25 junho 2014

Manifestantes presos em ato na Paulista seguem detidos em SP

Estudante foi transferido para CDP e professor de inglês, a delegacia.
Por ser ex-PM, Rafael Marques Lusvarghi deve ir para Tremembé.


Rafael Marques Lusvarghi, detido no protesto no dia 12 de junho e nesta segunda (23) na Avenida Paulista (Foto: Estadão Conteúdo)
Rafael Marques Lusvarghi, detido no protesto em 12 de junho e nesta segunda (Foto: Estadão Conteúdo)
Os dois manifestantes presos em flagrante na segunda-feira (23), na Avenida Paulista, durante ato contra gastos públicos na Copa do Mundo seguiam detidos na noite desta terça (24) em São Paulo. Segundo a polícia, a dupla estava com material incendiário. A defesa deles nega.

O estudante Fabio Hideki Arano, que trabalha na USP, foi transferido para o Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros, na Zona Oeste da capital. Ele faz parte do Conselho Diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp).
O outro detido, o professor de inglês e assistente de help desk Rafael Marques Lusvarghi, de 29 anos, foi levado da sede do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) para o 8º Distrito Policial, no Belém, Zona Leste. Ele deve ser transferido para o CDP de Tremembé, no interior.
O secretário da Segurança Pública explicou o motivo de ambos não terem sido liberados após a prisão, como aconteceu com a grande maioria dos manifestantes detidos nos protestos. “Eles estão presos porque são os dois primeiros casos de black blocs presos em flagrante por organização criminosa, por milícia privada, por incentivar a prática de crimes”, disse Fernando Grella.
Ex-PM
Rafael é ex-policial militar, segundo informou ao G1 seu irmão, o funcionário público Lucas Lusvarghi, de 26 anos. "Ele foi soldado. Não me lembro o ano, mas depois que ele foi à França, onde serviu na Legião Estrangeira, decidiu prestar concurso para a Polícia Militar [PM]”, declarou Lucas, que trabalha na Câmara Municipal de Jundiaí, interior do estado.
Procurada pela equipe de reportagem, a PM confirmou que Rafael serviu a corporação no período entre março de 2006 a julho de 2007, "quando pediu baixa" e foi desligado.
Segundo Lucas, ele e Rafael tinham participado recentemente da convenção que confirmou Paulo Skaf como candidato do PMDB para o governo de São Paulo. “Eu sou simpatizante do Skaff. Já o Rafael só foi lá comigo para tentar tirar uma foto com o [Antonio] Fleury Filho [ex-governador paulista]”, disse o servidor municipal.
Rafael é ex-policial militar sim. Ele foi soldado. Não me lembro o ano, mas depois que ele foi à França, onde serviu na Legião Estrangeira, decidiu prestar concurso para a Polícia Militar"
Lucas Lusvarghi,
irmão de Rafael, que foi preso em ato
Lucas não explicou os motivos que teriam feito Rafael deixar a PM de São Paulo. Segundo ele, o irmão ainda foi oficial da PM do Pará e teria ido visitar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) neste ano. “Meu irmão é muito viajado. Já morou na Rússia, por exemplo. Ele fala melhor russo do que português. Fala também espanhol, francês, alemão e inglês. É muito culto.”

Rafael e o estudante Fabio Hideki Arano foram presos suspeitos de participar da depredação ocorrida no final do protesto de segunda-feira. Eles foram detidos por policiais militares e civis do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Rafael teria sido filmado pelos agentes depredando e Fabio portando coquetel molotov além de usar a internet para convocar manifestantes para ações de depredação. Até esta terça-feira, eles continuavam detidos. Um outro rapaz, pego supostamente com maconha foi liberado após ter sido autuado por porte de entorpecente.
Primeira prisão
Na segunda-feira, polciais do Deic à paisana realizavam operação para identificar suspeitos de participar de depredações nos atos anti-Copa, principalmente black blocs.
Rafael já havia sido preso no dia 12 de junho por enfrentar policiais militares durante ato que tentava bloquear a Radial Leste. Após ter sido foi detido a primeira vez, o professor conversou com o G1 acusando a PM de truculência. Ele ficou com marcas de tiros de bala de borracha no peito e perna, escoriações nas mãos, braços e costas, e irritação nos olhos por causa do spray de pimenta que recebeu.
“Meu irmão não é black bloc. Ele é ativista”, disse Lucas. “Acho que ele foi preso porque desmoralizou a polícia no ato passado, quando enfrentou sozinho o avanço da PM e virou ícone da manifestação. Ele é combatente, foi treinado para isso. Se a PM avançar ele não vai recuar”.
“Meu irmão não é black bloc. Ele é ativista. (...) Acho que ele foi preso porque desmoralizou a polícia no ato passado, quando enfrentou sozinho o avanço da PM e virou ícone da manifestação. Ele é combatente, foi treinado para isso. Se a PM avançar ele não vai recuar"
Lucas Lusvarghi
Segunda prisão
Segundo testemunhas ouvidas pelo G1, antes de ser detido pela segunda vez, Rafael participava do ato de segunda-feira de forma pacífica. Aos jornalistas dizia ter sido despedido do emprego por causa da repercussão que teve sua primeira prisão.

Rafael também comentou que a namorada terminou o romance ao descobrir que ele mentiu para ela dizendo que iria trabalhar, mas que na verdade participou do protesto do dia 12 de junho. E ainda falou que iria viajar neste próximo sábado (28) para a Legião Estrangeira, que iria para Rússia.
Ainda de acordo com pessoas que viram Rafael, ele passou a beber vodca até aparentar estar embriagado. Cambaleando, ele ainda tentou paquerar as médicas ativistas que acompanham as manifestações. "Micareta!", gritava o professor, segundo testemunhas.
Pelo relato de quem presenciou a segunda prisão de Rafael, ele recebeu uma chave de braço de um policial militar após dar socos numa banca de revistas. Em seguida, apareceram quatro policiais do Deic. Um deles chegou a atirar para o alto. A atitude do investigador não foi reprovada pela Secretaria da Segurança Pública do estado de São Paulo (SSP). De acordo com o secretário Fernando Grella, ele atirou como sinal de advertência para afastar os ativistas e não ser cercado ou agredido por eles.
"Para combater criminalidade e tráfico a polícia é frouxa. Agora para não dar informação a um familiar sobre o paradeiro do seu irmão ela me acusa de que posso fazer parte de um grupo terrorista", disse Lucas sobre a resposta que obteve de policiais do Deic quando perguntou sobre Rafael.
Lucas Lusvarghi, irmão de Rafael, que foi preso pela segunda vez em atos (Foto: Reprodução / TV Globo)
Lucas Lusvarghi, irmão de Rafael, que foi preso pela
segunda vez em atos (Foto: Reprodução / TV Globo)
Rafael é o mais velho de quatro irmãos. “A caçula é uma garota. Ele mora sozinho em Indaiatuba e minha mãe está desesperada em busca de informações dele, mas o Deic não nos disse nada e nem nos deixa vê-lo.”

Tremembé
Segundo a PM, mesmo tendo passado pela corporação, Rafael não pode ser transferido para o presídio militar Romão Gomes, na Zona Norte, porque não é mais considerado PM. Outra alternativa seria transferi-lo para um Centro de Detenção Provisória (CDP), como ocorreu com o estudante Fabio.

Segundo investigadores do Deic, se Rafael for para um CDP corre risco porque os outros presos não aceitam conviver com ex-policiais. Nesse caso, o professor poderá seguir preso para Tremembé, no interior do estado, onde estão criminosos condenados em casos que ganharam repercussão, como, por exemplo, Alexandre Nardoni, preso por matar a filha Isabella.

Defesas
Na segunda-feira, Tatiana Lusso, que se apresentou como advogada de Rafael, negou as suspeitas sobre o professor.
Nesta terça-feira, o advogado Renato Pincovai, que defende Fabio, também negou que seu cliente seja black bloc. “Ele é ativista. Teria se formado em jornalismo pela USP e agora é auxiliar de laboratório do Hospital Universitário.”

A defesa dos suspeitos deverá entrar com pedido de liberdade à Justiça. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública (SSP), Rafael e Fábio foram indiciados por associação criminosa, porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, incitação à violência, resistência e desobediência. De acordo com a pasta, esses crimes não prevêm pagamento de fiança para responder em liberdade. Por isso, eles continuam detidos.