05 abril 2006

Guerra irresponsável

Luiz Gushiken

Na história recente da política brasileira, raramente ações políticas foram tão dramatizadas e tensas como as ocorridas no âmbito da CPMI dos Correios, instalada em 15 de junho de 2005.
A referida CPMI teve méritos inegáveis. De sua vigorosa ação investigadora, haverá de resultar maiores vigilância e controle da máquina pública e, espero, a retomada mais corajosa em torno da urgência de uma profunda reforma política no Brasil. Mas teve também sua imagem nublada quando, na voragem das denúncias, permitiu a proliferação de comportamentos abusivos, danosos à imagem pública de instituições e pessoas inocentes.
Na Antigüidade, cunhou-se a frase, hoje clássica: "À mulher de César não basta ser honesta, mas, também, parecer honesta". Da sabedoria política dos mineiros, cravou-se outro ensinamento: "Em política, o mais importante não é o fato, mas a versão sobre o fato".
Mas foi no palco da CPMI, com ampla repercussão na mídia, que se adicionou e se impôs uma outra regra, inquisitorial em seus métodos e perigosa em seus efeitos, que se firma na idéia de que "a suspeição equivale à prova".
Essas armas foram exploradas à exaustão, e poucas vezes se viu tamanho estímulo para a prática de denúncias vazias e tamanha condescendência com o exercício da calúnia.
"Estou encantado, porque vamos nos ver livres dessa raça pelos próximos 30 anos", bradou o senador Jorge Bornhausen em uma reunião com empresários, em 27/9/05, se referindo ao Partido dos Trabalhadores, revelando inequivocamente a fúria oposicionista contra o governo Lula.
"O sr. organizou uma quadrilha no governo Lula", foi o que disse, de dedo em riste, o deputado Onyx Lorenzoni, no dia 14 de setembro passado, no plenário da CPMI, sem a mínima prova que pudesse amparar tão contundente acusação contra a minha pessoa.
Comportamentos semelhantes se repetiram ao longo da CPMI, que se transformou em terreno fértil para disseminar o veneno do desrespeito, da mentira e da difamação. Os adversários se armaram para deflagrar tempos de guerra na política.
Quando a política se resume ao horizonte da luta pela conquista do poder, a esfera pública se torna campo fértil para uma guerra aberta, na qual aniquilar o outro é a primeira e única regra do jogo. Arruinar reputações e destruir o estoque de credibilidade são os primeiros passos.
Mas a destruição de reputações só tem eficácia quando a comunicação atinge a opinião pública. Em meio a essa batalha -que ocorre desde maio de 2005-, informações centrais para a opinião pública praticamente desapareceram ou passaram despercebidas.
Quando compareci ao plenário da CPMI dos Correios, por cerca de 12 horas, dentro do mais elevado respeito político ao Parlamento, sem uso de nenhum instrumento prévio de defesa jurídica, debati exaustivamente as questões levantadas pelos membros da CPMI. Rebati ponto por ponto e desfiz uma série de interpretações incorretas e ilações.
De lá para cá, sempre que surgiram questionamentos ou interpretações equivocadas, enviei prontamente esclarecimentos integrais, baseados em documentação e fatos.
Em que pesem a consistência e a clareza das informações que ofereci, o texto apresentado pelo relator, no entanto, preferiu adotar o juízo precipitado e sem fundamentação. Faltou o devido "controle de qualidade" para afastar teses e acusações categoricamente desmascaradas.
Se tudo foi feito em nome da opinião pública, como alardeiam alguns, é imperativo reconhecer que, ao invocar o sagrado nome da opinião pública, não se pode cometer injustiças e prejulgamentos e jamais se pode culpar aqueles que são inocentes.
A execração pública é de difícil reparação "a posteriori", o que exigiria do relator redobrada prudência e a postura equilibrada de um magistrado. Emitir sentenças com poder de abalar e destruir reputações é um mal que correções tardias não conseguem atenuar.
[Luiz Gushiken, 55, formado em administração de empresas pela FGV, é chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Foi ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, deputado federal (1987 a 1998), presidente nacional do PT (1989-1990) e coordenador das campanhas de Lula à Presidência em 1989 e 1998.]
Folha de S.Paulo, 4/4/2006