25 julho 2006

O SONHO NÃO ACABOU
Por Elaine Tavares - jornalista no OLA24/07/2006

Foi como um sonho. Sentado estava, olhando para a rua, em frente a pequena casa de Alta Gracia, aquele que até hoje incendeia a mente de milhares de seres neste planeta. Aquele que ousou dizer que enquanto ouvesse um só injustiçado na terra, ele estaria em luta. E ali, imortalizado na pedra, mirando a eternidade, viu chegar seu velho amigo de lutas na Sierra Maestra e um outro, que jamais viu, mas que lhe rende tributos onde quer que vá. Assim, vencendo a morte, ali estava el Che, o comandante, com Fidel e Hugo Chávez, num encontro aparentenmente impossível. Um morto, um vencedor, um aprendiz. Aos 80 anos, Fidel Castro, que raramente sai de Cuba, estava na terra daquele que, com ele, entregou Cuba ao povo no final dos anos 50. Bloqueado pela arrogância estadunidense desde então, o velho guerrilheiro tem sido brindado com os adjetivos mais depreciativos: ditador, terrorista, sanguinário, assassino,anti-emocrático, e mais uma lista interminável, bombardeada pela imprensa ocidental na cabeça de toda a gente. Mas, ainda assim, com toda a campanha suja da mídia cortesã ao longo de quase 60 anos, as gentes da cidade inteira saíram de suas casas para saudar o amigo de Che Guevara. Aos gritos de “Fidel, Fidel", as pessoas se acotovelavam em frente ao modesto museu que guarda um pouco da história de Ernesto. E o enorme comandante cubano, no seu traje verde-oliva, acenava, cheio de sorrisos. Era a imagem da alegria. Amigos de infância de Che ali estavam para falar dos tempos passados, recordando sua força, sua alegria e enchendo de emoção os dois presidentes. A estátua de Ernesto, ainda menino, mostra uma cena muito comum nos seus dias de infância: ele, sentado, consumido pela asma, vendo os amigos jogar bola em frente a casa. Teimoso, o garotinho argentino iria vencer a asma, mesmo nos dias mais duros em Sierra Maestra."Eu sou um ser que venho de outro tempo e hoje me sinto alimentado. Vou embora com as baterias da alma carregadas para 80 mil anos mais de luta e de batalha", disse Fidel, depois de todas as conversas e da emoção de reconhecer ali, na pequena casa tornada museu, as imagens evocadas por Che nos dias de exílio no México. Feliz como um menino, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, se dizia muito satisfeito por ter realizado um diálogo com “esses homens de 80 anos", e ter conhecido pedaços da infância que certamente moldaram o caráter do homem que se fez um guerrilheiro heróico. “Estou recolhendo as sementes da história, aqui mesmo, também carregando as minhas baterias". E assim, como um vento forte, os dois homens mais importantes da América Latina hoje, caminharam pela casa, se encheram de alegria e foram embora. Ernestito ficou, sentado, olhando a rua, impávido. Esperou que todos fossem embora, que as gentes entrasssem em suas casas, que os repórteres voltassem para seus jornais e a noite caísse sobre a pequena cidade argentina. Então, sozinho diante do céu estrelado, saiu a fazer piruetas, tal qual as que fazia quando menino, em meio a gargalhadas de profundo gozo. Sua América Latina haverá de ser como sonhara... haverá de ser...!