02 dezembro 2005

A nação constrangida
MAURO SANTAYANA
José Dirceu não é mais deputado e só poderá retornar ao Parlamento em 2016. O ex-marxista Alberto Goldman, os ex-petistas Babá e Luciana Genro e outros bravos parlamentares podem exultar. Derrotaram o inimigo político – mas não ficou claro se puniram um culpado. Não foram apresentadas provas irrefutáveis ao Conselho de Ética, nem ao Plenário. As declarações de Kátia Rabelo, presidente do Banco Rural, as mais veementes contra o ex-chefe da Casa Civil, valem tanto quanto uma moeda de barro. E foram elas, apesar de escoimadas do processo por decisão do Supremo, as que mais pesaram na decisão dos mal-informados. Seu banco está envolvido em negócios tidos como escusos. É um dos apontados nas investigações sobre a remessa ilegal de recursos ao exterior e é comparsa de Marcos Valério, desde quando esse senhor era sócio de Clésio Andrade e, nessa posição, participou ativamente do financiamento da candidatura de Eduardo Azeredo, em Minas, contra Itamar Franco. Não se sabe bem se foi Valério que cooptou o banco ou se o banco inventou Valério. Kátia Rabelo, instruída por seus advogados, tratou de descarregar o máximo de culpa sobre terceiros.
Vivemos o clima de um estado policial. Pessoas suspeitas tratam de denunciar outras, de forma a se blindarem. Os que roubam 10 denunciam que outros roubaram 100, a fim de obter o prêmio da delação. São os que recebem previamente os seus trinta dinheiros. E quando não há provas, há suspeições vazias. “É impossível que José Dirceu não soubesse. É impossível que o presidente não soubesse”, foram frases que constaram do relatório do Conselho de Ética e das acusações no Plenário. Mas essa suposição, por mais se ampare na lógica subjetiva, não constitui prova. O ministro pode até ter tido conhecimento dos métodos utilizados pelo Delúbio Soares, a fim de garantir as alianças do PT com parlamentares de moral duvidosa. Mas isso não ficou claro.
Em certo momento do discurso, José Dirceu disse que não poderia ser cassado pelo fato de não haver respondido a telefonemas de parlamentares. Ele pode estar certo que sim, que foi por isso mesmo, e pelo grande poder que exerceu no governo, que lhe cassaram o mandato. As circunstâncias especiais de seu destino podem explicar- lhe o comportamento. Ele sempre foi arredio, ainda que tenha sidobomarticulador político. Era-lhe difícil confiar, tendo passado toda a juventude no árduo exercício da dissimulação. Todos nós, menos ou mais, somos dissimulados, porque essa é uma forma de sobrevivência em mundo de cruel competição pela vida e pelo êxito. A dissimulação pode ser defesa legítima contra a violência do poder. Mas quando dessa dissimulação pode depender a vida – como no caso de Dirceu, durante a ditadura militar –, a alma sofre penosa condenação ao isolamento. Esse é um dos preços que a coragem da ação revolucionária cobra de seus militantes, chamem-se Zinoviev, Trotsky, Slanský, Jean Moulin, Lamarca ou Ernesto Guevara. Esses pagaram com a vida. Outros, menos aquinhoados pelo destino, pagam depois com a desforra dos inimigos, como, de alguma forma, ocorre a José Dirceu.
Muito bem: o Parlamento se livrou de José Dirceu. Mas a sociedade espera que se livre também de outros, estes sim, de notória má conduta – e não só dos que tiveram as suas atividades examinadas pela Comissão de Ética. José Dirceu poderia ter renunciado ao mandato para retornar em 2007, como outros o fizeram e voltaram ao Parlamento, mas preferiu a altivez do confronto. E isso faz dele, queiram ou não, um homem bem maior do que seus adversários.
Aconsciência ética não admite a hipocrisia de alguns próceres da oposição, para os quais o recurso ao financiamento de caixa 2 e a compra de votos são expedientes legítimos só em seu próprio benefício. Sempre houve espertos, caluniadores, achacadores, cínicos e velhacos em todos os parlamentos, mas não tantos como agora. As CPIs os estão preservando, e esse é o pior crime que podem cometer contra a democracia. Espera-se que o povo, atento, mande-os todos para casa, daqui a um ano.