Dona de casa, esposa, mãe: no passado essa era a vida a que a mulher tinha direito. Submissa aos homens, não tinha direitos, vontade própria, voz. Não dava palpite, não votava. Apanhava, era humilhada e não tinha para quem reclamar. Tinha de suportar as bebedeiras dos maridos e as casas de tolerância; as traições masculinas eram normais, coisas de homem. E ainda por cima o sexo com ela, a esposa, tinha que ser respeitoso, para a procriação. As famílias eram imensas, as mulheres passavam grávidas quase todo o período fértil de suas vidas. Casavam-se muito jovens e tinham muitos filhos. A vida das mulheres era cruel, lavavam tanques e mais tanques de roupa, e secavam a barriga na beira do fogão. Eram raras aquelas que conseguiam estudar e se formar professoras, enfermeiras, médicas... Essas eram as privilegiadas. Nos bons colégios, a maioria de freiras, as mulheres eram preparadas para cuidar do lar. Aprendiam a bordar, fazer crochê, ponto ajour, costurar, desenhar, pintar. Aprendiam também a tocar um instrumento musical, como o piano, para entreter os convidados nas recepções familiares, nos jantares e saraus. As casas das mulheres prendadas brilhavam, as panelas eram espelhos, o assoalho refletia a luz. A roupa sempre alva e as camisas dos maridos sempre perfeitamente passadas e engomadas. A mulher prendada era uma escrava de luxo!
Aos poucos, enfrentando muita resistência dos homens, a mulher foi conseguindo seu espaço, foi se libertando. Em 1922 a semana de Arte Moderna e a Coluna Prestes polarizaram as atenções da sociedade brasileira. Bertha Lutz que estudou ciências naturais em Paris na Sorbonne, filha de Adolfo Lutz, havia tomado contato com os movimentos feministas na Europa e EUA e criou as bases do feminismo no Brasil. Aproveitando o clima de alvoroço da sociedade, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Em 1934 foi eleita suplente de deputada federal e em 1936 assumiu um mandato que não durou muito: perdeu-o em 1937, com o golpe do Estado Novo. As principais bandeiras de lutam eram mudanças na legislação trabalhista com relação ao trabalho feminino e infantil, e até mesmo a igualdade salarial. Outras mulheres romperam com o conservadorismo machista da sociedade na década de 20: Pagu, Tarsila do Amaral, Nisia Floresta, Jerônima Mesquita e muitas outras.
Nas décadas de 60 e 70 explodiu o feminismo nos EUA e Europa, impulsionado pela efervescência política e cultural que na época que colocava em xeque os valores conservadores da organização da sociedade. É nesse contexto que se discute o livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, e que as americanas se despem dos sutiãs em praça pública. No Brasil vivíamos a ditadura militar e as mulheres se organizavam para resistir ao regime militar. O movimento feminino pela anistia foi criado em 1975 e tinha como proposta denunciar as repressões do governo militar. Grande parte da militância era composta por mulheres que viram os maridos serem torturados e assassinados pelo governo militar. Esse movimento, independente de partidos políticos, foi muito apreciado pela sociedade. O Movimento Feminino pela Anistia, fundado por Therezinha Zerbini, espalhou-se pelo Brasil com grande sucesso. Não era um movimento de caráter feminista mas era um movimento comandado por mulheres. Em 1980 mudou-se o nome do movimento para Anistia e Liberdades Democráticas.
Um fato muito marcante para as feministas foi a morte de Ângela Diniz, em 1976, assassinada por Doca Street, absolvido em 1979. A indignação das feministas criou o SOS Mulher. A partir daí houve uma proteção maior para as mulheres, inclusive para as que trabalhavam e sofriam explorações e chantagens sexuais por parte dos patrões.
A partir de 1980 também se torna primordial entre os discursos políticos uma definição da situação da mulher. Em 1983, por meio de decretos oficiais, criou-se o Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo; em 1985, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Foi nesse ano também que as mulheres de vários partidos uniram-se e, de mãos dadas, ocuparam 26 cadeiras como deputadas constituintes, dando uma representatividade significativa aos direitos da mulher.
Nos anos 90 a mulher já havia conquistado mais espaço no mercado de trabalho, na política, nas universidades, na literatura, na medicina, na imprensa. Também passou a ocupar cargos importantes: Luiza Erundina foi a primeira mulher eleita prefeita de São Paulo, para o período de 1989/1993. Depois Marta Suplicy foi eleita prefeita de São Paulo, de 2000 a 2004, e Luziane Lins foi eleita prefeita de Fortaleza em 2004 e reeleita em 2008. Surgiram outras prefeitas, vereadoras, deputadas, senadoras. As mulheres mostraram que não são frágeis, mas fortes, batalhadoras, inteligentes, agüentam o tranco da vida, competem em pé de igualdade com os homens. Um ótimo exemplo para todas nós, no dia de hoje, é Dilma Rousseff, mulher ex-guerrilheira contra a ditadura, presa política barbaramente torturada nos porões da ditadura, mãe, avó. Ex-ministra de Minas e Energia e ex-ministra chefe da Casa Civil do governo Lula, hoje é a primeira mulher eleita presidenta do Brasil. Valeu a luta de tantas mulheres no Brasil e no mundo para garantir o nosso espaço, nossa liberdade, nossa independência intelectual e financeira, nossa dignidade. Hoje podemos dizer que conseguimos, que podemos. Como disse Che Guevara, "sem jamais perder a ternura". Viva as mulheres, hoje e sempre!
Jussara Seixas