A Justiça Federal recebeu, nesta segunda-feira 26,
a ação penal proposta pelo Ministério Público Federal contra os cinco
militares acusados pelo homicídio e a ocultação do cadáver do
ex-deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971, durante a ditadura
militar; ao acatar a denúncia, o juiz federal Caio Márcio Gutterres
Taranto disse que delitos não estão protegidos pela anistia
Douglas Corrêa - Repórter da Agência Brasil
A Justiça Federal recebeu, nesta segunda-feira (26), a ação penal
proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) contra os cinco militares
acusados pelo homicídio e a ocultação do cadáver de Rubens Paiva, em
janeiro de 1971, no Rio de Janeiro. Com a decisão, os militares do
Exército José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr
Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos
passarão a responder, também, pelos crimes de associação criminosa
armada e fraude processual.
Ao acatar a denúncia, o juiz federal Caio Márcio Gutterres Taranto
ressaltou que o Artigo 1º da Lei de Anistia (Lei 6.683/79) não trata dos
crimes previstos na legislação comum, mas sim de crimes políticos ou
conexos a estes, "punidos com fundamento em atos institucionais e
complementares". Uma vez que a ação do MPF trata de crimes previstos no
Código Penal, tais delitos não estão protegidos pelas disposições da
anistia concedida pela Lei de 1979, segundo o magistrado.
Ainda de acordo com a decisão judicial, "a qualidade de crimes contra
a humanidade, do objeto da ação penal, obsta a incidência da
prescrição". O juiz acrescentou ainda que "o homicídio qualificado pela
prática de tortura, a ocultação do cadáver (após tortura), a fraude
processual para a impunidade (da prática de tortura) e a formação de
quadrilha armada (que incluía tortura em suas práticas) foram cometidos
por agentes do Estado como forma de perseguição política. A esse fato,
acrescenta-se que o Brasil reconhece o caráter normativo dos princípios
de direito costumeiro internacional, preconizados pelas leis de
humanidade e pelas exigências da consciência pública".
O juiz Caio Gutterres também registra que o conceito de crime contra a
humanidade inclui "as condutas de homicídio, deportação, extermínio e
outros atos desumanos cometidos dentro de um padrão amplo e repetitivo
de perseguição a determinado grupo da sociedade civil, por razão
política. Nesse contexto, o sentido e conteúdo de crime contra a
humanidade deve ser extraído, ponderando-se o histórico de militância
política da vítima, inclusive sua atuação na qualidade de deputado
cassado pelo movimento de 1964".
A decisão da Justiça Federal conclui que "a denúncia ofertada
encontra-se devidamente acompanhada de documentos e testemunhos aptos ao
recebimento da denúncia em desfavor dos acusados. Merece ênfase a
declaração manuscrita de Cecília Viveiros de Castro, a declaração de
Marilene Corona Franco ao MPF, o depoimento de Cecília Viveiros de
Castro à Polícia Federal em 11 de setembro de 1986, o recibo de entrega
do automóvel da vítima e o conjunto de documentos apreendidos por força
da Medida Cautelar de Busca e Apreensão na casa do militar falecido
Paulo Malhães".
Os procuradores do Grupo de Trabalho Justiça de Transição, da
Procuradoria da República no Rio de Janeiro, que assinam a ação,
sublinharam o caráter histórico da decisão, pois a Justiça Federal
afasta a incidência da Lei de Anistia para crimes comuns, cometidos por
agentes da ditadura militar no contexto do ataque sistemático e
generalizado, promovido contra a oposição ao regime, entre 1964 e 1979,
data da edição da lei.
Ainda de acordo com os procuradores, "a decisão, além de reafirmar o
compromisso do Estado brasileiro com as normas do direito internacional,
reforça a compreensão disseminada na sociedade brasileira de que os
crimes cometidos na época da ditadura militar devem ser punidos. O
Ministério Público Federal tem renovada confiança de que o Judiciário
condenará os culpados".