Profissionais que atuaram ou que ainda atuam na
Ação Penal 470 falam em revisão criminal e no peso que o reconhecimento
literal do presidente do STF, Joaquim Barbosa, de que houve agravamento
artificial de penas para o crime de formação de quadrilha pode ter daqui
para frente; "É uma violência condenar alguém a uma pena maior do que
aquela que é devida", declarou Alberto Toron, que defende João Paulo
Cunha; para Marcelo Leonardo, advogado de Marcos Valério, a fala de
Barbosa "é uma constatação da infelicidade que foi o julgamento";
Antonio Carlos de Almeida Castro, que defendeu Duda Mendonça, se disse
perplexo com declaração do ministro, afirma que rejeição pelo Supremo de
que houve quadrilha foi um "tiro no cerne da acusação" e que facilitará
o pedido de revisão
Por Leonardo Léllis, do Consultor Jurídico
O fato de o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal
Federal, admitir que algumas penas dos condenados na Ação Penal 470, o
processo do mensalão, foram aumentadas desproporcionalmente para se
evitar a prescrição de crimes ou o cumprimento da pena em regime
semiaberto provocou uma série de reações negativas de profissionais do
Direito e de quem acompanhou os desdobramentos do julgamento. Os efeitos
da declaração do ministro nos próximos capítulos do processo, porém,
devem ser pequenos.
O advogado do ex-deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), Alberto
Zacharias Toron reconhece que a fala do ministro Joaquim Barbosa poderá
ter um peso daqui para frente. "É uma violência condenar alguém a uma
pena maior do que aquela que é devida. Obviamente quando entrarmos com
revisão criminal, vamos fazê-lo também por conta de outras questões
como, por exemplo, a própria condenação", disse.
Já para Marcelo Leonardo, advogado de Marcos Valério, o
reconhecimento literal feito por Barbosa não deve ser capaz de
justificar nenhum tipo de recurso ou revisão criminal. "É uma
constatação da infelicidade que foi o julgamento", diz o advogado, para
quem o agravamento viola as garantias do código penal na fixação das
penas. A admissão de Barbosa se deu na análise dos Embargos Infringentes
relativos à condenação por formação da quadrilha dos réus. Como houve
absolvição, Marcelo Leonardo acha que o assunto está superado.
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay (foto), se disse
perplexo com a declaração do ministro Joaquim Barbosa, mas reconhece
que não há muito o que ser feito pela defesa. "O que pode ocorrer é uma
discussão no meio jurídico como um todo para comprovar aquilo que sempre
existiu nas entrelinhas, que é a hipótese de uma instrumentalização do
julgamento. Eu prefiro nem acreditar nisso. Em homenagem ao Supremo, o
ministro [Joaquim Barbosa] deveria dizer que isso não ocorreu. É muito
grave", disse o advogado, que defendeu o publicitário Duda Mendonça,
absolvido.
Outro advogado que atua no caso afirma que a manobra admitida pelo
presidente do Supremo ocorre com frequência em outras instâncias do
Judiciário.
Revisão criminal
Um outro fator com maior potencial de mudar os rumos do julgamento da
AP 470 é tratado com cautela extra pelos defensores. Em sua coluna na
Folha de S.Paulo, o jornalista Ricardo Melo aponta que com informações
do Inquérito 2.474, conduzido pelo Supremo em paralelo à ação que deu
origem à AP 470, "réus poderiam rebater argumentos decisivos para sua
condenação". O acesso a esses autos foi negado por Joaquim Barbosa por
considerar que poderia ser prejudicial às investigações do processo do
mensalão.
Kakay representa dois envolvidos neste inquérito. Entretanto, como
corre em segredo de Justiça, não pode fazer nenhum comentário sobre seu
conteúdo. "Acho que existem vários outros motivos jurídicos e técnicos
para se fazer a revisão penal [da AP 470]. Fatalmente, esse processo
terá uma revisão criminal, com muita possibilidade de êxito,
independentemente do Inquérito 2.474", disse o advogado.
Em sua opinião, a rejeição pelo Supremo de que houve formação de
quadrilha facilitará o pedido de revisão. Para Kakay, o julgamento foi
um "tiro no cerne da acusação". "Fica meio inacreditável imaginar que
possa ter havido corrupção ativa de parlamentares se a base de tudo é
que existiu uma quadrilha. Acho que a revisão criminal, tecnicamente
falando, vai ser posta no momento adequado pelos advogados e terá
êxito."
Sem se referir ao caso específico de seu cliente, Marcelo Leonardo
explica que uma das hipóteses para o pedido de revisão criminal é o
surgimento de nova prova. "Eventualmente, o material que está nesse
inquérito, como não estava na AP 470, pode, em princípio, constituir
prova nova para autorizar uma revisão criminal", diz o advogado, que
afirma não conhecer o conteúdo dos documentos.
Como também não teve acesso à papelada, Toron vai pela mesma linha.
"Eu preciso examinar esses autos para saber se não ter feito isso no
curso da AP 470 trouxe prejuízo. É possível que sim, mas, para ter
certeza, eu preciso examinar os autos", disse.