20 março 2008


Azenha: IG promove queima de arquivo digital
Texto publicado no blog do jornalista Luiz Carlos Azenha
(www.viomundo.com.br)
Ontem foi um dia histórico para a internet e o jornalismo eletrônico brasileiro. Pela primeira vez, ao menos que seja de meu conhecimento, um site foi desplugado do ar sem qualquer aviso aos internautas, sem qualquer explicação oficial da empresa hospedeira. Os leitores foram privados de um conteúdo, independentemente de concordarem ou não com ele. O site deu pluft e sumiu do ar. Tentei obter informações do IG. Nada. O jornalista Paulo Henrique Amorim não quis gravar entrevista antes de consultar seu advogado e prometeu dar sua versão dos fatos no novo endereço que criou.
Confirmou que ficou sem acesso inclusive a conteúdo que classificou de "pessoal", como a reprodução de palestras que colocava à disposição dos leitores. Em minha modesta opinião, é como se alguém fosse privado da própria memória; que, por ser pública, na verdade era memória do conjunto dos internautas, mais uma vez independentemente da avaliação que fizessem do conteúdo. Salvo mudanças, é uma espécie de queima de arquivo digital.
O Portal da Imprensa divulgou uma notícia apresentando uma versão definitiva, atribuindo-a a uma fonte anônima, sem ouvir os dois lados. Tratando-se do Portal da Imprensa, especialmente dedicado à cobertura do setor, é de uma pobreza ilustrativa do estado vegetativo do Jornalismo brasileiro. Não houve protestos da grande imprensa, nem de colunistas, não houve deslocamento de repórteres para a apuração do que aconteceu. Algumas pessoas até celebraram, como se isso fosse um bom sinal.
Eu não sei a audiência do site Conversa Afiada. Com certeza está na casa das milhares de pessoas. Com certeza tinha um impacto, ainda que reduzido àqueles que têm, no Brasil, o privilégio de acessar a internet. Como é possível que o blecaute de um site que até ontem liderava o prêmio mais importante da internet brasileira - mais votado até mesmo que sites de partidos políticos como os do PCdoB, PT e PSDB - seja tratado como não-notícia? Fico imaginando se, nos Estados Unidos, saísse do ar sem explicações o Drudge Report. Garanto que seria notícia na Fox, na CNN e no New York Times.
Mais uma vez o caráter do brasileiro esteve à mostra: alguns ficaram em cima do muro, outros sumiram, ninguém tem nada a ver com isso, como se o precedente não fosse um péssimo sinal. Como especulou, em entrevista a este site, o sindicalista José Lopez Feijóo, na falta de melhor explicação trata-se de um cala boca generalizado, uma tentativa de intimidação, um recado que serve para todos os jornalistas, independentemente de veículo: sigam a linha oficial, concordem cegamente com a linha editorial.
Outro sindicalista, o presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Luiz Cláudio Marcolino, manifestou "estranheza" . Ele fez uma observação interessante sobre os sites da internet: "Tem um registro, todo uma construção, tem uma história." Assim sendo, ao retirar o conteúdo do ar, afirmou, "o IG deveria ter respeito com os leitores do site."
Punições tem havido ao longo da História do Jornalismo brasileiro. Infelizmente quase todas ficam sem registro. Primeiro, porque conforme mostrou estudo da Agência de Notícias da Infância e Adolescência (ANDI), a mídia não cobre a própria mídia. Tirando as trocas de favores, que se dão em elogios públicos logo traduzidos em empregos ou nas resenhas laudatórias em que uns tentam garantir a venda de livros de outros, não há uma cobertura séria de um setor gigantesco da economia brasileira - que envolve emissoras de televisão, de rádio, jornais, sites da internet, TV a cabo e empresas de telefonia.
O curioso é que isso acontece justamente quando os meios fazem um papel cada vez maior de protagonismo na política brasileira. E em que uma revolução silenciosa acontece, com a disseminação de conteúdo em novas plataformas, como os aparelhos celulares. Sim, páginas e páginas serão utilizadas para descrever detalhadamente as qualidades e a tecnologia das novidades do setor. Mas não haverá debate sobre o conteúdo, assim como não houve em um episódio ainda hoje obscuro, que decidiu uma vaga para o Senado brasileiro. Aquele, em que milhares de eleitores foram bombardeados em véspera de eleição com mensagens denunciando Jandira Feghali pelo apoio ao aborto, um dos que fatores que levaram à derrota da candidata no Rio de Janeiro.
É certo que um grande número de jornalistas brasileiros já está desplugado faz tempo. Assinam qualquer texto, falam qualquer coisa que o chefe mandar. Fazem acordos diários com o diabo, por medo ou em troca de privilégios. Esses privilégios vão da garantia da participação em grandes coberturas, como as Olimpíadas, às promessas de emprego eterno e aos jabás - situações em que uma empresa jornalística recebe favores monetários (passagens, hospedagem, etc.) para cobrir algum "evento" que, caso contrário, não seria notícia.
A degradação dos meios, como um todo, passa por outros fenômenos: a utilização de novelas com objetivos político-eleitorais e de campanha ideológica; a obtenção de audiência a qualquer custo, com o superdimensionament o de problemas como a criminalidade, especialmente em São Paulo; a sobreposição de anúncios sobre o conteúdo editorial nas páginas de jornais; o fim da fronteira entre Jornalismo e entretenimento, que se expressa de forma ambulante na figura de um ótimo jornalista e animador, Pedro Bial.
De minha parte, decidi que não quero participar do iBest, que não leio mais conteúdo do IG e que dispensarei quaisquer serviços ligados ao provedor - inclusive telefônicos, se houver. Estou disposto a participar de outras iniciativas para protestar contra a forma com que se deu o episódio. Finalmente, decidi manter este site na Hostnet, hospedeiro independente do Rio de Janeiro que não interfere no conteúdo.
Fonte:PT