23/09/2005 - Em artigo, Paul Singer critica "violência espantosa" da imprensa contra o PT
Em artigo publicado hoje (23) no jornal Folha de S.Paulo, o economista Paul Singer critica a “violência espantosa”, a “unilateralidade” e a “cegueira” com que toda a grande imprensa tem atacado o PT, ao mesmo tempo em que silencia quando as denúncias de irregularidades atingem integrantes de outros partidos.
Singer cita como exemplo a ausência do presidente do PSDB, o senador Eduardo Azeredo (MG), da relação de cassáveis elaborada pelas CPIs – mesmo havendo “provas materiais irrefutáveis” de que ele também se beneficiou do esquema Marcos Valério. Sobre isso, segundo o economista, a imprensa se limitou a registrar as explicações oficiais e “praticamente esqueceu que falta um réu na lista”.
Se o esquecido foi o deputado José Dirceu (PT-SP), argumenta Singer, “é muito duvidoso que a falta fosse tão prontamente olvidada”, ainda que, contra o petista, existam apenas “acusações orais, e de figuras suspeitas”.
Leia abaixo a íntegra do artigo:
As raízes do ódio
Paul Singer A onda de agressões contra o PT, veiculada por toda grande imprensa, é espantosa em sua violência, em sua unilateralidade e em sua cegueira. Toda culpa pela presumida corrupção na política brasileira é jogada sobre o partido e seu governo, sem qualquer contemplação do fato de que os indícios de corrupção atingem membros de quase todos os partidos, muitos indícios sendo referentes a fatos que se deram em governos anteriores.
Um exemplo parece-me que basta para apontar a parcialidade com que esse linchamento moral do PT está sendo conduzido. Quando se apresentou o relatório das duas CPIs apontando 18 nomes de parlamentares a serem eventualmente cassados, ficou clara a ausência do senador Eduardo Azeredo, nada menos que o presidente do principal partido da oposição, o PSDB. Note-se que, contra o senador, há provas materiais irrefutáveis de que, em 1998, ele se beneficiou de esquema de Marcos Valério, igual ao que foi usado por dirigentes e parlamentares do PT. Em compensação, o relatório incluiu o deputado José Dirceu, contra o qual há apenas acusações orais, e de figuras suspeitas.
Na ocasião, a imprensa anotou o fato e reproduziu as explicações dadas pelos relatores. Desde então, a imprensa tem martelado os nomes, em geral com fotografias, dos 18 como réus comprovadamente culpados e que estão à espera da cassação certa e praticamente esqueceu que falta um réu na lista. Se a situação fosse outra e José Dirceu fosse o ausente da lista, é muito duvidoso que a falta fosse tão prontamente olvidada. O leitor precisa fazer um esforço de abstração dos vitupérios para poder perceber que se trata duma crise que envolve quase todo o mundo político, do qual o PT faz parte, mas não é o todo.
Mas de onde vem esse ódio? Possivelmente, de duas fontes diferentes. Há os que amavam o PT ou no mínimo o respeitavam, pelo que parecia ser a sua coerência, sua honestidade, sua transparência. A crise revelou que a aparência engana, que dirigentes do partido, em todos os níveis, se envolveram nas práticas que o PT combateu durante a maior parte de sua existência. Daí o pasmo, a frustração e o ódio, sobretudo de simpatizantes e de militantes que deixaram o PT ou foram expulsos dele. É o ódio dos que se percebem traídos e que estendem o seu desejo de vingança ao partido como um todo, embora seja evidente que muitos dirigentes e a maioria dos militantes não estavam envolvidos e nem cientes do esquema.A outra fonte do ódio é ideológica, ela atinge os que sempre detestaram e temeram o PT pelo simples fato de ele ser de esquerda. São os que querem preservar a sociedade brasileira do jeito que ela é. Ou, no mínimo, repelem as mudanças que a esquerda sempre preconizou: redistribuição de renda, reforma agrária, renda mínima ou renda cidadã, impostos diretos redistributivos, orçamento participativo e assim por diante. São os cidadãos que querem acabar com "essa raça pelos próximos 30 anos".
Por outro lado, há muita gente no PT e ao redor do partido que não odeia o PT, que acha que a maioria dos petistas não se acumpliciou e nem tolera práticas políticas e financeiras francamente delinqüentes, o que torna viável e indispensável "refundá-lo". É natural que essas pessoas, entre as quais me incluo, reajam ao ódio dos que nos atacam indiscriminadamente. E que escolham como adversários não os ex-companheiros desiludidos e feridos, mas os direitistas, os que se identificariam como "anticomunistas" se estivéssemos ainda nos tempos da Guerra Fria.
É a eles que Marilena Chaui se referiu quando disse, no ato público do dia 12 passado: "Odeiam-nos porque o PT foi o principal construtor da democracia no Brasil". A frase tocou num ponto sensível dos que diariamente nos lincham pela imprensa, pois vários jornais chegaram a responder a Marilena em editorial. Discutir, como vários fizeram, se o PT foi ou não foi o principal construtor da democracia é completamente ocioso. Basta que inimigos da democracia ou desta democracia que hoje temos acreditem que o PT é o principal responsável por ela para que odeiem o partido e aproveitem o ensejo para dar livre curso a sua sanha.
Para evitar mal-entendidos: não estou dizendo que o linchamento do PT seja uma conspiração das elites. O partido mudou, adotou práticas inconfessáveis e por isso tem de ser refundado. Mas, entre os linchadores, há os que querem ajustar contas com o maior partido da esquerda para eliminá-lo do cenário político pelo menos por décadas. E há gente que responde a estes: "No pasarán!". E eu, modestamente, concordo. Se depender dos petistas que se reuniram para iniciar a refundação do PT, os desígnios deles não passarão mesmo.