29 setembro 2005


O PT morreu? Viva o PT!

O PT sai fortalecido do primeiro turno das eleições internas. Diante de seus detratores e dos que, mesmo dentro da esquerda, decretaram prematuramente sua morte. Triste papel terão feito alguns que eventualmente abandonem o PT neste momento.
- Só o petismo salvará o PT -
O cadáver goza de boa saúde. Depois do anúncio fúnebre reiterado em manchetes, colunas, programas de auditório, editoriais e no horário nobre dos jornais televisivos, produzidos pela mídia mercantil, o PT mostra o vigor que a esquerda precisa para se reconstruir. 315 mil militantes do partido compareceram para votar no primeiro turno das eleições internas, na maior demonstração de força organizativa e política de um partido na história brasileira, em meio à mais furiosa campanha bushista da mídia, com caráter totalitário, contra o PT.
Atacam o PT, não pelos erros que cometeu. Se valem destes erros – graves, que pedem punições exemplares pelos danos que permitem que a direita cometa contra o partido e contra toda a esquerda -, para tentar destruir a esquerda e, em primeiro lugar o PT, como principal força da esquerda brasileira. Atacam o PT com o rancor dos privilegiados, que temem pelos seus privilégios. Atacam, com a alegre adesão de jornalistas, colunistas, midiólogos, que adoram concordar com seus patrões, nos jornais, revistas e televisões, contando com a conivência de partidos que se pretendem de esquerda, mas só usam suas energias para atacar o PT.
Atacam, elevando dissidentes do PT a novos queridinhos da mídia, cedendo-lhes o espaço que negam para o MST, para o ataque ao neoliberalismo e ao capitalismo, contra o imperialismo e suas guerras, os bancos e os especuladores. E essas pessoas se deixam manipular, comparecem graciosamente aos programas, se deixam entrevistar, pautados pela grande mídia, com a condição implícita – atacar o PT – e não tocar em nenhum outro tema. Somam-se aos que ainda são ou foram queridinhos da imprensa – Roberto Jéferson, Severino (agora caído em desgraça), Bornhausen, Tasso Jereissatti, FHC. Têm em comum com a direita o objetivo de destruição do PT. A direita tradicional, porque sabe que a esquerda ficaria debilitada por muito tempo, sem o PT. Os dissidentes, porque sabem que, enquanto o PT existir como partido de esquerda, o espaço que podem ter é muito pequeno – mesmo se incensados pela grande mídia.
Mas o cadáver goza de boa saúde. Tomara que partidos como o PSDB, o PFL, o PMDB, o PPS, o PDT, entre outros, pudessem dar demonstrações assim. Submeter à militância – teriam antes de tudo de dizer quantos são, como foram alistados, etc. etc. -, a eleição de todas as direções dos partidos, em todos os níveis. Nem precisaria ser diante de campanha tão furiosa quanto a feita contra o PT – do que, aliás, estão livres, porque ou são da maior confiança das classes dominantes brasileiras ou tem a cautela de não incomodá-la -, bastaria que demonstrassem que têm militantes, que se mobilizam, quantos são, quem são. Mas se escondem atrás de siglas, enquanto apóiam os ataques ao PT, numa frente ampla que recebe o beneplácito da grande mídia monopolista.
O PT vai para o segundo turno, com um candidato que representa a continuidade da antiga direção e um candidato da esquerda partidária. Esta, pela primeira vez, disputa realmente a possibilidade de se tornar hegemônica no partido. Sua candidatura necessita da demonstração unitária de todas as correntes que não apenas criticam os métodos da antiga direção, mas também lutam contra o neoliberalismo e seu eixo fundamental – a política econômica do governo.
Triste papel terão feito alguns que eventualmente abandonem o PT neste momento. Terão demonstrado que só se interessavam na vitória da candidatura que apoiavam. Terão demonstrando que instrumentalizam a democracia – da mesma forma que a esquerda do partido acusa a antiga direção: se ganham, ficam, se perdem, se vão. Terão demonstrado que não são solidários com a esquerda, porque não ficam para apoiar o candidato da esquerda no segundo turno. Terão demonstrado que não possuem espírito unitário – acusação que sempre foi feita à esquerda e que nestas eleições é superada positivamente pelo acordo de apoio mútuo entre os candidatos da oposição à antiga direção. Terão contribuído para tornar mais difícil a vitória do candidato da esquerda, o que lhes parece incomodar muito, porque demonstraria concretamente que existe a possibilidade real de resgate do PT.
Terminariam promovendo uma profecia auto cumprida: fogem da raia e depois dirão que sabiam que o candidato da esquerda não ganharia, após ter sabotado suas possibilidades de vitória.
Terão, além disso, tomado uma posição eleitoralista, submetendo sua decisão de saída do PT ao calendário eleitoral, para poder inscrever-se em outra sigla e eventualmente conseguir se reeleger como parlamentares. Não aguardam a eleição interna mais importante do mais importante partido da esquerda brasileira. Confirmam o que muitos temiam: acumulavam força para sair, embora às vezes negassem verbalmente que se tratava disso. Dificultam a vitória da esquerda, mas saem muito mal do PT, não augurando que possam ter uma trajetória futura positiva para a esquerda, que necessita de empenho democrático, de dirigentes que agreguem e não que a dividam ainda mais, que saibam construir consensos de esquerda, precisa de confiança nas palavras dos dirigentes, de espírito de unidade, de solidariedade e de tenacidade. A ética na política se faz com dirigentes nos quais se possa confiar e nas crises alguns multiplicam sua estatura, precisamente por enxergar a floresta mais além das árvores, enquanto outros revelam não estar à altura das necessidades da esquerda.
Claro que é possível fazer um trabalho de esquerda sério na esquerda, estando fora do PT. Mas supõe que não se torne o PT alvo prioritário, desencadeando uma luta fratricida dentro da esquerda e desviando para ela as energias que não costumam utilizar contra a direita, o neoliberalismo, o capitalismo, o imperialismo. Mas abster-se da decisão que as eleições internas do PT propiciam neste momento, revela um grave erro na ótica da situação da esquerda e do enfrentamento com a direita. A esquerda não ganharia com a destruição do PT. Não se constrói algo novo positivo sobre as ruínas do que foi construído. Não foi assim na Alemanha, não foi assim no Chile, não será assim no Brasil.
O PT sai fortalecido do primeiro turno das eleições internas. Diante de seus detratores e dos que, mesmo dentro da esquerda, decretaram prematuramente sua morte. Mas este é apenas o primeiro round da primeira batalha – a de resgate do PT. Este não é um fim em si mesmo. É um passo fundamental para o resgate da esquerda como um todo, para sua reunificação, o que só pode se dar numa frente anti-neoliberal e anti-imperialista.
Mas é um bom começo. Uma vitória da esquerda, com um comparecimento ainda maior de militantes, pode ser o eixo para chamar a uma frente de todos os setores de esquerda do Brasil, de dentro e de fora do PT, de dentro e de fora do governo – porque a divisão fundamental é entre direita e esquerda, que cruza o governo e não entre governistas e opositores, que costuma confundir direita e esquerda ao invés de polarizá-los claramente – na luta contra o neoliberalismo e as guerras imperiais. Um seminário que congregue a todos, para elaborar um modelo pós-neoliberal e as vias de sua realização, assim como a aprovação da lei de consulta popular por referendos e plebiscitos, que possibilite uma consulta em 2006 sobre a política econômica que os brasileiros desejam, é um caminho possível para essa reunificação.
Um PT fortalecido e renovado é um patrimônio da esquerda. A obrigação da esquerda é lutar para que esse objetivo seja conseguido no segundo turno das eleições internas, como um passo para o resgate da esquerda brasileira e do Brasil. Muito obrigado pelos votos de condolências prematuramente enviados ao PT. Utilizem seu tempo para fazer pelo menos alguns editoriais e colunas louvando a força da militância petista. Não se livrarão tão cedo desta. Seus privilégios não estão a salvo! A luta de classes que vocês produzem e reproduzem cotidianamente, que aboliram no papel e tenta esconder as imagens, volta inevitavelmente como bumerangue e como fantasma, para impedir que durmam sossegados nos seus bunkers. Os vossos mortos lhes saúdam.
Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".