A vitória apertada da coalizão de centro-esquerda encabeçada por Romano Prodi nas eleições da Itália é, ao mesmo tempo, motivo de comemoração e de reflexão para a esquerda no mundo. A avaliação é do professor de ciência política da Unesp e pesquisador do Cedep (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea), Túlio Vigevani, que tem acompanhado de perto as movimentações políticas naquele país.
Segundo Vigevani, que integra o coletivo da Secretaria de Relações Internacionais do PT, a derrota do grupo do atual primeiro-ministro é um momento interessante para a centro-esquerda - mas de comemoração moderada, ressalta. "Mais do que comemoração, é de interrogação. Por que um governo que parecia perdido [o do Berlusconi], com pesquisas eleitorais apontando para sua derrota, com parte da elite italiana contra ele, consegue 50% dos votos?”, questiona o cientista político.
Respondendo à sua própria indagação, o professor cita alguns motivos que acredita terem levado Berlusconi e seu grupo a um desempenho melhor do que o esperado — entre eles, a grande capacidade midiática do atual primeiro-ministro. Mas o professor acrescentou outros que merecem reflexão: a dificuldade da esquerda de formular um programa político e a não clareza, para parte da opinião pública italiana, sobre as diferenças entre o governo Berlusconi e o de Prodi. “É um momento de reflexões sobre o que é a política da esquerda”, resumiu.
O que é certo, segundo o cientista político, é que o establishment italiano — a federação industrial e os principais órgãos de imprensa, por exemplo — estava mais simpático a Prodi nessas eleições.
Mas Vigevani prevê um período de grande instabilidade por conta da divisão que as eleições evidenciaram na Itália, fato que pode ser bem contornado se o novo primeiro-ministro começar agindo bem politicamente e se conquistar um razoável apoio da opinião pública logo de saída. “Ele deve fazer um governo eficiente e, o que é mais importante, ampliar a base de apoio na sociedade. Se não, vai aumentar o descontentamento e abrir uma brecha para que a centro-direita liderada por Berlusconi questione a legitimidade desse governo”, analisa.
Para garantir a estabilidade, Vigevani também aponta a necessidade de haver o mínimo de acordo no grupo de partidos que sustentaram a candidatura Prodi — que vai desde o Marguerita, passando por pequenos partidos com origem na democracia cristã até a Refundação Comunista. “A heterogeneidade no grupo de sustentação do Prodi é muito grande e certamente haverá divergências na condução dos negócios do Estado”, avalia.
Sobre a decisão de Berlusconi de pedir recontagem de votos, Vigevani não acredita que isso poderá modificar os resultados.
O que o fim da era Berlusconi representa à Itália? Novamente cauteloso, Vigevani pondera que, considerando que “o mundo político dá voltas”, ainda é cedo para decretar o seu fim. Mas faz um resumo do que deve representar o novo governo: "a gestão Prodi será mais européia e menos favorável aos norte-americanos. Ele prometeu as retiradas das tropas do Iraque —se ele vai conseguir fazer isso, nós não sabemos, justamente por esse resultado apertado nas eleições; mas, por ser um ponto importante da sua campanha, acho que vai conseguir, até porque eles têm o exemplo do Zapateiro, na Espanha, que já fez isso." E em termos econômicos? “Provavelmente o governo Prodi manterá algumas conquistas do estado de bem-estar, o que não significa que ele manterá política de controle econômico, macroeconômico. Tudo isso porque é uma lógica global e ele não poderá mudar essa perspectiva.”