repete, desde então, a mesma ladainha. “O importante não é quem vazou o dossiê, mas quem mandou fazer e por que mandou fazer”, afirma. Sobre o fato de ele ter sido o atravessador de uma chantagem inexistente, contudo, nenhuma palavra. O senador tucano navega tranqüilo pelo noticiário que ajudou a inflar, no qual, providencialmente, mal tem o nome mencionado. Ainda assim, teve a precaução de tirar o assessor-receptor de circulação. Deu férias para Fernandes para ele poder “preparar a defesa”.
Fernandes depôs em sigilo ao delegado Sérgio Menezes, da Polícia Federal, responsável pela investigação sobre o vazamento. Assim como foi feito no caso de Pires, a PF também vai periciar o computador do assessor tucano para saber se houve algum tipo de adulteração de mensagem ou do anexo com as informações da Casa Civil. Dias afirma estar tranqüilo em relação ao procedimento policial, mas não deve ser verdade. Os agentes envolvidos na operação querem também descobrir se foi feito algum tipo de comunicação por e-mail entre o senador e Fernandes. E se, no caso de ter ocorrido, o tema “chantagem” foi tratado de alguma forma.
O laudo do Instituto de Tecnologia de Informação (ITI), que identificou a troca de e-mails, foi divulgado pela TV Globo na quinta-feira 8 de maio. Pires, ao Jornal Nacional, deu uma explicação confusa sobre os fatos e negou ter anexado a planilha. Foi desmentido pela perícia. Depois disso, o “homem-bomba”, como tem sido tratado por parte da imprensa, escafedeu-se. Até a quinta-feira 15, ele não havia sido encontrado pela PF, nem na Casa Civil, de onde se exonerou, nem no TCU, onde entrou de férias. Ainda assim, a CPI dos Cartões pretende ouvi-lo na terça-feira 20, ao lado de Fernandes.
O governo, na medida do possível, tenta demonstrar não estar muito preocupado com a evolução do noticiário sobre o dossiê. Tanto Dilma Rousseff como o ministro da Justiça, Tarso Genro, também credenciado pelo presidente Lula para falar sobre o assunto, alegam que nada foi feito de errado. Juntos, trabalham para saber em primeira mão as verdadeiras razões do servidor para ter repassado as informações.
Desde o fim de dezembro, quando conseguiu derrubar a CPMF, a oposição estava animada atrás de denúncias contra o governo. A CPI do Cartão Corporativo, instalada às pressas, mas cansada pela própria natureza, partiu de uma premissa confusa, haja vista a inutilidade de investigar informações tornadas públicas no Portal da Transparência, mantido pela CGU na internet, de acesso irrestrito a qualquer cidadão. Além do mais, o TCU havia elogiado a migração do antigo sistema, o de contas tipo B, para o de cartão corporativo, de fácil fiscalização e controle.
A assessores mais próximos, o presidente Lula tem pedido respostas rápidas e medidas de pronto estabelecimento para o governo não “ficar nas cordas”. Segundo Lula, a crise do suposto dossiê, como foi a do “apagão aéreo”, é parte da disputa política estabelecida desde a chegada dele ao poder, em 2003. Para o presidente, quem corre mais risco com isso é, justamente, a oposição, tentada a recorrer a uma fábrica permanente de escândalos em vez de montar um discurso político viável para a eleição presidencial de 2010.
Lula, aparentemente, não tem demonstrado muita preocupação com as acusações levantadas pelos líderes da oposição, todas embasadas na tese da chantagem. Aos interessados na opinião do presidente, ele repete as dúvidas de Dilma Rousseff e Tarso Genro: “Quem chantageou quem? Quando? De que forma?” No fim das contas, nem o senador potiguar Agripino Maia, dublê de líder do ex-PFL e detector de mentiras da ditadura militar, conseguiu conceber uma tese minimamente plausível para a distância entre o escândalo anunciado e a verdade factual desnudada até aqui.